Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Motos, caminhões e óculos escuros: rebeldes ostentação

É, meu caro Kotscho, não sei quanto a você, mas, particularmente, já estou de saco cheio desse cabo de guerra eleitoral”, escreveu-me o leitor Henrique Crispim, em comentário enviado às 20h07 de domingo.

Quanto a mim, caro Crispim, pode ter certeza que sinto o mesmo faz muito tempo. Não é fácil ser jornalista nestes tempos de Fla-Flu político que mistura intolerância, hipocrisia e ignorância.

Onde quer que eu vá, sou cobrado por ambos os lados sobre algo que escrevi aqui ou falei na televisão. As pessoas se sentem no direito de me dizer o que posso ou não pensar e que só devo falar o que elas esperam ouvir do alto de suas respectivas sabedorias. Os fatos não importam. Minha opinião só vale se for igual à deles.

Neste domingo (12/4) de manifestações, com o clima ainda mais radicalizado, almocei na casa de uma família de tucanos xiitas e jantei com um grupo de amigos petistas nostálgicos. Consegui desagradar a ambos, o que me dá a certeza de estar no caminho certo como jornalista, mas é algo massacrante como cidadão, que não tem mais o direito de pensar diferente.

Ao assistir às mesmas imagens dos protestos que as televisões mostraram ininterruptamente durante todo o dia, concitando a população a sair às ruas contra o governo, cada um de nós pode ter tido sua atenção chamada por cenas diferentes e tirado conclusões opostas.

No meu caso, o que mais me impressionou foram as carreatas de possantes motocicletas e portentosos caminhões zero bala que ornaram a manifestação na Avenida Paulista, depois de desfilar pela cidade, infernizando ainda mais o trânsito na região em pleno domingo. Estes motoqueiros e caminhoneiros tornaram-se para mim os símbolos dos rebeldes ostentação que mais uma vez saíram às ruas para pedir “Fora, Dilma”.

Segundo mais um Datafolha, a indignação com a corrupção foi a principal motivação para os revoltosos da Avenida Paulista, mas não foi esta a impressão que eu tive. Os tiozões que estacionaram suas Harley Davidson em frente ao Masp, por exemplo, todos devidamente prontos para a guerra, paramentados com casacos de couro e imponentes capacetes, chegaram babando e cuspindo fogo com palavrões dirigidos a Dilma, Lula e ao PT.

Perdoem-me os pesquisadores, mas não vi nem ouvi nenhum deles protestando contra outros atores políticos, nenhuma referência a Eduardo Cunha e Renan Calheiros, investigados na operação Lava Jato, nem aos escândalos da sonegação bilionária na Operação Zelotes ou das contas secretas no HSBC da Suíça, muito menos aos malfeitos tucanos em Minas Gerais e no Metrô de São Paulo. Aliás, não houve nenhum registro destes casos mostrados em faixas e cartazes durante toda a caudalosa cobertura televisiva nos vários pontos do país. Nenhuma surpresa: na Avenida Paulista, 83% dos entrevistados pelo Datafolha declararam-se eleitores de Aécio.

“Chame a polícia”

Meu colega Mário Marona, que foi editor-chefe do Jornal Nacional em seus melhores momentos, escreveu em seu blog, sob o título “A Globonews convida: vem pra rua você também”, a seguinte observação: “Todos os repórteres chamados ao vivo repetem, como um bordão, quase sempre nos mesmos termos: ‘os manifestantes defendem a democracia, pedem o impeachment da presidente, gritam fora Dilma, fora PT e abaixo a corrupção’. Ao fundo, o ‘sobe-som’ é sempre ‘Fora PT! Fora PT’”!.

As motos e os caminhões ostentados em São Paulo não são para o bico de qualquer tucano. Os orgulhosos coxinhas estavam montados em máquinas Harley Davidson que custam no mercado de R$ 25 mil a R$ 65 mil. Também não devem custar barato os óculos escuros da última moda de Miami que ornaram estes rebeldes cada vez mais fashion, com seus adereços verde-amarelo exibidos nas manifestações antigoverno. Nunca tinha visto tanta gente com óculos escuros nem na praia ou no Jockey Clube. Por que será?

Em compensação, quase não se via negros nem pobres nos atos organizados por líderes que ninguém sabe de onde vieram e cujos inflamados discursos no alto dos carros de som não chegaram a empolgar a galera chique, mais preocupada em aparecer diante das câmeras de televisão.

Como os líderes tucanos mais uma vez não deram as caras, é incerto o futuro político destas manifestações, com os revoltados online obrigados a se contentar com figuras de segundo time da renascida direita nativa, como Paulinho da Força, Roberto Freire e Jair Bolsonaro, que havia sido vaiado no Rio e aqui foi aplaudido, até chamado de “presidente”. Quem acha que a coisa está feia, ainda não viu nada…

Tem razão outro colega, Luiz Fernando Vianna, que constatou ao final da sua coluna desta segunda-feira (13/4) na Folha:

“Se a crise se instalar com a força que se espera e os mais pobres saírem às ruas, é possível que a turma deste domingo corra para seus apartamentos. E chame a polícia”.

E vamos que vamos.

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Ricardo Kotscho é jornalista