Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

‘Não vão me intimidar’

Apresentador do programa Custe o que Custar (CQC), da Rede Bandeirantes, o jornalista Marcelo Tas diz estar assombrado com a resolução 23.191/09 do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A decisão, publicada em dezembro do ano passado, mas com efeitos nestas eleições, colocou limites para a cobertura jornalística, proibindo trucagem, montagem e recursos que possam ridicularizar candidatos, partidos políticos ou coligações.


Na prática, isso atinge em especial os programas humorísticos, que satirizam os políticos. O CQC, por exemplo, cria várias situações que os deixam expostos. E, com frequência, reforçam tais situações com trucagens em que o entrevistado, por exemplo, ganha nariz de Pinóquio ou leva uma bordoada na cara.


O Congresso em Foco conversou com o jornalista, considerado um dos representantes do humor político na atualidade. A regra do TSE já impôs limitações ao CQC. Os cartunistas do programa, encarregados de fazer as montagens na figura dos entrevistados, acabaram afastados de todo o material produzido para as eleições de outubro. Mas a previsão é que a ausência de recursos gráficos seja substituída por uma cobertura ainda mais ousada, mas com o pé na Lei eleitoral, destaca o próprio apresentador.


Para Marcelo Tas, criar regras que inibem tais programas trazem prejuízo, principalmente, para o próprio eleitor. O apresentador é categórico nas ponderações sobre a Lei eleitoral. Para ele, a legislação tem aspectos positivos, mas também peca e traz a ameaça da cobertura eleitoral amordaçada. Ele, porém, avisa: a regra não vai intimidá-lo nem limitar o CQC: ‘Não estou amarrado. E não devemos nos intimidar com a resolução’.


Ausência de debate


Pela resolução, a emissora de televisão que descumprir a regra estará sujeita ao pagamento de multa no valor de R$ 21.282,00 a R$ 106.410,00 duplicada em caso de reincidência. Os casos deverão ser julgados nos Tribunais Regionais eleitorais Eleitorais e poderão ser encaminhados ao tribunal Superior Eleitoral (TSE) para serem submetidos ao julgamento da corte.




Conheça aqui a íntegra da resolução do TSE


Veja aqui a íntegra da lei eleitoral


Outros programas de peso, e que adotam a mesma linha, também sofreram baixas em função das regras previstas pela Lei Eleitoral. O Casseta e Planeta Urgente, de Rede Globo, também deixou de lado as piadas ácidas envolvendo presidenciáveis. Embora não utilize efeitos gráficos e recursos para reforçar a sátira, o programa preferiu economizar na dose de humor contra políticos para não correr o risco de amargar um multa aplicada pela Justiça eleitoral.


Precursor da mistura política e humor, o jornalista Marcelo Tas criou o repórter fictício chamado Ernesto Varela, nos anos 80. Varela era um repórter independente que, com seus óculos de armação vermelha, saía com o seu fiel câmera Valdeci e se enfiava em todo tipo de lugar para fazer justamente as perguntas que todo mundo tinha na cabeça, mas não tinha coragem ou não podia fazer.


Ainda durante a ditadura militar, Marcelo Tas já ousava encarnando o repórter Ernesto Varella. Varella, por exemplo, chegou na frente de Paulo Maluf quando ela era candidato à Presidência no Colégio Eleitoral enfrentando Tancredo Neves e perguntou, na lata: ‘O senhor é ladrão’?


Nesta entrevista ao Congresso em Foco, o apresentador do CQC abordou diversos pontos da eleição. Além de avaliar a resolução do TSE, Marcelo Tas faz uma crítica aos rumos da campanha eleitoral. Para ele, a ausência de debate é o mal que assola a eleição, que passou a ser protegida pelos instrumentos legais. O apresentador também faz críticas ácidas a personagens importantes, como o deputado José Genoino (PT-SP), e compara o período de ditadura com a atual democracia, ainda em processo de amadurecimento, como ele mesmo afirma.


Confira abaixo a entrevista na íntegra.


Fico assombrado com a falta de liberdade


Congresso em Foco – Como você avalia a determinação do TSE de impor limites à cobertura humorística nas eleições?


Marcelo Tas – Para mim, falando de uma maneira muito direta, isso é uma limitação da liberdade de expressão. Porque numa eleição, o cartunista, por exemplo, é uma figura importante. Não só para fazer humor, mas para provocar debate. Aquele debate na rua, na padaria, no boteco. O humor é um gatilho que dispara a inteligência das pessoas. É uma lente que faz você enxergar a realidade, distorcida, é claro. Mas isso não deixa de ser realidade. É uma maneira de você provocar o assunto eleição. Então, eu lamento profundamente. Acho uma agressão à inteligência do eleitor. E até uma agressão aos jornalistas. Dizer para nós jornalistas não podemos fazer perguntas bem humoradas aos candidatos é um tratamento dado para uma criança. É como se a gente não soubesse fazer o nosso trabalho e precisasse de alguém para regulamentar a natureza das perguntas.


