Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Murdoch cede no
Wall Street Journal?


Leia abaixo os textos de quinta-feira selecionados para a seção Entre Aspas.


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O Estado de S. Paulo


Quinta-feira, 9 de agosto de 2007


DOW JONES VENDIDA
David Carr


Murdoch, enfim, teve de ceder no ‘Wall Street Journal’


‘The New York Times – Alguns dos vencedores na compra do Wall Street Journal pela News Corporation foram menos visíveis do que outros. Veja, por exemplo, o caso de Paul A. Gigot, o editor de opinião do Journal. Se você verificar os detalhes do acordo editorial entre a News Corp. e o Wall Street Journal, vai constatar que foram concedidas a Gigot as seguintes prerrogativas: autoridade para escolher membros do conselho editorial, colunistas, o editor da seção de opinião, os editores de resenha de livros e outras seções e, o mais importante, a palavra final tanto sobre artigos de opinião como posicionamentos editoriais.


Sou totalmente a favor da independência editorial por razões óbvias, mas a página editorial é historicamente o playground do responsável pela publicação de qualquer jornal, o local onde os proprietários podem deixar claras suas posições. Com esse acordo, a operação editorial do Journal não apenas mantém sua independência em relação à notícia, mas também conta com uma parede corta-fogo entre ela e seu proprietário. Gigot ajudou na redação do acordo, portanto, não constitui surpresa o fato de que seu cargo, se não for apenas de nome, é uma das jóias da coroa considerada merecedora de proteção.


Se o acordo for estritamente cumprido, isso quer dizer que Murdoch não pode trocar os editores de opinião nem determinar cargos editoriais, algo que qualquer outro dono de jornal dos EUA dá como certo.


Os leitores geralmente não entendem o pacto, mas um alto muro separa as páginas editoriais de um jornal de sua operação noticiosa. Posso dizer por experiência própria que as pessoas relacionam o liberalismo percebido na página editorial do New York Times aos seus jornalistas, e as pessoas que fazem as manchetes para o Wall Street Journal muitas vezes ficam confusas com seus primos loucos no verso da primeira seção. Mas a divisão é bem real – os dois não se encontram e muitas vezes entram em conflito. A permissão para que os donos dos barris de tinta espirrem alguma nas páginas de opinião reduz o dano ao mínimo.


Assim, como Murdoch permitiu que esse trato acontecesse? A página editorial do Wall Street Journal sempre foi reconhecida por sua disposição para ir contra qualquer pessoa em defesa da sua versão de liberdade, incluindo bombardear suas próprias páginas de noticiário. Parte dessa agressão verbal talvez tenha diminuído desde que Gigot assumiu em 2001, em substituição a Robert L. Bartley, que tendia a atirar primeiro e, depois, atirar ainda mais. Mas o fervor em defesa da versão deles de ‘mercados livres, homens livres’ permanece.


O quão tendenciosa é essa página? Bem, num editorial recente que, de outra forma, teria ridicularizado o senador Barack Obama por sugerir que os EUA devem levar a guerra para o Paquistão contra aqueles que fizeram guerra contra nós, deu-lhe uma folga, dizendo: ‘Qualquer um que queira ficar à direita de Rummy em relação ao contraterrorismo não pode ser tão ruim assim’.


O tapinha na cabeça meio que diz tudo, com uma homenagem a Donald H. Rumsfeld, o homem que continua sendo um herói popular dentro do clube a despeito da ter perdido o cargo de secretário de Defesa, com o uso muito íntimo de ‘Rummy’ para um efeito adicional.


Gigot já trabalha com Murdoch, ancorando um programa de televisão no Fox News Channel. E, como ressaltou o New York Observer, eles participaram juntos de uma mesa redonda exatamente uma semana depois que Murdoch fez uma oferta por escrito pela Dow Jones, a empresa que publica o Wall Street Journal, mas antes que essa proposta se tornasse pública.


Se Murdoch acabar se intrometendo no restrito clube que é a página editorial, Gigot pode apelar para o chamado comitê especial e as conclusões serão publicadas na página editorial. Se Murdoch, então, passar brutalmente por cima do comitê, também, este poderá procurar reparação nos tribunais, segundo o contrato que faz parte da transação.


Diante da posição histórica da página editorial em tais questões, há uma certa ironia no fato de que sua missão esteja agora protegida por uma cláusula contratual que permite a supervisão judicial da conduta perfeitamente legal de um dono de empresa. Recorrer à Justiça para impedir Murdoch de se intrometer na página editorial do Journal? Esse é um editorial que nós gostaríamos de ler.’


