Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Mídia no Pan, entre a torcida e a crítica

Ufanista, realista ou pessimista? Refletir sobre a cobertura da imprensa nos Jogos Pan-Americanos de 2007 foi o objetivo do programa Observatório da Imprensa na TV exibido na terça-feira (31/07). Dias antes do início da competição, em 10/07, o OI na TV já havia tratado do Pan, mas com enfoque na estrutura montada para a cobertura e nas expectativas da imprensa.


Foram convidados profissionais de diferentes mídias para traçar um panorama diversificado do trabalho dos meios de comunicação durante os jogos. Participaram do debate com Alberto Dines os jornalistas Juca Kfouri, colunista da Folha de S.Paulo; Alvaro Oliveira Filho, gerente de Esportes do Sistema Globo de Rádio e Maurício Torres, apresentador da Rede Record. Também esteve presente o psicanalista Waldemar Zusman, que analisou o comportamento da torcida, a necessidade de criar ídolos, e explicou a origem do esporte na sociedade.


Alberto Dines abriu o programa com um editorial sobre o ufanismo nas competições esportivas internacionais [ver íntegra abaixo]. Para ele, a mídia eletrônica precisa justificar as verbas de publicidade, por isso é obrigada a valorizar a competição e acaba caindo no exagero: ‘O ufanismo subverteu a cobertura, sobretudo televisiva. Ao telespectador não foi oferecida uma visão ampla do Pan, mas sim uma visão dos feitos dos atletas brasileiros. Um bronze verde-amarelo era mais importante do que um ouro cubano, americano ou canadense’. Dines observou ainda que a credibilidade da mídia pode ser posta em dúvida por conta da falta de equilíbrio que permeou a cobertura dos jogos.


A reportagem exibida antes do início dos debates avaliou que a mídia deu amplo destaque aos jogos, mas não foi unânime: na televisão, os profissionais teriam feito coro com a torcida, enquanto os jornais impressos teriam oscilado entre a crítica e o otimismo. A matéria também observou que a cobertura da TV ficou restrita às modalidades em que o Brasil tinha maiores chances de medalhas, e que não destacou os vencedores quando estes eram estrangeiros. Outros pontos levantados foram o destaque dado ao quadro de medalhas quando Brasil começou a ter reais chances de conquistar o segundo lugar e as transmissões que incentivavam a rivalidade e a hostilidade entre os países.


Em entrevista gravada, o editor de Esportes do Globo, Antonio Nascimento, disse que apesar de parte da imprensa paulista acreditar que os jogos não seriam bem-sucedidos, predominaram as notícias positivas. O editor observou também havia duas vertentes na cobertura dos veículos jornalísticos do Rio: ‘Havia as `cassandras´, que achavam que o Pan ia ser um fracasso, ia ter nó de trânsito, tudo ia dar errado, a Vila Pan-Americana ia afundar. E havia um outro grupo de pessoas, que eu me incluo, que era otimista’.


Otimismo x derrotismo


Dines questionou Juca Kfouri sobre o editorial ‘Os ouros e o Tesouro’ publicado pela Folha de S. Paulo na terça-feira (31/07). O texto julgava que o desempenho do Brasil nos jogos precisaria ser compreendido num contexto mais realista. Dines ressaltou que não é muito comum um jornal como a Folha publicar um editorial sobre esportes. Juca tem mais 30 anos de profissão, participa do programa Linha de Passe, apresenta o Juca Entrevista, ambos na ESPN, apresenta o CBN Esporte Clube, na rádio CBN, e mantém um blog no portal UOL e não acredita que a Folha tenha sido bairrista. ‘Entre o ufanismo exacerbado e o derrotismo exacerbado, eu prefiro o realismo exacerbado. E eu acho que é isso que está muito bem exposto no editorial da Folha e em alguns momentos no próprio Globo. Nunca na TV aberta’, opinou.


Alvaro Oliveira, que foi repórter esportivo e subeditor de Esportes do Globo e editor do Lance!, participa da cobertura dos Jogos Pan-Americanos há vinte anos. Ele comparou o trabalho do rádio com o das TVs e dos jornais impressos. O jornalista concluiu que o veículo foi um meio-termo entre os dois extremos, mostrando os erros e acertos da organização e também destacando os resultados obtidos pelos atletas brasileiros.


Ao retomar oi tema da cobertura das emissoras de TV aberta, Dines perguntou a Maurício Torres: ‘Será que a TV aberta, apesar do espetáculo, apesar de ser tão acessível ao país inteiro, não poderia ser um pouco mais rigorosa na suas avaliações e na sua crítica também?’ Maurício, que tem 20 anos de carreira, trabalhou na Rádio Globo do Rio de Janeiro, no Canal pago Sportv, cobriu quatro Copas do Mundo, quatro Olimpíadas e outros três jogos Pan-Americanos, acredita que a televisão aberta vive um dilema que tem origem na vocação do veículo. De um lado, precisa buscar os melhores índices de audiência para manter as verbas publicitárias, mas, por outro, deve atender ao público multifacetado e não deixar de fora esportes menos conhecidos.


Torcedor como parte da guerra


Para o psicanalista Waldemar Zusman, a questão do excesso de ufanismo e das ‘patriotadas’ é vinculada à origem de todos os esportes, que nasceram das guerras. O médico, que é presidente-honorário da Associação Psicanalítica Rio 3, filiada à International Psychonalytical Association, fundada por Sigmund Freud, explicou: ‘Os torcedores são indivíduos que também tomam parte na guerra. Tomam de uma maneira especial porque a multidão, os indivíduos que assistem à partida de futebol, constituem a multidão que está ali para assistir à guerra e para também para escolher um lado (…) Toda vez que uma multidão se reúne, ela perde os princípios de contenção que nosso superego exige de nós como pessoas. Uma vez que a multidão se reúne, então o que passa a reger são sentimentos primitivos, violentos, que geram vaias e que geram agressões’.