E como ficará a rotina de trabalho do CQC e outros programas que misturam humor e política? Haverá mais cautela nas eleições? O que muda em efeitos práticos?


M.T. – Nós estamos muito atentos, com todo o suporte do setor jurídico da Band, para cumprir rigorosamente o que está na Lei. Ou seja, espaço equânime aos candidatos. Não abrir mão do direito de resposta. Mas, infelizmente, os nossos cartunistas não estão mais trabalhando. No CQC, nós temos uma equipe de cartunistas que fazem aqueles desenhos sobre a figura dos entrevistados. E os nossos cartunistas não estão trabalhando no nosso material de campanha eleitoral. Só nas outras reportagens. Eu acho isso lamentável. Porque a expressão do profissional fica tolhida. Nós somos o país do Angeli, do Chico Caruso, que são figuras atuantes nas eleições. Quantas vezes a gente não viu uma caricatura do Lula, dos generais na época da ditadura. Quantas vezes, eu mesmo, moleque, fui impactado pela caricatura de um general. Isso, durante a ditadura, veja você. Nesse período, os cartunistas podiam comentar, através da sua arte, a política. E agora, em plena democracia, eles não podem. Eu fico assombrado com essa falta de liberdade. Fico envergonhado como cidadão.


Um debate equilibrado sem deixar de ser respeitoso


A ideia de impor limites à cobertura nas eleições foi pautada pelo Congresso Nacional, ano passado, durante a discussão da mini-reforma eleitoral. Candidatos que agora disputam a reeleição defenderam, publicamente, os limites na cobertura eleitoral. O que você acha disso?


M.T. – Eu acredito que esses parlamentares e candidatos, que tentam limitar o acesso da população à informação, agem com um DNA muito antigo, que é o DNA do coronel-controlador. Esse comportamento ainda está muito vivo no Brasil. É o coronel que é dono da rádio, dono da televisão, dono do jornal. É um cara que não admite a liberdade de informação que a gente vive hoje, sobretudo com a internet. Esse tipo de coronel está sendo varrido do mapa pela história. Mas é claro que como ele ainda controla muitos veículos nos seus currais eleitorais. Ele quer agora decretar o fim da liberdade na internet. Pois ele acha que a internet é como o curral antigo e analógico que ele tem lá na cidade dele. Mas não é! Agora, eu confio no bom senso da Justiça brasileira.


A conversa já está encerrada e não cabe contestação, na sua avaliação?


M.T. – Então … Nós, no CQC, não contestamos a lei. A gente obedece a Lei. E não estamos procurando fazer uma cobertura que fira essa lei. Mesmo protestando agora, como eu estou fazendo com você. Mas a gente acredita que há forma, não de burlar a lei, mas de cobrir as eleições apostando na inteligência dos candidatos, dos partidos e evidentemente dos eleitores. Porque a gente acredita que o eleitor tem interesse, sim, na política. Ele não tem interesse é naquela política formal, amordaçada e controlada. O brasileiro tem interesse, sim, nos rumos da vida dele e da sociedade. É por isso que esse tipo de limitação, na minha visão, só prejudica mais a participação da sociedade. Esse tipo de regulamentação da legislação eleitoral, na minha visão, afasta ainda mais aquele cara que já estava cansado daquela mesma conversa. O debate eleitoral pode ser equilibrado sem deixar de ser respeitoso. Isso é exatamente o que eu acredito que a gente faça no CQC, mesmo criticando os candidatos e partidos. A gente os trata com respeito. E a gente é, sobretudo, um veículo para que eles se comuniquem com uma fatia importante do eleitorado.


O eleitor quer o debate


Essa regra pode gerar ações contra o CQC na Justiça? Isso pode levar vocês a meterem o pé no freio?


M.T. – Bom… Eu vou te dizer uma coisa. Se eu não amarelei quando estava o [general João] Figueiredo lá de presidente, eu não posso amarelar agora quando está lá um presidente que, pra mim, representa uma pessoa que era contra os generais. Eu não quero acreditar que agora, quando o Brasil passa por uma democracia relativamente madura, a gente vai poder ter esse tipo de medo. Ou de repressão. E eu, veja bem, estou aqui reconhecendo a importância de regular os excessos. Da picaretagem, da malícia, da criação de fatos manipulados e mentirosos. Eu acho que isso tudo tem que ser punido. Como, aliás, já aconteceu em outras eleições. Os tais dossiês, os tais vídeos apócrifos. Agora, a liberdade de crítica e debate não pode ser limitada.