ESQUIRE
O Estado de S. Paulo


Revista ‘Esquire’ inclui papa em lista de moda


‘EFE – Bento XVI não está na lista dos 23 homens mais bem vestidos do mundo da revista Esquire, mas foi um dos destaques, como o ‘melhor portador de acessórios’ do ano, por causa de seus sapatos vermelhos de couro. Segundo o subdiretor da revista, Richard Dorment, ‘é importante o detalhe pessoal, algo que distingue um homem de todos os outros’.’


TELEVISÃO
Etienne Jacintho


GloboSat na TVA


‘A briga da TVA pela flexibilização de comercialização dos canais Globosat junto ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) não rendeu os resultados que a operadora esperava. Segundo Leila Loria, diretora-geral da TVA, a operadora terá de repassar aos assinantes os canais Globosat em um único pacotão.


A medida impede que a TVA ajuste seus pacotes para oferecer preços diferenciais pelos canais Globosat, que ainda não têm data de entrada na TVA. Leila garante que a comercialização começará em breve. A diretora conta que a prioridade da TVA era acertar o contrato com a Telefônica, que arrematou 100% das operações em MMDS, 49% das operações de cabo fora do Estado de São Paulo e 19,9% das operações de cabo em São Paulo. ‘Falamos pouco de estratégias para a parceria, mas vamos reforçar o triple play: voz (a cargo da Telefônica), TV paga (parte que cabe à TVA) e banda larga (com o Speedy e o Ajato)’, diz Leila.


A Telefônica garantiu à TVA a distribuição de cinco canais da Abril, entre eles o Fiz TV, já no ar, e o Ideal, que estréia no dia 1º de outubro. Outros três canais entrarão na operadora até 2009.


Atração para meninos


Aviso aos marmanjos: a Band trocou Luize Altenhofen por Dino da Silva Sauro na faixa nobre diária, mas arrumou um posto para a moça. Acima, ela posa no Museu do Automóvel em Buenos Aires, para o Garagem, programa sobre carros que estréia dia 12.


entre- linhas


>A estréia de Toma lá, Dá cá, humorístico que substituiu A Diarista na Globo, rendeu 31 pontos de média e 50% de share.


>Mais um vice-presidente deixou a Band. Antônio Telles entregou suas funções a Walter Vieira Ceneviva em julho. Amigo da família Saad, Telles resolveu deixar o cargo silenciosamente.


>Apesar de a Record alardear que Milton Neves tem contrato até 2008, no próprio site da emissora consta que o vínculo do apresentador com a rede vai mais longe. Agora, é fato que os programas de Neves, como o Debate Bola e o Terceiro Tempo, devem deixar a programação do canal em breve. E ele garante não ter proposta da Band.


>Lipstick Jungle, nova série de Candace Bushnell, autora de Sex and the City, deve chegar em breve ao País pela Fox. Outras séries que estão por vir são o policial Life, que entrará na Sony, e Bionic Woman, que será exibida pelo A&E.


>Sônia Braga passou o bastão para Fernanda Montenegro na função de atravessar o tapete vermelho da edição de 2008 do AFI Award, em Los Angeles. Este ano, Sônia representou o Brasil, a convite da MGM, na homenagem a Al Pacino.


>Elton John, Mel Gibson, Cyndi Lauper e Stephen Hawking (interpretando eles mesmos), e Isabella Rossellini (dando voz a Astrid), são algumas das grifes presentes na 10.ª temporada de Os Simpsons. A caixa com 8 DVDs estará à venda a partir do dia 15.’


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Folha de S. Paulo


Quinta-feira, 9 de agosto de 2007


CRÔNICA
Carlos Heitor Cony


A consciência da sociedade


‘RIO DE JANEIRO – Alunos de uma faculdade de comunicação, certamente mal informados, me procuraram com algumas perguntas sobre a profissão que pretendem exercer. Minhas respostas foram de pouca valia. Não cheguei ao jornalismo por vontade própria, e há mais de 50 anos procuro me livrar dela. Todos os dias fico pasmo quando sou obrigado a exercê-la.


Respondi à pergunta dos jovens devolvendo a mesmíssima pergunta: por que eles queriam ser profissionais da comunicação? Com pequenas variantes, todos responderam que desejavam melhorar o mundo, denunciar os descalabros humanos e criar uma sociedade mais justa e consciente.


