A crise no Judiciário ganha uma dimensão sem retorno. A revelação de que 3.426 magistrados e servidores realizaram, em dez anos, movimentações bancárias atípicas no montante de R$ 855 milhões coloca o problema em um patamar que trascende a reles disputa entre entidades corporativistas e o correspondente órgão de controle externo.
O que são movimentações atípicas? No geral, são operações de depósito ou retirada de valores que extrapolam em muito a média da conta bancária. Alguns exemplos: em 2002, um personagem relacionado ao Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região, no Rio de Janeiro, movimentou a quantia de R$ 282,9 milhões. Em 2008, três pessoas, duas ligadas ao Tribunal de Justiça Militar de São Paulo e uma ao Tribunal de Justiça da Bahia, movimentaram R$ 116,5 milhões.
Essa é a origem da controvérsia que opõe o Conselho Nacional de Justiça e entidades representativas do Poder Judiciário e que envolve até o Supremo Tribunal Federal. Como se sabe, duas decisões liminares tomadas no final do ano passado, pelos ministros Marco Aurelio Mello e Ricardo Lewandowski, interromperam investigação do CNJ sobre essas operações suspeitas. A alegação dos autores da ação, dirigentes da Associação Brasileira de Magistrados, era de que teria havido quebra de sigilo fiscal de juizes e funcionários de tribunais.
Os jornais desta sexta-feira, dia 13, colocam uma pedra sobre o argumento da entidade representativa dos magistrados. As movimentações atípicas são um claro indício de irregularidade que precisa ser esclarecido o mais rapidamente possível e com a maior abrangência. Um país democrático não pode funcionar devidamente se os poderes da República não se submeterem ao escrutínio da sociedade.
Se, por princípio, todos os juizes e funcionários do Judiciário devem ser considerados inocentes até prova em contrário, os registros de movimentações financeiras mais do que atípicas – espantosas – exigem que o Conselho Nacional de Justiça retome a investigação, com apoio inequívoco das entidades representativas da Magistratura.
Só assim poderá ser revertido o efeito que o noticiário sobre o assunto está certamente sendo produzido na opinião pública. Afinal, essas movimentações podem ser atípicas e legais.
Se a necessidade de resguardar a independência e a segurança dos operadores da Justiça impõe certos benefícios que podem ser vistos por muita gente como regalias inadmissíveis, a tentativa de blindar o Judiciário e torná-lo imune ao controle externo apenas justifica essa percepção.
Sexta-feira, 13
O mais interessante da notícia que aparece em destaque nos jornais é que a constatação das movimentações multimilionárias foi feita por um organismo que foi criado por inspiração de alguns magistrados. O Coaf – Conselho de Controle de Atividades Financeiras – foi instalado no Ministério da Fazenda com a contribuição de juizes empenhados no combate à lavagem de dinheiro. Faz parte de compromissos assumidos pelo Brasil em acordos internacionais destinados a monitorar as finanças do terrorismo, do crime organizado e da corrupção.
Do total de R$ 855 milhões em transferências atípicas identificadas em contas movimentadas por integrantes do Judiciário, nada menos do que R$ 274,9 milhões foram feitas em dinheiro vivo, entre os anos de 2003 e 2010. Não há hipótese, em um país que se queira considerar sério, que tal constatação fique sem uma explicação oficial e satisfatória, centavo a centavo.
A alegação de que o Conselho Nacional de Justiça teria agido de forma abusiva, desrespeitando o sigilo fiscal de milhares de funcionários e juizes – aceita pelo ministro Lewandowski ao conceder a liminar que interrompe a investigação – fica sem esteios. O que dizem os jornais, sem dissimulações, é que algo de muito estranho – para dizer o mínimo – anda ocorrendo em certos tribunais.
Outra questão – uma aquisição supostamente irregular feita pelo Conselho Nacional de Justiça, notícia claramente plantada na imprensa para confundir a pauta principal – também precisa ser esclarecida. Mesmo que o departamento de compras, o setor de informática ou quem quer que seja, tenha favorecido esta ou aquela empresa, isso não afeta a credibilidade do CNJ no que se refere à sua função principal, a se julgar pela maneira como os jornais isolaram uma notícia da outra. Nada pode desviar as atenções do fato central e esse fato central é a necessidade, mais uma vez comprovada, de que todos os poderes da República precisam ser submetidos a controle externo.
A constatação de que a imprensa age de forma independente, sem se deixar intimidar pelo discurso de figuras poderosas do Judiciário, é um sinal auspicioso. A primeira sexta-feira 13 do ano 2012 – este sobre o qual se repetem profecias apocalíticas – está longe de ser um dia de maus agouros. Talvez seja, sim – para aqueles que a presidente do CNJ, Eliana Calmon, chamou de “bandidos de toga”.