Os jornais e as revistas da Venezuela revidaram os ataques que vêm sofrendo de Hugo Chávez e publicaram, na segunda-feira (1/2) à noite, um comunicado em que rechaçam a decisão do presidente de fechar o canal (de oposição) RCTV, bem como sua perseguição às demais mídias venezuelanas.
‘A vocação totalitária e ditatorial que caracteriza o regime dito comunista do coronel Chávez é incompatível com toda a ideia de exercício democrático’, disse o documento, preparado pelo Bloco de Imprensa Venezuelano (BPV), que há 52 anos reúne os 34 principais meios impressos do país.
Novos protestos em Caracas
Miguel Henrique Otero, vice-presidente da BPV, disse ao Globo que o documento tem como objetivo chamar a atenção para o fato de ‘Chávez destruir a democracia’.
– Com o fechamento da RCTV a cabo no último 24 de janeiro (que desencadeou uma onda de protestos), e o fato de Chávez já controlar boa parte das rádios e TVs venezuelanas, os jornais e revistas se tornaram o último bastião da liberdade de expressão, e está ficando cada vez mais difícil trabalhar – disse Otero, que é diretor de redação e acionista do diário El Nacional.
Os jornais venezuelanos andam sofrendo diretamente com a ‘nacionalização em massa de muitas empresas’, segundo o BPV. Se antes cerca de 20% do faturamento de diários como o El Nacional e o El Universal vinham do Estado, agora o fato de Chávez controlar bancos, empresas de telefonia, eletricidade e até supermercados, como os da rede colombiana Exito, fizeram esse faturamento cair para 0%. No El Nacional, anunciam supermercados privados, estádios e equipes de beisebol, cinemas, peças teatrais e lojas.
O Sindicato Nacional dos Jornalistas alertou para o fechamento de 32 emissoras de rádio desde que Chávez assumiu o poder, em 1999. E pediu que jornalistas postassem em rede sociais como Facebook e Twitter, às 16h (18h30m em Brasília), as frases: ‘Venezuela declarada zona de desastre para o exercício da liberdade de expressão e o jornalismo. Venezuela livre’.
A onda de protestos disparada pelo problema com a RCTV – aliada às crises energética, de abastecimento de água, e à recente desvalorização da moeda local – continua em Caracas.
Estudantes foram na terça-feira (2/2) ao Ministério Público pedir que autoridades investiguem agressões sofridas por manifestantes sexta passada, quando grupos não identificados atacaram a Universidade Católica Andrés Bello (Ucab).
– Estamos defendendo nossos espaços de luta de maneira pacífica e esperamos que o Estado faça o mesmo, punindo os responsáveis – disse Nizar El Fakih, aluno da Ucab e um dos líderes do movimento estudantil.
O Ministério Público prometeu averiguar os culpados. Os estudantes preparam para amanhã uma manifestação que promete parar as principais cidades. É dia 4 de fevereiro, data decretada por Chávez como feriado nacional.
O motivo? É aniversário do golpe frustrado que promoveu em 1992.
– É um absurdo comemorar a data em que deparamos com esse tirano pela primeira vez – disse o funcionário de um bar que, oposicionista, não se identifica por temer represálias.
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‘O xampu vai acabar’
Miguel Henrique Otero é diretor de redação e um dos acionistas do El Nacional e também vice-presidente do Bloco de Imprensa Venezuelano, que emitiu na terça (2/2) um documento afirmando que, ao perseguir a mídia, Hugo Chávez mostra sua ‘vocação totalitária e ditatorial’.
Em entrevista ao Globo sobre as principais questões que afligem a Venezuela de Chávez, Otero diz que os próximos meses serão muito ruins e acrescenta: só a mobilização popular pode ‘resolver o problema’.
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Como o senhor classificaria o governo de Chávez?
Miguel Henrique Otero – É uma ditadura quando vemos o quanto ele sequestrou o poder público, o Congresso, os juízes, as estatais como as de petróleo, energia, até os provedores de internet. O único poder que ainda não controla é a mídia, mas tenta reduzir sua importância. Daí nossa luta. Ao mesmo tempo, podemos transitar livremente. Ainda podemos falar o que pensamos, e eleições são convocadas. Assim, a Venezuela se encaixa nos termos de um país democrático. O governo Chávez é de muito difícil definição.
Por que Chávez ainda é tão popular?
M.H.O. – É um comunicador nato, cujo discurso atrai admiradores; gasta muito – US$ 900 bilhões nos últimos 11 anos – em projetos sociais, como as Missões, que levam saúde e comida à população carente. Um terceiro fator é que a oposição foi incapaz de produzir um líder expressivo para combatê-lo. Mas toda essa aceitação está mudando. A classe média, por exemplo, não está mais satisfeita.
Por quê?
M.H.O. – Além de tirar emissoras populares como a RCTV do ar, impedindo as donas de casa de ver suas novelas, e controlar a liberdade de expressão, há a questão do racionamento de água e energia. Se temos falta de água e luz, a culpa é dele, que não investiu na manutenção das termoelétricas. Como um país rico em petróleo tem tamanho problema energético?
E a questão econômica? As piores consequências da desvalorização do bolívar estão por vir…
M.H.O. – Esse talvez seja o problema mais grave. Ele desvalorizou a moeda para ter mais dinheiro em caixa, neste importantíssimo ano de 2010 (por conta das eleições legislativas de setembro). E isso ainda não gerou a inflação esperada porque ele controla o comércio. Só que, em fevereiro, os estoques das lojas e dos supermercados vão acabar. Será preciso importar mais porque na Venezuela importamos quase tudo. E o xampu vai acabar se Chávez não autorizar o aumento dos preços. Ou o xampu acaba ou ninguém mais terá nada para comprar. Serão meses dificílimos. Já se fala em inflação de ao menos 40%.
