As informações sobre a catástrofe nuclear do Japão são mais do que alarmantes: contaminação por radioatividade de águas marinhas; contaminação de peixes, de alimentos e cereais; da água que sai das torneiras em Tóquio; contaminação do solo numa grande área do entorno de Fukushima. O que mais?
As mídias nos trazem esses informes tétricos com o mesmo olhar “olímpico” com que observam todas as outras coisas – a guerra civil na Líbia, as revoltas no Iêmen e na Costa do Marfim; a criação de um novo partido pelo Kassab; as declarações xenófobas ou homofóbicas – sabemos lá! – de um deputado que atende pelo nome de Jair Bolsonaro. É como se tudo fosse farinha do mesmo saco e a mídia quisesse enfim nos dizer: “O Japão fica do outro lado do mundo e, portanto, não há com o que nos preocuparmos.”
Fico pasmo em observar que os episódios do Japão sequer serviram para a mídia dar o pontapé inicial num debate intransferível, inadiável: o que esperamos nós, brasileiros, da energia nuclear, e até que ponto devemos manter essa matriz e investir nela? Sem coragem de enfrentar o tema de frente, a mídia ataca pelas laterais, omite-se e deixa que acadêmicos ou especialistas, colaboradores eventuais, provoquem o debate em regime monocórdio, de absoluta solidão. Há muito tempo, aliás, a mídia abandonou os temas fulcrais para o desenvolvimento do país – agropecuária, urbanismo e energia, para ficarmos em poucos exemplos.
Subsídios didáticos e persuasivos
Quem leu o Caderno de Economia do Estadão desta quarta-feira (06/04), viu na segunda página o belo artigo de Joaquim de Carvalho, ex-diretor da Nuclen, mestre em Engenharia Nuclear e doutor em Energia pela USP. Os subsídios para o debate estão ali, explicados de modo didático e persuasivo:
– … o potencial hidrelétrico brasileiro é de 261 mil MW, dos quais 172 mil ainda não estão em aproveitamento.
– …o aproveitamento do potencial hidrelétrico amazônico ocuparia menos de 1% (um por cento) da área da região.
– … o potencial eólico brasileiro para ventos com velocidade superior a 7m/s é de 143 MW.
– Como, de acordo com o IBGE, a população brasileira deverá se estabilizar em 215 milhões de habitantes por volta do ano 2040, o sistema integrado hidro-eólico-térmico (a bagaço) teria um potencial suficiente para oferecer eletricidade à população, em termos per capita, em quantidades equivalentes às de países de alto nível de qualidade de vida.
– Portanto, ao contrário da França e do Japão, que não têm alternativa, o Brasil não precisa correr o risco de gerar em centrais nucleares a energia de que precisa ou precisará.
A omissão da mídia
Quem não quiser ficar com a opinião de Joaquim de Carvalho, pode optar pela opinião do físico José Goldenberg, que numa discreta entrevista à colunista social Sônia Racy, do Estadão, declarou simplesmente: “A energia nuclear não é segura e o Brasil não precisa dela.”
Registre-se na ata da história, para a posteridade, que parte da culpa pela tragédia japonesa pertence à mídia do país, que nunca se preocupou em mostrar as reais condições de segurança de usinas nucleares implantadas de frente para um oceano, pacífico apenas no nome. No caso do Brasil, pode hoje ser dito que a mídia simplesmente subscreveu o plano de expansão da energia nuclear defendido, em situação de pouca transparência, no decorrer do governo passado.
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Ex-diretor da Agência Estado e ex-diretor da Gazeta Mercantil