Thursday, 26 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Na mídia, soluções para a violência

Chovem conselhos e soluções para a violência, depois da demonstração de força do crime organizado no dia 15 de maio. Natural. Mas, como dizia um professor meu, diante de problemas complexos nem todas as boas soluções se equivalem. E por vezes nem tão sensatas parecem ser, embora recebam o aval implícito da mídia.

Após análises mais ou menos pertinentes, articulistas e jornalistas emitem suas opiniões. Contribuição bem-vinda, sem dúvida. A dúvida é se essas opiniões, baseadas em bom senso ou indignação, em reflexão ou desespero, ajudam realmente.

No editorial da IstoÉ (nº 1.909), Carlos José Marques menciona as soluções mais óbvias, que qualquer um pode oferecer (investimento em segurança, em educação e redistribuição de renda), mas conclui: ‘Falta poder de decisão, vontade política de mudar’. Mudar o quê? Tudo?

Na revista Época (n° 418), o economista Paulo Guedes, com citações de Hobbes e John Locke, queixa-se da impunidade. Logo, a solução é punir quem descumpre as leis, sejam integrantes do PCC ou do MST, que atuam, segundo o autor do artigo, em nome de fraudes semânticas como ‘direitos humanos’ e ‘justiça social’.

A mesma Época, descartando as propostas ditas de ‘esquerda’ (adoção de políticas sociais) e as consideradas de ‘direita’ (pena de morte, por exemplo), lista algumas saídas: investimento em serviços de inteligência que se antecipem às ações criminosas, mais presídios e lá dentro maior vigilância, infiltração de policiais em grupos criminosos e preservação da identidade dos juízes para maior liberdade em suas sentenças. Em suma: mais repressão, com um toque de Primeiro Mundo.

No dia 22 de maio, uma semana depois da ‘Segunda-feira Negra’ (quem assim escreve não teme ser tachado de politicamente incorreto?), a Folha de S. Paulo albergou soluções que, na maior parte das vezes, atacam os efeitos, sem discutir muito o que fazer com as causas. No principal editorial, a receita é a seguinte: ‘Investimentos na polícia, na Justiça e na construção de mais e melhores presídios’.

A sala de aula

Na página seguinte, Ives Gandra da Silva Martins pede endurecimento, sem, no entanto, desrespeitar a ‘dignidade dos marginais’ (se é que chamá-los de ‘marginais’ é uma forma de respeitar). Dr. Ives propõe isolamento dos chefes das quadrilhas, investimento pesado nos serviços de inteligência da polícia, e aumento do número de policiais, com melhor remuneração.

Logo abaixo desse artigo, escreve Eduardo Capobianco, do Instituto São Paulo Contra a Violência: ‘Os atentados viabilizam-se nas falhas do sistema prisional, das leis e das demais instituições responsáveis pela repressão’. Deduzo que a idéia é fortalecer a prisão, aplicar leis mais duras e reprimir melhor.

Ainda na Folha, entrevista com Paulo de Tarso Vannuchi (secretário dos Direitos Humanos). Também ele sente a necessidade de um melhor serviço de inteligência da polícia. Cassetete não pensa. Mas, agora sim, dá uma chance para uma visão mais ampla da questão, e toca a chaga: ‘a segurança pública tem de ter um diagnóstico apontando a falta de oportunidade de escola, trabalho, distribuição de renda e integração familiar’.

No caderno Ilustrada, uma recaída. Nelson Ascher, com ironia amarga, dolorosa, ridiculariza a solução (expressa de maneira simplista mas não de todo infundada) que Lula apresentou: mais escolas e menos presídios. Ascher não perdoa: ‘O que é um batedor de carteira analfabeto perto de um assaltante pós-graduado? Já os colegas de nosso amado líder (Chávez, Morales, Fidel) gostarão de saber que, depois de depostos, o que os aguarda é não a prisão, mas a sala de aula’.

Ausência de Estado

Certamente o que Lula fez foi repetir uma frase de efeito. Outra história seria analisar o que ele efetivamente (advérbio predileto do presidente) realizou até agora pela educação nacional. Para mim, só o fato de ter demitido o ministro Cristovam Buarque diz muito de sua limitada visão pedagógica…

No Estado de S. Paulo, do dia 24 de maio, o professor Marco Aurélio Nogueira denuncia ‘a velha lengalenga reacionária de ‘mais polícia na rua’, de ‘direitos para os humanos’ e de ‘conseqüências nefastas da política de direitos humanos’’. Pelo visto leu Ascher antes de escrever. Sua opinião, como bom acadêmico, é transmitida em palavras pudicas: ‘Além de exigir que se faça algo urgentemente para recuperar o sistema penal e prisional, precisamos trabalhar para termos uma política democrática de segurança que se enraíze socialmente’.