Bem, 50 anos atrás, a coisa era um pouco diferente. Nossas ambições eram mais modestas e práticas. Hoje, o pessoal chega às redações querendo descobrir o furo do dia, a ‘fonte’ que vai dar o serviço sobre um escândalo à vista ou presumido, o ministro que está em processo de fritura, a verba da merenda escolar que financiou a viagem da família de um funcionário do alto escalão à Disneylândia. Realmente, tudo poderia ser melhor com a mídia vigilante, isenta, sem rabo preso.


Antigamente, o grosso do pessoal chegava à redação pensando onde iria almoçar, onde haveria uma boca livre, uma inauguração qualquer que daria direito a uns comes e bebes. O resto vinha por acréscimo. Faltando assunto, descolava-se uma reportagem sobre um tema óbvio -aumento no preço do pescado na Semana Santa ou o estado calamitoso dos hospitais públicos.


Nem a primeira nem a segunda geração conseguiram salvar o mundo. É possível que agora, com a conscientização de uma nova leva de profissionais, a vida se torne mais suportável e o pessoal chegue às redações sem a banal preocupação do lugar onde poderá almoçar.’


TODA MÍDIA
Nelson de Sá


O BURACO


‘Fátima Bernardes, no intervalo, avisou que ‘os moradores levaram susto’, e o repórter, no helicóptero, disse que ‘o asfalto cedeu e abriu buraco’ na ‘retomada das obras’, após sete meses das sete mortes


O presidente


O ditador Fidel Castro soltou mais uma ‘reflexão do comandante em chefe’, ontem na capa do ‘Granma’, anunciando sua punição aos dois boxeadores cubanos. ‘Chegaram a um ponto sem retorno como parte de uma delegação cubana neste esporte’, determinou, ponto.


Os telejornais reproduziram a entrevista com um dos boxeadores e, na escalada do ‘Jornal Nacional’, ‘Fidel Castro avisa que os boxeadores que desertaram durante o Pan não viajarão mais para torneios internacionais’. Na expressão repisada na Globo, ‘o presidente Fidel Castro’.


LULA, ORTEGA E O ‘CRIME’


Por sites e telejornais daqui, Lula e o sandinista Daniel Ortega, presidente da Nicarágua, discutiram sobre etanol de milho, concordando sobre a cana. Na manchete do site do nicaragüense ‘La Prensa’, ‘Ortega: produzir etanol de milho é um crime’, dando por criminoso George W. Bush.


Em artigo assinado ontem no mesmo jornal, Lula havia defendido o ‘etanol derivado da cana’, mas também o ‘mercado global para etanol’ fechado com o mesmo Bush.


TRANS DO BRASIL


A agência estatal chinesa Xinhua noticiou ontem que o ‘Brasil desenvolve a sua primeira planta modificada geneticamente’. É a soja da Embrapa, recém-anunciada.


O estatal ‘China Daily’ deu, ontem também, em destaque, que as enchentes e secas devastadoras ‘não ameaçam’ a produção chinesa de grãos.


EUA PROTECIONISTA


Um despacho da Reuters, no site do ‘New York Times’, relatou que ‘analistas’ e parlamentares americanos, no encontro anual de um grupo agrícola na Califórnia, vaticinaram coisas como ‘os dias dos acordos comerciais multilaterais terminaram’.


DIREITO DE BERÇO


O ‘Financial Times’ deu anteontem que a Europa da França, Grã-Bretanha e até Alemanha resiste à reforma na composição atual do FMI. Seria por ‘direito de berço’, no sarcasmo de uma fonte.


E a agência Efe noticiou ontem que o governo francês declarou, em resposta, que quer sim a reforma, mas sem adiantar ‘detalhes técnicos’.


EM CAMPANHA


E o candidato francês à direção do FMI, em turnê de sedução que já passou por Brasil, como destacado no ‘Le Figaro’, e África do Sul, disse ontem na Arábia Saudita que já tem o apoio dos citados e prometeu mais cotas a todos.


RENAN E A ECONOMIA


A oposição ‘preocupa o governo’, bradou o ‘JN’. E já acende sinal amarelo lá fora, com ‘Wall Street Journal’ e ‘Financial Times’ temendo pela ‘agenda de reformas’, no dizer do ‘WSJ’, que ouviu o petista Aloizio Mercadante, o democrata Mussa Demes e analistas de Diap e Santa Fé.


