Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

MTV, ovos, tomates e voto nulo

A MTV Brasil abandonou o seu estigma de “canal cordeirinho”, no dizer de Mauro Dahmer, para adotar “uma irreverência anarquista” durante o processo eleitoral. Nas últimas semanas A MTV está levando ao ar uma série de spots nos intervalos da programação denominados “Prepare o seu saco, os ovos e os tomates” manifestando um explícito repúdio à campanha eleitoral e aos partidos políticos tradicionais.

A campanha provocou reações de partidos e autoridades, inclusive uma nota pública do Conselho Nacional da Juventude, ligado à Presidência da República. O Conselho estranha os termos dos spots e condena a posição a priori da MTV contra o voto “sem indagar qual é a predisposição de jovens para votar e participar” (ver abaixo o conteúdo da nota). Para os críticos, a campanha estimula o voto nulo e aliena o jovem da política.

A campanha da MTV Brasil revela uma antipatia em relação aos políticos atuais, mostra uma forte rejeição ao oportunismo, à mesmice e baixaria que marcaram a vida política brasileira nos últimos anos.

A frustração é maior porque nas últimas eleições os jovens ajudaram a eleger os partidos que estão no governo e que não diferenciaram suas práticas políticas de outros partidos identificados com a política clientelista anterior.

Para onde foram os radicais?

Segundo Mauro Dahmer, houve uma discussão interna na MTV Brasil sobre como motivar a audiência jovem do canal e estimular a audiência “sem ser banana”. De acordo com ele, há uma radicalidade natural no jovem, “mas onde ela se escondeu?”. O objetivo da campanha, de acordo com ele, não é o voto nulo, mas “fazer as pessoas se indignarem mais e estimular o debate”.

Há, de acordo com Mauro, um espaço tênue, na mente do jovem que é preciso tocar, mas com muito cuidado. Por isso a MTV Brasil quis levar ao ar uma visão diferente e criativa, com muita liberdade e renovação na linguagem – como sempre – questionando o valor e a razão do voto. Para ele, essa é uma atitude política porque incomoda e traz um corte radical, estimulando o debate: “jogar ovos e tomates nesta situação em que nos metemos”.

O MTV não é um canal político nem está voltado para o jornalismo. Ao contrário, se dedica à música, videoclipes e outras artes pops, à programação cultural e ao lazer. Além de muito videoclipe, o seu conteúdo está permeado de falas descontraídas dos VJs sobre bandas, vocalistas famosos, compositores, celebridades do mundo do rock, reggae e hip hop.

A linguagem prima pela irreverência, frivolidade e muita criatividade, que lhe confere ao canal um diálogo íntimo e uma audiência fiel junto ao público jovem.

Mas, sempre pautou temas sociais em sua programação, spots e programas. A MTV Brasil já produziu campanhas significativas sobre prevenção à AIDS, Ecolife, trabalho infantil, igualdade de oportunidades e cidadania.

Houve anteriormente uma campanha intitulada “Contra azia e má digestão, vote contra o político nulo”. Recentemente, entretanto, ela acabou com os programas de debate, prometendo agora retomá-los.

Especialistas e organizações se mostram preocupados com peça que condena a priori o processo eleitoral, sem indagar sobre qual é a predisposição de jovens para votar e para participar.



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A íntegra da nota do Conselho Nacional da Juventude:

Juventude, Participação e Eleições, muito mais a dizer

Nós, representantes de organizações da sociedade civil e especialistas, com atuação em todas as regiões do país, membros do Conselho Nacional de Juventude – Conjuve –, após debate realizado durante a 5ª Reunião Ordinária deste Conselho, decidimos manifestar nossa preocupação com a ‘Campanha – MTV: Ovos e Tomates’, que trata das eleições de 2006.

Consideramos que a emissora tem o direito de manifestar suas opiniões e para tanto usar os recursos publicitários que julgar adequados. No entanto, a veemência e o sentido da mensagem veiculada nos preocupa. Segundo nossa percepção, ela condena a priori o processo eleitoral, sem indagar sobre qual é a predisposição de jovens para votar e para participar.

Não obstante, os dados do alistamento eleitoral para 2006, divulgados pelo TSE, mostram um aumento de 39%, em relação a 2002, do número de eleitores de 16 e 17 anos, faixa etária em que o voto é facultativo. Importante: foi nesta faixa etária o maior crescimento proporcional de eleitores.

Além disto, segundo a pesquisa Juventudes Brasileiras, recentemente divulgada pela UNESCO, 68,8% dos jovens de 15 a 29 anos, responderam acreditar que o voto pode mudar a situação do país e 66,6% deles afirmaram não ser aceitável não votar nas eleições.

A estas informações somam-se as experiências de participação que temos acompanhado de perto. Nos grêmios estudantis, centros acadêmicos, nas posses de Hip-Hop, nas Ong´s, nos movimentos de mulheres, de jovens rurais, nos grupos culturais, sindicais, religiosos e esportivos há jovens preocupados em valorizar a participação cidadã, considerando fundamental o exercício do voto.

Aqui cabe destacar as Campanhas pelo Voto aos 16 realizadas pela União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES) e pela Rede de Jovens do Nordeste (RJNE). Estas Campanhas não só convocam os jovens ao alistamento eleitoral e à escolha responsável de candidatos como, também, incentivam o acompanhamento posterior do desempenho dos eleitos.

Do nosso ponto de vista, convocação ao uso de ‘ovos e tomates’, durante o período eleitoral – mesmo como recurso da linguagem publicitária – não contribui para a superação dos reais problemas de corrupção e violência em nossa sociedade, aspecto argumentativo que esta mesma Campanha da MTV procura evidenciar.

Compreendemos que pode parecer mais ‘realista’ e comunicativo expressar, com ironia, desilusões e opiniões correntes relativas ao nosso sistema político eleitoral. No entanto, acreditamos que os veículos de comunicação, para cumprir com seu papel informativo, necessitam encontrar formas criativas para expressar experiências e predisposições diversas e presentes na sociedade brasileira de hoje. Este é o sentido desta nota.

Esperamos que a MTV, e também outros veículos, construam agendas e espaços para a expressão das idéias de diferentes setores da juventude brasileira que acreditam que as eleições são imprescindíveis para o fortalecimento da democracia. Desta forma, também estaremos valorizando a função pública dos meios de comunicação.

Nos colocamos a disposição para mais esclarecimentos e afirmamos nosso compromisso em estarmos presentes em todos os debates públicos que se fizerem necessários.

[A nota é assinada por 7 especialistas e 47 organizações da sociedade civil ligadas ao movimento jovem membros do Conselho Nacional da Juventude.]

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Jornalista, professor de jornalismo na Universidade de Brasília, coordenador do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política e editor de Mídia&Política