Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Mulheres, igreja e mídia

O papa está escolhido, o casamento de Charles e Camilla é coisa do passado, o príncipe Rainer entrou para a história e a mídia se prepara para um grande vazio. Faltam notícias de impacto, com exceção do processo do jogador Grafite contra seu colega argentino, Leandro Desábato.


Para os leitores, a saída de cena dos cardeais – com suas lindas vestes vermelhas e os imponentes chapéus – e a ausência de fotos da realeza, na Inglaterra ou em Mônaco, o vazio vai ser maior ainda. Como enfrentar o noticiário que só reflete a pobreza nacional de chacinas, tiroteios, assaltos e bobagens ditas por políticos sem o refresco de uma cena imponente como o funeral do papa, do príncipe ou o casamento do quase rei da Inglaterra?


Como se empolgar com um jornal onde uma celebridade, o jogador de futebol Grafite, vira notícia ao denunciar o preconceito racial?


Como se divertir se o que o noticiário releva é o abuso dos prefeitos, dando emprego aos parentes e cabos eleitorais? A própria novela das 8 da Globo não anda muito bem de ibope, ao que parece.


Um dos poucos divertimentos é ouvir um deputado dizer que só é contra o nepotismo quem é casado com uma jumenta.


Para a mídia, leitores e mulheres, as semanas que começaram com a morte do papa foram ricas em notícias. Tão ricas que até a situação das mulheres – diante da Igreja Católica – entrou na conversa. Não foi uma grande discussão, pode até ter passado despercebida pela grande maioria dos leitores – homens e mulheres –, mas talvez seja o começo de um debate sério, que leve a outras matérias. Foram três textos perdidos no interminável noticiário sobre a morte e sucessão de João Paulo II:


** Do teólogo brasileiro Fernando Altemeyer:




‘Estará a Igreja aparelhada em termos espirituais para responder às pessoas do mundo globalizado moderno? A Igreja precisará falar com as mulheres e deixar que elas falem à Igreja, que elas participem. Por que não pensar, por exemplo, em ter mulheres em postos de comando na estrutura da Igreja?’ (O Estado de S.Paulo, 6/4/05)


** Carta do teólogo Hans Küng aos cardeais:




‘Desde o Concílio Vaticano II, Vossas Eminências perceberam que um governo eficiente da Igreja não pode tratar a metade da espécie humana, a metade feminina, como pessoas de segunda classe na Igreja, que devem se submeter, caladas, aos homens. Felizmente os dias do patriarcado já passaram, quando as mulheres aceitavam silenciosamente que cabia aos homens que oficiam na igreja definir sua natureza e seu papel nela. Hoje, quando as mulheres cristãs estão amadurecendo, elas próprias definem seu papel, mas não na Igreja. A dominação por homens e a exclusão das mulheres não podem mais ser legitimadas na Igreja de hoje, mesmo em nome do Deus Pai e do homem Jesus’. (O Estado de S.Paulo, 10/4/05)


** De Regina Soares Jurkewicz, da Coordenação de Católicas pelo Direito de Decidir:




‘Os fiéis que se aglomeraram em Roma voltam para suas casas e, sem deixar de amar ao papa, continuam desobedecendo as prescrições de conduta moral dada pela Igreja: utilizam anticoncepcionais para evitar a gravidez e preservativos para proteger-se do vírus da Aids. Nas pesquisas de opinião, não escondem sua opinião majoritária: as mulheres estupradas, aquelas grávidas de fetos anencéfalos ou que correm risco de vida, têm o direito de realizar um aborto e de ter a assistência do Estado. … A Igreja precisa rever a negação da plena cidadania eclesial das mulheres, impedidas de fazer parte da hierarquia católica, afastadas do ensino teológico e do acesso ao sacerdócio. (O Estado de S.Paulo, 17/4/05)


Ao debater o futuro da Igreja, a imprensa – meio sem querer ou perceber – acabou mostrando que há, dentro da fé católica, pessoas que admitem o novo lugar da mulher no mundo. E revelou, ela mesma, o quanto é conivente com os que encaram as mulheres como seres de segunda classe. Não fosse assim, cada um desses textos teria dado origem a matérias mais abrangentes discutindo exclusivamente a situação das mulheres.


Mas assim que a fumacinha branca sair da chaminé do Vaticano, e que a Igreja Católica deixar de ser manchete, volta tudo ao normal. Seja o papa progressista ou conservador, as mulheres vão sumir do noticiário. Merecerão, no máximo, um parágrafo onde se dirá qual a posição do novo pontífice sobre aborto.