Explica o economista Ricardo Amorim, no artigo “República de Bananas ou de Inovadores?”, publicado na revista IstoÉ (edição 2304, de 22/1/2014), que “o termo República de Bananas nasceu para menosprezar países da América Central dependentes deste produto e, como consequência, facilmente manipuláveis política e economicamente. Bananas e outras commodities são produtos ou serviços com pouco ou nenhum diferencial e que, por isso, podem ser substituídos pelo produto ou serviço oferecido pelo vizinho com facilidade”.
Com argumento semelhante, o editorial do Correio Braziliense, intitulado “Economia solidária”, em 16/1/2016, informa que “Roberto Campos costumava dizer que a tragédia do Brasil é ser um país produtor de banana. A fruta, que não exige investimento para ser cultivada, nem esforço para ser colhida, teria forjado pessoas esbanjadoras”.
A má vontade destes ilustres comentaristas, transformando nosso símbolo nacional, como se nanico o fosse, fortalece ainda mais a tese de que ainda não criamos nossos próprios pontos de referência, nossas balizas, nossos pontos de apoio. Por isso, não temos ainda o conceito de nação, de cidadania, justamente pelo fato de ainda não observarmos o Brasil com nossos próprios olhos.
Nossa autoestima é baixa, somos inseguros, sentimo-nos confusos, perdidos no mundo globalizado. Ainda bem que a música popular brasileira, na opinião de Tom Zé, oferece “anticorpos” suficientes para nos livrar desse “complexo de inferioridade”, uma vez que “a revolução cultural” produzida pelo cancioneiro nacional contribuiu decisivamente para que fôssemos um povo mais consciente dos nossos próprios talentos autorais.
Em Vendedor de bananas (1973), o músico Jorge Ben Jor mostra as virtudes em torno da cultura da banana, mencionando elogiosamente a variedade e o sabor da fruta, a disposição motivacional e o talento persuasivo do comerciante popular, a arte de vender o produto comercialmente, além de destacar a dignidade trabalhista, o poder de comunicação e a competência carismática que habilitam positivamente o comerciante:
“Olha a banana/Olha o bananeiro/Eu trago bananas pra vender/Bananas de todas as qualidades/Quem vai quer?/Olha banana-nanica/Olha banana-maçã/Olha banana-ouro/Olha banana-prata/Olha a banana-da-terra/Figo, são-tomé/Olha a banana-d’água/O mundo é bom comigo até demais/Pois vendendo bananas/Eu também tenho o meu cartaz/Pois ninguém diz pra mim/Que eu sou um palha no mundo/Ninguém diz pra mim:/‘Vai trabalhar, vagabundo’/Mãe, eu vendo bananas, mãe/Mãe, mas eu sou honrado, mãe”. Pela canção benjoriana, nossa banana vale ouro. É Cosa nostra (1973), como canta Ben Jor, enaltecendo mais uma vez, com orgulho, os atributos do povo brasileiro: “É cosa nostra/Sinceridade/É cosa nostra/Esse seu sorriso/[…]/É cosa nostra/A sua simpatia/[…]/É cosa nostra/O raciocínio/É cosa nostra/O pensamento/É cosa nostra/Esse suingue/[…]/É cosa nostra/Esse céu azul/[…]/É cosa nostra/Essa vontade de viver.”
Solidariedade e desenvolvimento equilibrado
Como “santo de casa não faz milagre”, as observações críticas de Amorim e Campos passaram ao largo das benesses da cultura da banana como sendo fruto autêntico do desenvolvimento brasileiro. Silvio Romero, já em 1880, identificava como o grande problema brasileiro a “imitação do estrangeiro na vida intelectual”. Manoel Bonfim, anos depois, apontava nossa “falta de observação”. Gilberto Freyre, em Casa-Grande & Senzala (1933), nos definia pela “aptidão para imitar”. Sérgio Buarque de Holanda, em Raízes do Brasil (1936), sentenciava que somos “desterrados em nossa terra”, por trazermos de outros países nossas formas de vida. Copiamos coisas prontas, traduzimos tudo, preferimos citar a pensar, ridicularizamos inclusive a realidade brasileira sem o menor tipo de trégua.
Inteligentes no Brasil são os eruditos da cultura alheia. É o caso da inovação internacional destacada por Ricardo Amorim: “A menina dos olhos dos pregadores da inovação é provavelmente a Apple. Com produtos de uso fácil e design arrojado, a Apple transformou aparelhos eletrônicos em objetos de desejo e status”. Entende Amorim o que seria a inovação, considerando apenas a “lei da escassez”, onde se situa o problema fundamental da economia: “Para crescer de forma acelerada já não basta colocar mais gente para trabalhar.
O desafio agora é produzir mais sem mais gente. Em resumo, não só está cada vez mais difícil manter diferenciais em relação à concorrência, como sem esses diferenciais as empresas instaladas no Brasil estão condenadas a crescer menos. […] Está pensando que esse papo de inovar vale só para as empresas, não para você? Pense mais um pouco. A alta dos salários nos últimos anos levará as empresas a substituir funcionários por máquinas, agora mais baratas, o que somado a um crescimento econômico mais lento deve elevar a taxa de desemprego”.
A república dos inovadores adora ignorar que todas as normas constitucionais básicas, portanto, negam e existência de “mercado livre”, estranho ao poder do Estado. A boa governança refere-se à gestão eficiente e eficaz de recursos e problemas públicos e do atendimento às necessidades essenciais da sociedade como um todo. A república dos inovadores, de olho apenas na linguagem do capital e nos anseios dos donos dos meios de produção, está mais propensa a formar a República dos Bananas. Uma coisa é certa: não se eleva o padrão material e moral de um corpo social sem aumentar as bases de sua economia geral.
Essa é a forma de evitar a fraqueza de todos ou as desigualdades odiosas e humilhantes. Na medida em que a distribuição das riquezas a todos favorece, diminui pelo menos o estado de miséria. Nestes tempos tão cheios de problemas, surpresas e contradições, o sentimento comum precisa ser de solidariedade e desenvolvimento equilibrado. Nessa travessia de riscos, a consciência geral deve ser suficientemente crítica, para que não haja mais abalos sísmicos.
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Marcos Fabrício Lopes da Silva é professor universitário, jornalista, poeta e doutor em Estudos Literários