Monday, 04 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

Ninguém é inocente

Existem certas coisas que intelectuais deveriam saber e considerar: ninguém é inocente. Os judeus ainda hoje são extremamente excludentes, pois só casam entre si. (…) Cristãos matavam negros nos EUA (KKK). A igualdade de voto nos EUA só surgiu nos anos 60, enquanto na ex-URSS mulheres e homens tinham o mesmo direito desde a revolução. Só que matavam todos os dissidentes. É complicado defender pontos de vista radicais, pois o sapato aperta a todos. Os ‘bonzinhos’ japoneses passavam a fio de espada mulheres, crianças e velhos na Segunda Guerra Mundial (vide o massacre de Pequim). Creio que o mundo padece de cegueira e falta de memória, pois se levássemos em conta tudo o que já aconteceu na história não teríamos tanto preconceito com o ponto de vista do outro. Mas aí já é utopia demais. Só para uma raça de não-humanos.

Márcio Luiz da Silva Gama, biólogo, Brasília



Obra de arte, licença poética

Em todas as referências a esse filme, esquece-se do fundamental, é uma obra de arte, e o artista tem licença poética de criar, e por criar trazer à tona a polêmica. Contudo, de todas as afirmações e especulações feitas no artigo, chamou-me mais a atenção a que ressalta, no post scriptum #2, a validação feita pela opinião pública, e apesar de o autor não concordar com que ela possa ser fonte de verdade, tão o é que até hoje judeus, católicos, muçulmanos e laicos, quando chegam ao poder, tentam subjugá-la, sedá-la, hipnotizá-la e dominá-la, pois sabe-se que a fonte de todo poder é essa: a opinião pública. E, como ela é feita de gente, como eu e o autor, deveríamos reconhecer que, de uma e outra forma, somos todos adestrados a enxergar inimigos em nossos semelhantes, sejam eles judeus (povo este preferencialmente inimigo, talvez alimentado esse fato por eles mesmos nos verem como os diferentes, os góis, os não-judeus) ou quaisquer outros. De acordo com a Lei de Murphy, não importa quão bem se faça uma coisa, alguém não vai gostar e terá o direito de criticar.

Oscar Quiroga, psicólogo, São Paulo



Dissidente da TFP

Acredito que pouco possa ser acrescentado ao artigo ‘Exercícios nada sutis de anti-semitismo’ nas páginas do sítio do OI da semana passada. Mas algumas considerações devem ser feitas, apenas como complemento à discussão. O entrevistado no sítio da AOL é pertencente a uma dissidência da TFP [Tradição, Família e Propriedade], uma das organizações católicas mais à direita do espectro ideológico que se possa imaginar, e profundamente anti-semita. Apenas isso, embora, como referido na matéria, tenha doutorado em Ciências Sociais, o desqualifica, pois suas opiniões serão sempre enviesadas pelo modo torto da visão fundamentalista de grupos como aquele a que pertence. Não obstante, o filme A Paixão de Cristo, de Mel Gibson, leva a duas linhas diversas de crítica (embora eu não seja crítico de cinema…):

1. Dezenas de películas foram realizadas sobre o assunto, e muitos concordam que a mais abrilhantada de todas foi a de Franco Zefirelli, apesar de suas posições nitidamente direitistas. Mesmo assim, o grande sucesso de bilheteria por onde o filme tem andado, notadamente nos EUA, parece se dever mais ao modo escatológico e brutal com que foram tratadas as últimas 12 horas de Cristo: alto grau de violência, sangue etc. Lembra muito mais os filmes de ação de Mel Gibson, e esse olhar sanguinolento parece ser o grande atrativo, além da usual grande propaganda e polêmica que seu produtor injetou antes mesmo da exibição, gerando maior curiosidade ainda ao espectador. Em outras palavras, usou-se o marketing cinematográfico e, afora as opiniões de seu produtor, o filme está rendendo bem: na visão holywoodiana e do cinema comercial para o grande público é o que basta.

2. A questão do anti-semitismo é complexa demais para ser debatida aqui. Resumidamente, considerando o fato de Jesus Cristo e seus seguidores terem sido hebreus, e Cristo um pregador rabínico altamente qualificado, gerou desconforto no status quo da comunidade da Judéia ocupada pelos romanos, pois os hebreus de então não o consideraram o Messias previsto na Bíblia. Daí veio a dissidência, além do fato mais que conhecido da pax romana não ficar contente com seitas aparecendo a todo momento. E o tormento aplicado a Jesus Cristo não foi excepcional: foi ele tratado com a brutalidade comum à época, e a forma de condenação por crucificação valia para inimigos de Roma e aliados até ladrões – ele não sofreu mais do que os outros condenados a essa forma que hoje vemos como execrável, mas que era o padrão na época dos fatos e aceito pelas comunidades de então.

(…) Deve ser lembrado o fato de a família Gibson provavelmente ser de crenças muito semelhantes às da TFP patrícia. As declarações do pai de Mel Gibson chegam a ser absurdas, quando disse que não havia no mundo gasolina suficiente para matar seis milhões de judeus no Holocausto. Talvez não houvesse mesmo, mas a desinformação e a ignorância do Gibson sênior é lastimável: não se usou gasolina para queimar judeus… (…)

Resta o fato fundamental: os Gibson podem ser radicais na sua visão da morte de Jesus Cristo, mas estão embolsando um belo de um dinheiro. Showbusiness, e o show deve continuar… Nunca se deve pedir a censura do filme; aliás,entidades da colônia israelita de São Paulo e Rio de Janeiro já se manifestaram oficialmente nesse sentido – mas solicitando o devido dever de criticarem a película, se julgarem necessário. Filmes com apelo anti-semita assustam, como O judeu eterno e o O judeu Suss, de documentaristas nazistas. Eles só tiveram impacto na população alemã por haver um grande programa de propaganda engendrado por Goebells. O mesmo com os tais Protocolos dos sábios do Sião, o livrinho apócrifo que atribui a existência de um conselho de anciãos judeus que pretende dominar o mundo (talvez sendo os judeus torturados, queimados e assassinados), e que se sabe que foi obra da Okhrana, a polícia secreta do última czar, o incrivelmente incompetente Nicolau II. De qualquer forma, o filme vai gerar discussões até outra coisa aparecer. (…)

E como judeu só posso dizer: é, mais uma vez resolveram tentar acender a chama do anti-semitismo. Mas dentro de um plano de propaganda de um filme violento sobre a Paixão de Cristo. Quem desrespeita mais Cristo, os judeus ou os que fazem de seu sofrimento instrumento para ganhar muito dinheiro? A resposta me parece óbvia, e o leitor inteligente do Observatório certamente sabe qual é.

Celio Levyman, médico, São Paulo