Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Monteiro Lobato não precisa de buzinadas

José Renato Monteiro Lobato nasceu em Taubaté em 1882, Vale do Paraíba paulista e importante centro da economia cafeeira. Mas logo trocou de nome por causa de uma bengala e passou a assinar por José Bento, nome do pai que tinha as iniciais gravadas no cabo da peça. Herdou uma imensa fazenda de café na região da Serrinha do Buquira (atual cidade de Monteiro Lobato), a propriedade conhecida como São José do Buquira, ou Fazenda do Visconde ou ainda Sítio do Pica-pau Amarelo. Ele odiava o lugar, era um ser urbano, com pensamento cosmopolita, nascido em um berço oligárquico cafeeiro e criado para o mundo.


Monteiro Lobato era um gênio, não só para sua época, como para a atualidade. Ele ainda é insuperável na literatura, particularmente, infantil. Para esse jornalista brilhante, promotor público e um dos maiores expoentes da literatura nacional, nada pior que conviver com os serviçais caipiras e negros oriundos deste ciclo econômico numa fazenda no meio do nada, onde chovia demais e o acesso era péssimo. Confinado num imenso casarão – situação essa que possibilitou o surgimento de sua obra infantil aclamada em todo o planeta – não faltou oportunidade para blasfemar contra o universo ou criar obras fantásticas.


País hipócrita


Analisar o preconceito e os arroubos inflamados de Lobato fora do contexto de sua época é, no mínimo, um erro absurdo. Facilmente cometido, sem a menor cerimônia, num país hipócrita que se esconde sob rótulos. Colocá-lo como ‘bom escritor’ é então ignorar sua genialidade e os transtornos que essa condição lhe envolveu. Um ‘língua solta’, desmedido no que dizia, postura essa que o fez ser marginalizado por diversas vezes em sua própria época. Como ser impedido de ingressar na Academia Brasileira de Letras por duas ocasiões e ser preso por Getúlio Vargas. E isto não foi por seu preconceito racial, mas pela acidez de seus comentários e observações.


Lobato é muito mais um preconceituoso social – algo comum no Brasil, particularmente no final do século 19 e em grande parte do século 20, até a chegada do ‘politicamente correto’, e se esgueira nas entranhas de nossa pátria até o século 21. Ele trata tanto o branco ‘Jeca Tatu’ como o negro recém-saído das senzalas com a mesma voracidade. Basta ler o belíssimo trabalho dos pesquisadores Carmen Lucia de Azevedo, Marcia Camargos e Vladimir Sacchetta, publicado pela editora Senac, sob o título ‘Monteiro Lobato: Furacão na Botocúndia’. O melhor estudo feito sobre Lobato e sua intrincada personalidade, mas que em nenhum momento lança julgamentos sobre o pai de Narizinho e Emília sob os valores atuais. Pois seria um erro grosseiro e injustificável, como os cometidos desde que encontraram traços de preconceito racial na obra infantil do escritor.


Julgamento sem defesa


Não cabe a mim a defesa do pensamento lobatiano e suas transgressões, pois ele adorava uma polêmica e ironias, mas um alerta sobre o que é dito apenas nas entrelinhas das análises atuais – e que não se comece agora um julgamento sem direito a defesa. O Brasil é um país recalcado e mal resolvido em diversas frentes, e canalizar a Lobato a fúria de centenas de anos de preconceito e intolerância racial é burrice, é consolidar a hipocrisia como um valor da cultura nacional.


Com certeza, se Lobato estivesse vivo, apimentaria essa história. Isto era de seu espírito irrequieto, polemista e colecionador de admiradores e inimigos. Porém, não se colocaria disposto a ser buzinado por Chacrinhas ou as grosserias de Faustões. Afinal, se existia algo que ele não se ombreava era com a mediocridade. Isto é muito da nossa atualidade e realidade, coisa para essas celebridades instantâneas forjadas em Big Brothers. Como Tom Jobim, outro gênio brasileiro, afirmou: ‘No Brasil, o sucesso é ofensa pessoal.’

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Jornalista