Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Mídia comercial quer autorregulação

Não é de hoje que existe uma disputa no campo da comunicação entre aqueles que acreditam que o setor precisa de regras mais rígidas – e que as normas existentes sejam cumpridas – e aqueles que defendem menos regulação. Esses últimos tiveram muito o que comemorar no ano passado, quando a Justiça extinguiu a Lei de Imprensa (5.250/67) e pôs fim de vez com a obrigatoriedade da exigência do diploma em jornalismo para exercer a profissão.

Esses são só dois exemplos recentes que comprovam que parte significativa das grandes empresas de comunicação do país preferem que existam cada vez menos regulação para o setor. Ou que, se existirem, as regras sejam feitas pelos próprios veículos privados, sem a participação do Estado. É nessa tecla que bateu mais uma vez o vice-presidente da Associação Nacional dos Editores de Revistas (Aner), Sidnei Basile, na última terça-feira (4), durante a 5ª Conferência Legislativa sobre Liberdade de Imprensa, realizada na Câmara em comemoração ao Dia Mundial da Liberdade de Imprensa (3 de maio).

‘Não há outro jeito. Temos um encontro marcado com a autorregulação, ainda que não tenhamos aceito plenamente esse convite. Tão mais tortuoso e torturado será o nosso caminho quanto por mais tempo adiarmos essa convergência da imprensa com seu destino’, discursou Basile, que também é vice-presidente de Relações Institucionais do Grupo Abril.

A avaliação de Basile não ecoou isolada. Os presidentes da Associação Nacional de Jornais (ANJ) e da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), Judith Brito e Daniel Slaviero respectivamente, deram declarações concordando com a ideia da autorregulação como saída para os vácuos normativos que existem hoje. E além das entidades privadas, a ideia também é defendida por membros do alto escalão do Poder Público, como o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Carlos Ayres Britto, que foi o relator da proposta que acabou com a Lei de Imprensa.

Segundo Basile seria construído uma espécie de código de conduta para o exercício da profissão de jornalista. ‘Não um, mas muitos códigos de conduta, porque são muitos os veículos e o compromisso de se auto-regular é uma forma de garantir aos leitores, telespectadores, ouvintes, que cada veículo tem um conjunto de regras – que seu público precisa conhecer – e que vai se pautar por essas regras no trabalho de verificação editorial’, explica.

Para o representante do Grupo Abril, esses códigos serviriam para disciplinar questões recorrentes na prática jornalística, como assegurar o direito de defesa de quem esteja sendo acusado por alguma matéria, ouvir as partes envolvidas em um fato, não misturar opinião com notícia, evitar o máximo as acusações off the records – aquelas em que não se revela quem deu a declaração – e não conseguir notícias se passando por outra pessoa.

‘Fica meio cômico. Essas são coisas da pré-história do jornalismo moderno’, critica o pesquisador sênior da Universidade de Brasília Venício A. de Lima, que é contrário a ideia da autorregulação da atividade jornalística. A Lei de Imprensa, lembra ele, já continha alguns mecanismos para evitar esses desvios citados por Basile. Por isso, Lima acredita que acabar com a Lei de Imprensa foi uma decisão equivocada do STF. ‘Algumas das partes da lei tinham recepção na Constituição de 1988’, afirma.

A proposta das entidades empresariais parece não ser muito diferente do que já é praticado hoje no país. Vários jornais, por exemplo, já possuem seus códigos internos de conduta. Os jornalistas também possuem um código de ética. Mas essas normas, sem dúvida, tem muito menos poder que uma lei. Para Basile, o Estado não precisa intervir mais na questão porque ‘os poderes constituídos já decidiram a moldura em que a liberdade de expressão se dá. E, afinal, para coibir abusos, temos o Código Penal, que pune os delitos contra a honra, os únicos que podemos perpetrar no exercício da profissão, de maneira adequada.’

Essa declaração do representante do Grupo Abril desvela como os representantes dos grandes grupos privados estão satisfeitos com a pouca regulação existente hoje sobre a prática jornalística e também sobre a estrutura da mídia no país. Para esses, a liberdade de expressão vive sua plenitude no Brasil.

Por outro lado, tantos outros especialistas e militantes da luta pela democratização da comunicação acreditam que existe mais liberdade de expressão no país, mas ela ainda está distante de atingir seu ápice. Há no fundo dessa divergência com os empresários uma visão diferente de como se configuraria a liberdade de expressão atualmente.

O pesquisador Venício A. de Lima lembra, por exemplo, que os representantes da mídia comercial quase nunca citam em seus discursos a concentração de propriedade que existe no setor da comunicação. Para ele, a existência do oligopólio ou monopólio midiático é um dos fatores fundamentais para que não se possa considerar que a liberdade de expressão é plena no país. ‘Sem a garantia de funcionamento dos meios de comunicação dentro de uma `estrutura policêntrica´, não há como falar em liberdade de imprensa garantidora da democracia’, defende Lima, em artigo (‘O sentido das idéias‘) publicado no Observatório da Imprensa.

Ofensiva

O presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), Sérgio Murillo, vê nessa movimentação dos empresários em torno da autorregulação uma ofensiva conservadora. Para ele, apesar de os avanços do governo terem sido tímidos na área, percebe-se que as corporações da mídia estão um pouco acuadas. ‘É a resposta que eles estão encontrando’, avalia.

Ele observa, por exemplo, o grande número de eventos que os representantes da grande mídia comercial tem promovido recentemente. Alguns realizados com parceiros públicos, como o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal. ‘O que eu lamento’, comenta Sérgio Murilo.

O presidente da Fenaj acredita que a autorregulação proposta por entidades de peso do campo privado da comunicação, como a ANJ, a Abert e a Aner vem em resposta a um movimento da sociedade civil de cobrança por regulação do Estado na área. Não é à toa que por várias vezes os representantes destas organizações tem atacado em seus discursos as construções de políticas públicas que tiveram a participação popular, como a 1ª Conferência Nacional de Comunicação e o 3º Plano Nacional de Direitos Humanos.

‘O sonho deles é lei zero’, critica Sérgio Murillo. Mas como, ainda na opinião do representante da Fenaj, as entidades patronais não se sentiriam confortáveis com esse tipo de proposta, que teria dificuldade de ser bem aceita entre a população, elas vem trabalhando com a ideia de autorregulação.