SEM REESTATIZAR


No destaque de ontem do ‘Valor’, ‘Governo coloca o BNDES para costurar fusão entre Oi e BrT’ ou Telemar e Brasil Telecom. Lula ‘quer evitar o duopólio’ Telmex/ Telefônica sem ‘reestatizar o setor ou parte dele’, como indicou Hélio Costa, apenas ‘estimulando uma terceira tele’. Oi e BrT procuraram Dilma Rousseff para abrir a negociação há dois meses.


‘CLASSE MÉDIA’


O Blue Bus noticiou que o vídeo com a música ‘Classe Média’ passou de 100 mil ‘views’ no YouTube, pós-Cansei. O vídeo foi postado em maio de 2006. Mostra a apresentação de uma música de Max Gonzaga, com trechos como ‘Sou classe média/ papagaio de telejornal’ e ‘Se morre gente ou tem enchente em Itaquera/ eu quero é que se exploda a periferia toda’.’


TELEVISÃO
Daniel Castro


Globo proíbe conversa sigilosa em elevador


‘A Globo acaba de editar uma nova versão de sua ‘Política de Segurança da Informação’, um manual de 12 páginas contra o vazamento de informações que disciplina o uso da internet, reuniões e entrevistas à imprensa. Apesar do rigor, uma cópia vazou para a Folha.


O manual classifica as informações em ‘confidenciais’ (aquelas cujo vazamento ‘afeta a empresa e o negócio como um todo’), ‘restritas’ (‘vazamento afeta uma ou mais áreas’), ‘internas’ e ‘públicas’.


Os funcionários são orientados a ‘protegerem adequadamente’ as ‘informações faladas: em elevadores, táxis, bares e restaurantes, aviões, ligações telefônicas, banheiros, festas, dentro e fora da TV Globo, reuniões com amigos etc.’.


‘Devem ser evitadas reuniões em locais públicos, como também evitar tratar de assuntos classificados como confidenciais/restritos em saguões de aeroportos, rodoviárias, dentro de transporte público, na frente de terceiros’, além de ‘telefones públicos’, declara. Recomenda-se o duplo envelopamento e o uso da criptografia em mensagens eletrônicas.


O manual deixa claro que a ‘TV Globo pode fiscalizar, a qualquer momento, sem necessidade de aviso prévio, a correta utilização dos recursos [como computadores] cedidos a usuários’. Somente profissionais citados na ‘Política de Comunicação com a Mídia’ podem falar em nome da Globo.


RISADA 1 A estréia do humorístico ‘Toma Lá, Da Cá’, anteontem, rendeu 31 pontos à Globo e a sintonia de 50% dos televisores ligados. A audiência foi boa (‘A Diarista’, antes exibida no horário, marcou 24 neste ano), mas nada espetacular.


RISADA 2 Embora não seja nada espetacular e lembre um pouco o extinto ‘Sai de Baixo’, o programa de Miguel Falabella é bem melhor do que ‘A Diarista’. Pode até emplacar mais de uma temporada na Globo. Destaque para a atriz Alessandra Maestrini, que interpreta uma empregada doméstica com sotaque do sul do Paraná.


SUPERSALÁRIO A Record adoraria fazer uma rescisão amigável com Milton Neves, mas ele não quer.


PARCERIAS A Record espera que a Fox, dona do formato de ‘Simple Life’, também processe o SBT pelo suposto plágio do reality show feito pelo ‘Domingo Legal’. Mas, a Fox, que também vende formatos ao SBT, resiste. E avalia que o programa de Gugu apenas fez uma sátira.


FIM DE LINHA ‘Você É o Jurado’ (SBT), apresentado por Carlos Massa, o Ratinho, marcou anteontem sua pior audiência: 3,5 pontos. Ratinho vai deixar o programa para se dedicar ao ‘novo’ ‘Jornal da Massa’ diário.


HOBBY Zeca Camargo discutirá ‘O que É Melhor: Estudar ou Trabalhar?’ na Bienal do Livro do Rio, em setembro. Explica-se: ele viajou o mundo pelo ‘Fantástico’ e estudou culturas.’


MEMÓRIA / ANTONIONI
Contardo Calligaris


Antonioni


‘Com ele, aprendi que, no amor, é bom não confundir verborragia com comunicação


DOIS ANOS atrás, assisti a ‘Eros’, filme em três episódios de diretores diferentes: Michelangelo Antonioni, Steven Soderbergh e Wong Kar-wai.


Quase saí bem antes do fim. ‘Eros’ começa com o episódio de Antonioni, que me pareceu de uma mediocridade constrangedora: os atores estão perdidos no set, as legendas são preferíveis aos diálogos e, como se não bastasse, há uma série de estereótipos intoleráveis.


