A mídia brasileira faz seu papel ao detonar o projeto de criação do Conselho Federal de Jornalismo (CFJ). O projeto foi produzido pelos jornalistas num período de mais de cinco anos. Nesse tempo foi criticado, avaliado, discutido, modificado, questionado pelos principais interessados e sujeitos de suas implantação, os profissionais de jornalismo.
Nos dois últimos anos os jornalistas brasileiros, por meio de sua representação, a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), trabalhou para encaminhar o projeto e obter parecer favorável das instâncias políticas no país. Isso significa que a mídia brasileira e os notáveis do jornalismo no país conheciam o projeto antes do encaminhamento do Poder Executivo para apreciação do Congresso Nacional. É no mínimo interessante a reação dessa mesma mídia e dos chamados notáveis do jornalismo contra a proposta da Fenaj, bem como do processo de encaminhamento para o Congresso.
O que é mais triste em toda essa história está na representação que fazem muitos jornalistas da grande mídia na defesa da posição da indústria midiática. É lamentável, para dizer o mínimo, o posicionamento que esses jornalistas assumem nos diversos textos que produzem, muitos dos quais revelam ignorância sobre o conteúdo do projeto do CFJ. Exemplo desse desconhecimento é apresentado pela jornalista Malu Gaspar em matéria da revista Veja, na edição com data de capa de 18 /8/04. Entre as personalidades notáveis ‘ouvidas’ num dos boxes da matéria, não há qualquer representante da Federação Nacional dos Jornalistas e nem mesmo algum profissional das centenas de redações jornalísticas que existem no país.
Outro ponto da matéria em que a jornalista comete deslize na regra jornalística trata do posicionamento claramente subjetivo quando escreve que a composição do CFJ ‘seria de dez membros, com a missão de zelar pelo comportamento ético dos jornalistas e – aí que mora o perigo (sic) – pelas ‘atividades jornalísticas’ (sic), o que não passa de um velado cerceamento (grifo nosso) da liberdade de imprensa’. A autora passa o entendimento de que os membros do CFJ teriam o poder de censura sobre o processo de produção jornalística. Se houvesse um conhecimento pleno do teor do projeto, poderia saber que o CFJ não tem todo esse poder. Que o CFJ vai regulamentar o exercício profissional e não a produção de seus membros – afinal, todos os jornalistas, repito, todos os jornalistas, são os componentes do Conselho.
Na estrutura de Conselho, é bom que se saiba, não há um sistema presidencialista. Todos têm igualdade de participação e a diretoria do Conselho é exercida por um conjunto de profissionais que são escolhidos pelo voto direto entre seus pares. Isso quer dizer que não há qualquer relação diretiva da parte dos órgãos do governo federal. Um Conselho profissional tem total autonomia dos poderes estatais constituídos.
Apuração deficiente
Em outro ponto da matéria de Malu Gaspar, há uma referência sobre as formas de vigilância da imprensa pela população. Diz Malu que ‘Ela (a imprensa) precisa mesmo estar sob constante vigilância’. E continua: ‘Ocorre que está sempre. Cada vez que chega às bancas, os jornais e as revistas estão se submetendo a julgamento popular instantâneo’. Deve ser por isso que as tiragens dos jornais e das revistas têm tido constante diminuição. Fato que se deve principalmente à perda de leitores, por dois motivos: qualidade das matérias com clara a unilateralidade de posicionamento e a qualidade do próprio texto, sem a devida apuração e uma espécie de mea-culpa conformista do tipo a imprensa erra, mas isso é normal; a imprensa destrói pessoas, mas isso faz parte da atividade. Esse raciocínio me lembra as estratégias militares em tempos de guerra.
Para que todos os profissionais, estudantes e a sociedade em geral tenha clareza do que significa a existência do Conselho Federal de Jornalismo, se faz necessário e urgente estabelecer espaços de debate no âmbito dos Cursos de Jornalismo existentes no país. Com o apoio do Sindicato dos Jornalistas, os professores e estudantes deverão agendar esses momentos de debate. É o futuro da profissão que está em pauta. A regulamentação da profissão jornalista fará completa diferença para o exercício profissional que deve ter como base sua responsabilidade social. Não poderemos compactuar com o raciocínio que diz que a imprensa erra, mas que isso é natural. Será natural prejudicar a vida e a atividade profissional das pessoas? Será o jornalismo intocável que admite tantos picaretas que atuam de forma irresponsável?
É um privilégio escrever um texto tendo em mãos as edições de duas semanas da revista Veja. Na seção ‘Carta ao leitor’ da edição 1868, o editor da revista diz que ‘parte da imprensa é mesmo propensa a fazer julgamentos apressados e avessa à prática de checagem das informações que publica’. E adiante faz um relato sobre o que seria o procedimento jornalístico adequado: ‘Se tivessem realizado um procedimento básico do jornalismo, como se certificar do que eles [Isto É ou Veja no caso do CFJ] próprios publicaram sobre o caso…’. Esse procedimento podemos imputar à Veja no caso da condenação do CFJ. Veja não apurou adequadamente o conteúdo e as propriedades do projeto de criação do Conselho Federal de Jornalismo e o condenou precipitadamente. E aqui me lembro de um outro ditado, bíblico inclusive, que diz mais ou menos o seguinte: ‘É mais fácil enxergar o cisco no olho do próximo ao invés da trave em nosso próprio olhar’.
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Jornalista, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e coordenador do Fórum Nacional dos Professores de Jornalismo