As eleições mal começaram e a gente sente os primeiros sinais da ausência de debate. Apenas o roteiro da acusação e denúncia. A ausência do humor não torna ainda mais caótico o pleito desse ano?


M.T. – Eu acho que nós, jornalistas, não podemos fazer como os jogadores da Seleção, que botaram a culpa na Jabulani, entendeu? Não podemos botar a culpa no eleitor, na lei eleitoral. Nós temos o papel de aquecer esse debate, de questionar os candidatos. Eu acredito que o eleitor está cansado do papo furado. O eleitor não quer perder tempo com o horário eleitoral, que tem os marqueteiros falando que o mundo é todo azul, que os candidatos são lindos. Que ninguém faz plástica. Que ninguém usa peruca. Que ninguém tem disfunção erétil. Ou seja, é aquele mundo perfeito. O eleitor quer justamente o debate. Eleição, pra mim, é debate de ideias. Debate de planos, de tudo. Tem que ser um debate livre.


Sugiro que ninguém deva se sentir amarrado


Mas, pelo caminhar das eleições, já percebemos que o debate está totalmente ofuscado pelas estratégias de enfrentamento e guerra verbal entre tucanos e petistas. Você tem a mesma impressão?


M.T. – Eu não estou aqui defendendo candidato nenhum, mas o candidato Índio [da Costa, vice de José Serra], por exemplo, vai lá e acusa o PT de ligações com a Farc. A reação do PT é abrir um processo no tribunal da Corte Suprema. Isso que eu acho a loucura brasileira. Essa, na verdade, seria a hora do PT rebater respondendo. Debatendo a posição dele diante das Farc. E não resolver uma questão ideológica com processo. O Brasil é o único país onde isso acontece. É um tremendo retrocesso a gente achar que a democracia brasileira vai crescer porque agora a gente pode ficar processando uns aos outros. É o contrário. Isso não acontece na França, nos Estados Unidos ou na Inglaterra: um partido ser acusado e ele apresentar um processo porque alguém deu aquela declaração. Esse, na verdade, deveria ser o momento do debate. Dos esclarecimentos públicos. E não de abrir um processo para que o juiz decida se aquilo foi ou não agressão.


Pela forma como o TSE se posicionou sobre a Lei eleitoral, podemos dizer então que essa eleição será marcada pela a ausência de humor. O limite imposto intimidará as coberturas?


M.T. – Eu sou um rapaz relativamente velhinho já. Cobri as Diretas Já. E acredito que não seja a hora, depois de tantos anos, de temermos a democracia. Ou de uma emissora ter medo da multa. Se não, é aquele jogador que não entra em campo porque tem medo do cartão amarelo ou vermelho. Uma emissora ou rádio, que tem a consciência que ela faz uma cobertura equilibrada, mesmo que seja ousada, como faz o CQC, terá consciência que faz dentro da Lei, com justiça, com bom senso, e sobretudo, aberta à crítica, que é o nosso ponto principal do CQC. O CQC está aberto o tempo inteiro para ser criticado inclusive pelos políticos. O [José] Genoíno [deputado do PT de São Paulo], por exemplo, não fala com a gente, mas o microfone está permanentemente aberto. Inclusive para ele explicar o fato de não falar com a gente. E para mim, o Genoíno é um símbolo dessa ignorância e postura autoritária. Quer dizer, ele que, para mim – eu falo inclusivamente isso pessoalmente – era o símbolo de um cara bem humorado, pois já o entrevistei várias vezes. O Genoíno era o porta-voz da esquerda na direita. Era ele quem falava com Delfim, ACM. Ou seja, ele era o parlamentar na acepção da palavra. Mas virou uma pessoa autoritária, amarga e preconceituosa com relação ao humor.


Você encara a decisão do TSE como uma espécie de censura que te deixou amarrado para a cobertura jornalística das eleições desse ano?


M.T. – Eu não estou amarrado. E sugiro que ninguém deva se sentir amarrado. Porque se não, quando eu fazia reportagem em plena ditadura e o Figueiredo era o presidente, iria me sentir mais amarrado ainda. Eu não posso me sentir amarrado com a democracia atual e vigente no país. Acredito muito no bom senso do Serra, da Dilma, da Marina, do Plínio, de entenderem que nós devemos celebrar uma festa democrática. Se não, para que a gente fez todo esse avanço?