Uma mulher nua em cima de um cavalo é uma metáfora erótica tão defunta que só deveria ser utilizada como farsa (exemplo de uma boa farsa: o nado sincronizado à la Esther Williams na cena primorosa dos Oompa-Loompas no lago da ‘Fantástica Fábrica de Chocolate’ de Tim Burton).


Enfim, por sorte ou obstinação, agüentei firme e fui recompensado pelo episódio de Kar-wai, que é uma obra-prima.


A razão de meu constrangimento era simples: a obra de Antonioni, que morreu na semana passada, aos 94 anos, é das que mais me tocaram e me formaram. Deparar-me com um filme medíocre e assinado por ele (embora, presumivelmente, orquestrado por outros) forçava-me a interrogar o passado: o que eu acharia, hoje, dos filmes de Antonioni de 30 ou 40 anos atrás?


Decidi revê-los. Foi uma aventura de várias noites, que recomendo a todos: únicos e inconfundíveis, os filmes de Antonioni não envelheceram. Sua obra, além de ser cinematograficamente genial, continua valendo como uma extraordinária educação sentimental.


Em matéria de educação sentimental, aliás, ela só compete com a obra de Ingmar Bergman, que também acaba de perder seu jogo de xadrez com a morte. Antonioni e Bergman têm em comum um respeito extremo pela intimidade humana.


Talvez seja porque ambos tiveram que redescobrir a dignidade da vida depois da grande ‘aventura’ coletiva da Segunda Guerra e a redescobriram na trama dos sentimentos.


Meus Antonionis preferidos se dividem em dois blocos. O primeiro inclui ‘A Aventura’ (1960), ‘A Noite’ (1961) e ‘O Eclipse’ (1962) e foi chamado, na época, de ‘Trilogia da Incomunicabilidade’. Nunca entendi por quê. Continuo não entendendo. Os personagens de Antonioni só podem parecer pouco comunicativos aos olhos de uma cultura que confunda a verborragia com a comunicação, o falar com o dizer.


Tome ‘A Noite’: poucos filmes ou livros nos dizem de maneira tão simples e correta o que é um casal e o que é um amor. E poucos amantes, cinematográficos ou literários, conseguem, como Giovanni (Marcello Mastroianni) e Lidia (Jeanne Moreau), em ‘A Noite’, dizer tudo o que é preciso e NADA MAIS.


Com Antonioni, aprendi que há uma ética da troca amorosa. Por exemplo, num momento do filme, Lidia some pelas ruas de Milão, durante uma tarde inteira. Quando, enfim, ela se manifesta com um telefonema, a discrição de Giovanni não é um drama da ‘incomunicabilidade’, é a reserva de quem, no amor, preserva o respeito pela complexidade do outro.


O cinema é uma boa parte de nosso repertório amoroso. Pois bem, no amor, como num set de filmagem, é necessário, de vez em quando, avisar: ‘Silêncio! Ação!’. Qualquer casal, em crise ou não, que seja tentado pela idéia de sentar e ‘discutir a relação’ poderia (com bastante proveito) sentar e assistir à ‘Noite’.


Meus outros Antonionis preferidos são ‘Blow Up’, de 1966, (misteriosamente traduzido como ‘Depois Daquele Beijo’) e ‘Profissão: Repórter’, de 1975. Esses dois filmes foram a melhor resposta que minha geração recebeu a seus anseios vagos e frustrados por uma ‘outra’ vida, diferente da mesmice acomodada que receávamos para o futuro.


‘Goldfinger’, o primeiro James Bond com Sean Connery, saiu em 1964, dois anos antes de ‘Blow Up’. ‘Goldfinger’ é o exemplo perfeito da resposta padrão à nossa questão adolescente: podem sonhar todos com a fabulosa vida de agentes secretos, criminosos, detetives e por aí vai. Pistola por pistola, dez anos depois, alguns, inspirados pela mesma proposta hollywoodiana, caíram na clandestinidade armada.


A resposta de Antonioni é mais sutil e diz que, claro, não é possível romancear a vida sem ‘ser outro constantemente’ (a frase é de Fernando Pessoa, mas é também o recado de ‘Profissão: Repórter’). Agora, para romancear a vida, não é preciso encontrar destinos grandiosos. Basta enxergar o detalhe que sempre está presente num canto escuro da realidade cotidiana, ao alcance de uma ampliação fotográfica.’


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