Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Ninguém dançou e Judas sorriu

Desta vez, o PT e seus aliados foram discretos. A deputada Angela Guadagnin foi preventivamente seqüestrada e o artífice da absolvição do deputado João Paulo Cunha – seu sucessor, Aldo Rebelo – manteve o semblante natural: pétreo.

Os círculos palacianos afinal perceberam que é um desperdício gastar tanta energia para comemorar a preservação dos mandatos dos mensaleiros. Cada triunfo num plenário desmoralizado acaba multiplicando a indignação da sociedade. O custo é alto demais para o PT que concebeu, bancou e sustentou o esquema. Além disso, inútil: o relatório final da CPI configurou e consagrou os conceitos de mensalão e valerioduto. Brevemente produzirá jurisprudência e verbetes nos dicionários.

Alguns acólitos do governo federal perderam a compostura e como em outros surtos discricionários do passado (Inquisição e 3º Reich) tentaram policiar a linguagem e suprimir do vocabulário jurídico-político os ilícitos que praticaram. Não conseguiram. O idioma é vivo, livre, incontrolável e inviolável.

Aqueles que se agarram à desculpa que o caixa dois significa apenas uma simples ‘entrada de recursos não-contabilizados’ podem regozijar-se com os mandatos preservados, mas são os autores efetivos de dois neologismos perenizados tanto na filologia como na nossa história política.

Esquemas em cadeia

João Paulo Cunha foi presidente da Câmara durante o período mais intenso da compra de votos e consciências. Além de beneficiar-se em dinheiro vivo, introduziu o nefando Marcos Valério na vida doméstica da Câmara e contratou-o numa licitação fraudulenta para uma inédita campanha publicitária destinada a branquear a imagem suja da Casa do Povo. Isso significa que João Paulo Cunha, além de receptador, acobertou um ilícito e iludiu a sociedade brasileira. Obstruiu a justiça. Ocultou a verdade.

A manifestação coreográfica da deputada Angela Guadagnin foi erroneamente designada pela mídia como ‘samba da pizza’. Errado: aquilo foi a rumba da prevaricação. As novas gerações de analistas políticos desconhecem o ritmo adotado por Hollywood nos anos 1940-50, quando o Caribe era o território de déspotas sorridentes e o frenesi da rumba servia para disfarçar o que se passava em suas ilhas.

A parlamentar tem todo o direito de manifestar-se verbal ou gestualmente, mas não podemos esquecer que ela é a mãe do mensalão e do valerioduto quando foi prefeita de São José dos Campos, nos anos 1990. Sua dança, enquanto dança, nada tem de errada. Os passos e requebros estavam corretos. Mas constituem inequívoca remissão aos processos de impeachment instaurados contra ela, produzidos pelos mesmos esquemas financeiros aplicados em Ribeirão Preto, Santo André e dos quais escapou graças aos mesmos malabarismos agora aplicados para livrar João Paulo Cunha & Cia.

Sorriso indulgente

O último friforó parlamentar não teve fotos ou imagens mas teve registro sonoro. As ofensas e palavrões proferidos pelo elegantíssimo Jorge Bittar contra o senador Delcidio Amaral, presidente da CPI, por ter resistido à sua tentava de virar a mesa, além de constituírem atentados ao pudor e ao decoro, escancaram a conspiração de alguns petistas para melar o trabalho da CPI.

Ao chamar o presidente da CPI de ‘Judas!’ (naquele momento ainda sinônimo de traidor), Bittar deixou claro que o senador não obedeceu ao que fora combinado – esperava que Delcídio Amaral fizesse o jogo do PT e não o da sociedade brasileira.

Bittar não poderia imaginar que no dia seguinte um painel internacional de sábios confirmaria a autenticidade do ‘Evangelho Segundo Judas’, no qual o 13º apóstolo finalmente livrou-se do estigma de pérfido que o acompanhou ao longo de quase dois milênios para ganhar o status de preferido, parceiro e confidente de Ioshua, o Nazareno.

Bittar não dançou, tropeçou: queria injuriar mas consagrou o presidente da CPI. Lá nas alturas quem esboçou um sorriso indulgente foi Judas Ish-Keriot, finalmente reabilitado por aqueles que buscam a verdade.