Há rumores de que um golpe de Estado poderia ocorrer.
M.H.O. – Na geopolítica mundial e, principalmente entre os vizinhos da Venezuela na América do Sul, um golpe hoje é algo bastante improvável. Só acredito nas vias legais, no resultado das urnas em setembro, na pressão (até internacional) para que as eleições não sejam fraudulentas. E na mobilização da população. Algo como fizeram para o Muro de Berlim cair. (M.T.C.)
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Sem motivos para comemorar
Fevereiro é um mês repleto de efemérides para Hugo Chávez. Se na quinta-feira (4/2) faz 18 anos que ele se tornou uma figura pública ao tentar, sem sucesso, um golpe de Estado contra o então presidente Carlos Andrés Pérez, na terça (2/2) o presidente celebrou, com um discurso de várias horas, o 11º aniversário do governo bolivariano.
O discurso marcou ainda a posse do novo vice-presidente, Elías Jaua. Mas as palavras de Chávez não conseguiram abafar a crise.
Depois de sofrer quatro baixas no governo na última semana, na terça foi a vez de o ministro do Turismo, Pedro Morejón, pedir demissão.
– Tenho 55 anos e 11 como presidente. Nos próximos 11 prometo me cuidar um pouco mais e, se vocês quiserem, dentro de 11 anos eu terei 66; e, se Deus quiser, 22 na presidência. Depois disso, mais 11 anos seriam demais – brincou, rindo, antes de ouvir como resposta um sonoro ‘não!’ vindo da plateia.
O presidente anunciou que o ministro de Tecnologia de Cuba, Ramiro Valdez, chegou à Venezuela para liderar uma comissão técnica a fim de enfrentar a crise elétrica. O envio dos profissionais cubanos foi autorizado por Fidel Castro.
Desde o fim do ano passado, a Venezuela adota medidas de racionamento de energia em função das secas.
Chávez desistiu de limitar o consumo de energia elétrica em Caracas ciente do ‘impacto indesejável’ na opinião pública. Mas, para especialistas, o racionamento na capital é iminente. Em Caracas, a população não sofre com apagões, mas há nas ruas muitos cartazes pedindo que os venezuelanos poupem energia.
Quem desembarca à noite na cidade percebe casas, ruas e estradas com pouquíssima luz. A água já é racionada em vários cantos da capital, em dias alternados de acordo com o bairro.
– É um saco, onde moro falta água justo no sábado e no domingo – diz o estudante Felipe Miguez, de 19 anos, que estava comprando um iPod numa loja da Apple no moderno shopping Millenium, na praça Los Dos Caminos, endereço nobre da capital de um país repleto de contrastes. (M.T.C.)
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Como em Teerã
Twitter vira ferramenta dos manifestantes
[4/2/2010]
‘Contra Esteban: marcha em CCS.’ ‘Tas ponchado a CH, o popstar.’ É com esses códigos que se comunicam os usuários do Twitter na Venezuela para protestar contra Hugo Chávez. Explicando: Esteban, na gíria local, é algo como ‘Zé Mané’ no Brasil. E é assim que o presidente é chamado desde a publicação, na semana passada, de uma história em quadrinhos satirizando-o como Esteban no jornal Tal Cual. CCS é a abreviatura de Caracas e CH ou popstar são usados para se referir a Chávez. ‘Tas ponchado’ – a frase mais dita pela oposição estudantil que vai às ruas da Venezuela – se refere a um jogador perdendo a chance de marcar numa partida de beisebol, o esporte mais popular do país.
A exemplo do que houve em Teerã após as eleições iranianas, o Twitter virou a ferramenta mais importante de mobilização política do país. O estudante de comunicação da Universidade Católica de Caracas Gabriel Bastidas, de 19 anos, é um dos mais ativos contribuintes: twitta, retwitta e avisa a todos sobre reuniões e atos de protesto.
– Amanhã (hoje) [4/2], por exemplo, às 8h (10h30m de Brasília) nos reuniremos na Católica para sair pelas ruas de Caracas. Não divulgamos o trajeto para evitar que as forças de repressão nos achem e prejudiquem o movimento – conta ele, que até ontem tinha 3 mil seguidores no Twitter. – É nossa válvula de escape, podemos falar sobre qualquer coisa lá, mandar fotos quando nossas manifestações são reprimidas, e, principalmente, falar mal do Chávez – emenda.
A estimativa é que haja 90 mil estudantes twitteiros na Venezuela.
O fenômeno é causado pelo grande número de usuários de smart phones no país, segundo o especialista em redes sociais Luís Carlos Díaz, do centro Gumilla de Novas Tecnologias:
– A Venezuela tem o maior número de usuários de Blackberry per capita na América Latina. Há pelo menos um milhão de aparelhos numa população de 28 milhões, o que dá mobilidade no acesso à internet. Duas das três empresas de telefonia celular ainda não foram nacionalizadas, aumentando a competividade. Os serviços de Blackberry são bons – afirma.
Nas ruas e no metrô de Caracas, é grande a quantidade de jovens com o aparelho nas mãos. Na terça-feira [2/2], os twitteiros venezuelanos mostraram seu poder: o Sindicato Nacional dos Jornalistas sugeriu aos usuários da ferramenta usar a frase ‘Venezuela: zona de desastre para o exercício da liberdade de expressão, #FreeVenezuela’ em suas páginas. A ação conquistou o terceiro lugar no termômetro mundial de popularidade do site. (M.T.C.)
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Enviada especial de O Globo a Caracas