Zusman explicou que a vaia é um desejo de punição e Maurício Torres destacou que a falta de cultura esportiva dos brasileiros pode ter contribuído para o comportamento inadequado dos torcedores. O jornalista observou que o público, acostumado a acompanhar somente partidas de futebol de perto, ainda não aprendeu como lidar com o protocolo que outros esportes exigem.


Interesse em esportes amadores


Outro foco do debate foi o pouco destaque que a imprensa dá aos esportes olímpicos e amadores. Dines ressaltou a necessidade de se criar uma continuidade fora das grandes competições internacionais. Alvaro Oliveira avaliou que o rádio realmente dedica pouco espaço aos esportes, com exceção dos futebol, mas que também precisa haver o interesse do ouvinte. Este interesse seria criado a partir de uma cultura esportiva gerada pelos formadores de opinião da imprensa. Além disso, ressaltou a necessidade de uma forma criativa de transmitir os esportes que tradicionalmente são rotulados como ‘não radiofônicos’. Juca Kfouri concordou com Alvaro e Maurício Torres questionou: ‘De que jeito vai reagir a audiência se a gente puser no ar um programa de 30 minutos de badminton numa televisão aberta?’


Questionado por Dines sobre o papel do esporte da sociedade, Waldemar Zusman definiu o esporte como um esforço que a humanidade faz para transformar as competições, rivalidades e guerras em atitudes mais civilizadas, mas ponderou que este objetivo ainda não foi alcançado de maneira plena. Mais adiante, enfatizou que a idolatria dos atletas pode ser uma compensação aos problemas que o país enfrenta: ‘Certamente não se pode esperar que um jogador de futebol, ou de vôlei, vá dar solução a um problema político. Mas, a esperança humana é multiforme e algumas vezes nós desviamos para algum tipo de herói todas as nossas necessidades de heroísmos’, disse


Mídia fiscalizadora


Juca Kfouri chamou a atenção para o modo como o Rio de Janeiro ganhou a candidatura para o Pan, ao prometer pagar as passagens dos atletas e dirigentes de todos os países – um fato inédito. O jornalista destacou a necessidade de a imprensa investigar como o dinheiro destinado aos jogos foi gasto. Também sobre o papel fiscalizador da mídia, Alvaro Filho enfatizou que é uma obrigação da mídia verificar como as instalações montadas para os jogos serão mantidas.


Um telespectador perguntou a Maurício Torres se não seria obrigação dos jornalistas pesquisarem sobre os esportes menos divulgados para não recorrer a ex-atletas como comentaristas nas transmissões. Para Torres, os profissionais de imprensa têm se preparado para as transmissões, mas os ex-atletas são fontes seguras e a experiências práticas deles são insubstituíveis.


Balanço final


Nos comentários finais, Alvaro Oliveira concluiu que apesar dos problemas da organização do evento, fica um legado positivo dos Jogos Pan-Americanos de 2007: ‘O esporte pode mudar a vida das pessoas Tomara que daqui a um ano, nas Olimpíadas de Pequim, a gente tenha muito mais motivos para festejar os nossos atletas do que para criticar a organização’. Juca Kfouri encerrou sua participação dizendo que o papel da imprensa é o de ‘colocar o dedo na ferida’, contar a verdade jogando luz nos fatos. Maurício Torres finalizou parafraseando o slogan do Observatório: ‘Esse público que esteve presente, que viu de perto os jogos Pan-Americanos, nunca mais vai ver esporte da mesma maneira’.


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Um balanço da cobertura do Pan


Alberto Dines # editorial do programa Observatório da Imprensa na TV, exibido em 31/7/2007


Bem-vindos ao Observatório da Imprensa,


As novas gerações talvez não saibam a origem das palavras ufanismos e ufanistas. É coisa antiga, do início do século XX, quando o conde Afonso Celso escreveu um livrinho dedicado aos seus filhos: ‘Por que me ufano do meu país’. Foi um dos nossos primeiros best-sellers, sobretudo porque os sucessivos governos compraram tiragens inteiras para distribuir nas escolas. Hoje, o livro sequer é encontrado nos sebos.


Mas o ufanismo ficou, continua muito vivo, sobretudo nas competições esportivas internacionais, quando a mídia eletrônica, para justificar as verbas de publicidade, é obrigada a esquentar a competição com apelos patrioteiros. Assim foi no ano passado, durante a Copa do Mundo da Alemanha e assim foi nos jogos Pan-americanos, o Pan, recém terminado no Rio.


O ufanismo subverteu a cobertura, sobretudo televisiva. Ao telespectador não foi oferecida uma visão ampla do Pan, mas sim uma visão dos feitos dos atletas brasileiros. Um bronze verde-amarelo era mais importante do que um ouro cubano, americano ou canadense. As vaias antiesportivas aos nossos competidores não surgiram por acaso. Foram feias, ficamos com fama de mal-educados e antiesportivos.


A necessidade de criar ídolos faz parte da condição humana, mas a mídia não é obrigada a embarcar nesta perigosa aventura. Sua credibilidade pode ser posta em dúvida já no próximo ano, antes mesmo das olimpíadas de Beijing.