Ganha destaque nos jornais a nova desistência do escritor italiano Antonio Tabucchi de comparecer como estrela principal à Festa Literária Internacional de Paraty. No ano passado, ele já havia cancelado sua vinda por causa de dores lombares.
Considerado, aos 67 anos, um dos principais expoentes de uma renovada literatura italiana, Tabucchi desta vez justifica sua ausência como um protesto pela decisão da Justiça brasileira de não extraditar o ex-ativista Cesare Battisti, condenado na Itália pela participação em quatro assassinatos durante a luta armada nos anos 1970.
O escritor tem há tempos posição destacada entre as personalidades que pedem a extradição de Battisti e chegou a criticar a decisão do governo da França, primeiro país a abrigar o condenado, concedendo-lhe direito de asilo.
Argumentos ligeiros
A imprensa brasileira lembra que Tabucchi chegou a publicar artigo no jornal francês Le Monde, em janeiro deste ano, no qual criticava intelectuais franceses por romantizarem a história de Battisti. Há três semanas, quando Cesare Battisti foi libertado após a decisão do Supremo Tribunal Federal de não contradizer a negativa do ex-presidente Lula da Silva de extraditá-lo, Tabucchi comunicou aos organizadores da Flip que estava propenso a desistir da viagem.
Os responsáveis pelo evento ainda tentaram convencê-lo de que sua participação seria uma oportunidade para ele expor seu ponto de vista sobre o caso do seu compatriota, mas no domingo (26/6) ele enviou um email considerando definitiva sua decisão. Segundo os jornais, Tabucchi achou que seria deselegante criticar uma decisão da Justiça brasileira estando aqui.
Os organizadores da Festa Literária resolveram substituí-lo pelo também italiano Contardo Calligaris, psicanalista e articulista da Folha de S.Paulo que vive no Brasil há muitos anos.
Se do lado da Flip o caso está resolvido, no ambiente político e intelectual o tema ainda fervia e prometia mais repercussão ao longo da semana. Blogs, redes sociais e grupos de mensagens online reproduziam, em torno da decisão de Tabucchi, o bate-boca tão raso quanto agressivo entre as duas facções que transformam os debates sobre qualquer assunto em repeteco das últimas campanhas eleitorais.
Os argumentos são ligeiros e contundentes, mas todos conduzem a um ponto de conflagração: de um lado, os simpatizantes de Lula da Silva, do outro aqueles que adoram detestar o ex-presidente.
O gênio e o farol
Quanto a Tabucchi, ele tem suas razões para evitar mais uma vez a festa de Paraty. Versado em Literatura Portuguesa e Brasileira, considerado um dos maiores especialistas em Fernando Pessoa, ele é presença desejada na Flip há muito tempo. Não encontrou ainda condições para comparecer ao evento, gerando frustrações em seus admiradores brasileiros.
Desta vez sua justificativa se transforma em combustível para o fogo que insiste em crepitar entre intelectuais, jornalistas e periféricos. No entanto, sua atuação política na Itália não justifica acusações de que estaria alinhado com interesses conservadores. Na verdade, Tabucchi tem se manifestado contra o governo Berlusconi, tendo sido processado em 2009 pelo então presidente do Senado italiano, Renato Schifani, por causa de um artigo publicado no jornal L’Unitá.
De qualquer maneira, se não fosse pela decisão de Antonio Tabucchi de boicotar a Flip, os debatedores de plantão haveriam de encontrar qualquer outra razão para repetir seus slogans. Na verdade, o que está por trás é a velha dicotomia que se transformou em fratura ideológica durante o governo Lula da Silva.
O Brasil mediado, aquele que tem acesso direto à imprensa, parece tomado da mesma síndrome que se apossou do próprio jornalismo nos anos recentes. Seja qual for o assunto, se um grupo é a favor, o outro estará na posição contrária. Para uns, Lula é o gênio da raça, para outros, Fernando Henrique Cardoso é o Farol de Alexandria.
O fenômeno, claramente percebido nas áreas destinadas a comentários em sites da imprensa e nas redes sociais, reflete o resultado de um jornalismo partidário e maniqueísta que se recondiciona a cada disputa eleitoral. Seja uma decisão da Justiça ou um jogo de futebol, tudo acaba caindo na vala da irracionalidade que tomou conta da política.
Tabucchi virá ao Brasil quando achar conveniente, Paraty será sempre uma festa e seguiremos incapazes de colocar em termos razoáveis os debates sobre o país que queremos.