O artigo de Roberto DaMatta, ‘Prender como problema social’, naquele mesmo 24 de maio no Estadão, não quer nos iludir sobre a tragédia daquele dia: o que aconteceu voltará a acontecer, mais cedo ou mais tarde, porque essa tragédia se alimenta de uma (de)formação da mentalidade brasileira. Temos dificuldade para aplicar as leis. Temos dificuldade para separar o joio do trigo. Compreender a problemática nós compreendemos, e até concebemos soluções. Falta-nos capacidade de aplicá-las, por motivos políticos, sociais e culturais que o antropólogo já explicou em seus livros.

Na revista Veja (nº 1.957), os jornalistas Marcelo Carneiro e Camila Pereira assinam matéria em que as causas da violência, da contravenção não são as que o governador Cláudio Lembo apontou (a maldade da burguesia, da elite branca), e em que não faz sentido a solução de Lula (resolver o problema da escolaridade). ‘Tudo o que ocorreu se deve à ausência de Estado’, resumem os autores. Ou seja, o Estado não prende todos os criminosos, e quando prende não sabe mantê-los bem presos.

A raiz do problema

Esta pesquisa iria longe. Mas chama a atenção que estes articulistas e jornalistas não tenham analisado melhor a realidade dos detentos. Não tenham ouvido, por exemplo, a declaração que muitos deles dão, quando se pergunta como vivem atrás das grades: ‘a ociosidade faz a gente pensar besteira, se meter em confusão’.

Aliás, essa declaração vale para crianças e jovens que ainda não entraram no ciclo infernal, mas estão na mira: a infância e a juventude abandonadas à sua própria sorte são o combustível da máquina do crime. Crianças sem família e jovens sem emprego, sem estudo, sem esperanças concretas… tornam-se vítimas fáceis de um ‘esquema’ criminoso já montado, em que o dinheiro chega pelo roubo, pelo tráfico de drogas e pela violência.

Com relação ao sistema prisional, parece que melhorá-lo significaria construir mais e mais presídios, vigiando os internos com mais rigor. Esta solução não resolverá o problema humano mais radical. E por isso os criminosos já chamam os presídios de ‘faculdades’, pois lá dentro, na ausência de novos horizontes, aprendem novas formas de violência e aperfeiçoados modos de agir contra a lei.

Sugestões ingênuas?

Ir à raiz do problema é lembrar que as pessoas envolvidas com tráfico, que já roubaram, que já mataram, apesar de serem perigosas, e são perigosas, são também, em última análise, pessoas. Nosso dever seria dar-lhes a oportunidade de se reconhecerem e atuarem como pessoas. Além de coibir o uso dos celulares dentro dos presídios, além de fortalecer os esquemas de segurança, um presídio precisa, sim, tornar-se uma faculdade. Uma faculdade do estudo e do trabalho, na qual todos os detentos tenham a oportunidade de uma recuperação real.

Uma sugestão entre muitas (e já existem exemplos dessas iniciativas no Brasil) é que todos os presidiários realizem tarefas remuneradas. O dinheiro que vão receber por essas tarefas pode ser remetido diretamente aos familiares. Perante a sociedade e perante eles mesmos, esses presidiários começam a atuar como seres responsáveis e úteis. Outra sugestão que valorize o lado bom dos detentos é, a exemplo de casos isolados nesta ou naquela cidade, fazer todos os detentos receberem cursos profissionalizantes. Que, ao entrarem no presídio, sejam automática e compulsoriamente matriculados em diferentes cursos e recebam certificados por esse estudo.

Sugestões ingênuas? Exigem um exército de profissionais competentes? Requerem a presença real dos governantes? Sim, são sugestões ingênuas, factíveis somente se houver profissionais competentes e o apoio governamental irrestrito a essas pessoas. Sugestões ingênuas, mas mais inteligentes, a meu ver, do que apenas prender, punir, arrochar.

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Doutor em Educação pela USP e escritor (www.perisse.com.br)