Na condição de apoiador de longa data e de colega de Barack Obama na Universidade de Chicago, assim como de assessor informal na sua campanha de 2008, tive grandes esperanças de que ele conseguisse restaurar o equilíbrio entre o sigilo governamental e a transparência governamental que fora perdido com George W. Buch e que ele, enquanto candidato, prometera promover com a abertura e a responsabilidade pública nas políticas adotadas pelo governo.
A coisa não funcionou bem assim. Embora Obama tenha adotado algumas medidas no sentido de reduzir alguns dos excessos da era Bush, em especial nos primeiros tempos de seu governo, em outros casos ele demonstrou uma disposição decepcionante de continuar pelo mesmo caminho de seu antecessor.
Nos anos que se seguiram ao 11 de setembro, o governo Bush adotou uma série de políticas – incluindo tortura, vigilância de comunicações privadas e restrições ao instrumento do habeas corpus – que sabotaram os valores fundamentais norte-americanos de dignidade, privacidade pessoal e o apropriado processo legal. Sua política mais perigosa, entretanto, foi a de esconder suas decisões do público norte-americano.
Um passo na direção certa
Num esforço para evitar os constrangimentos da separação dos poderes, dos recursos judiciais, das investigações e avaliações e da responsabilidade democrática, o governo Bush sistematicamente escondeu do público suas ações. Promulgou suas políticas sigilosamente, negou informações ao Congresso, abusou do instrumento da informação confidencial – em uma interpretação redutora da Lei sobre Liberdade de Informação –, puniu fontes de informação governamentais, prendeu jornalistas que se recusavam a divulgar suas fontes confidenciais, ameaçou processar a imprensa por revelar programas secretos e, de uma maneira ampla, invocou a doutrina de segredos de Estado para evitar que o Congresso e a Justiça avaliassem a legalidade de seus programas.
Ao fazê-lo, o governo Bush sabotou a premissa central de uma sociedade autogovernada; cabe aos cidadãos avaliar as decisões, as políticas e os programas de seus representantes. Como observou James Madison, “um governo popular sem informação popular, ou os meios para acessá-la, não passa do prólogo de uma farsa ou de uma tragédia, ou talvez de ambas”.
Pelo menos foram quatro as óbvias áreas de preocupação em relação à transparência que o presidente Obama enfrentou quando entrou na Casa Branca.
A primeira delas refere-se ao problema da confidencialidade e, para ser justo, trata-se de um ponto positivo a favor do presidente. Obama revogou uma portaria aprovada em outubro de 2001, de autoria do presidente do Departamento de Justiça de Bush, John D. Ashcroft, que autorizava o governo a manter como confidencial qualquer informação desde que sua divulgação pudesse ser potencialmente prejudicial à segurança nacional. Esse padrão não levava em conta o interesse nacional em preservar um governo aberto e responsável. Governos anteriores haviam adotado uma abordagem mais aberta e sua revogação pelo presidente Obama foi um passo significativo na direção certa.
Privilégio em litígios
Mas sua atitude em relação à proteção de fontes de informação oficiais – outra área preocupante – foi menos louvável. No início de 2009, os representantes do Congresso apresentaram entusiasticamente o projeto da Lei de Aperfeiçoamento à Proteção de Fontes de Informação Oficiais, a qual proporcionava uma proteção considerável a determinadas classes de funcionários do governo encarregadas de divulgar questões de legítimo interesse público aos legisladores e à mídia. Embora, ainda candidato, Obama tenha manifestado apoio a essa lei, seu governo esfriou a ideia e deixou-a morrer na Senado no final de 2010 (o projeto foi reapresentado em abril de 2011). Infelizmente, à medida que surgiam casos de acusações de crime contra fontes de informação oficiais, o governo Obama acompanhou a postura de seu antecessor, reprimindo agressivamente vazamentos não autorizados.
O presidente Obama também acompanhou Bush ao aplicar, com veemência, a doutrina dos segredos de Estado, um princípio do Direito comum criado para permitir ao governo proteger da divulgação informações de segurança nacional, quando em litígio. Embora teoricamente legítima, a doutrina fora invocada de uma maneira sem precedentes pelo governo Bush para bloquear um recurso judicial contra um amplo espectro de práticas questionáveis.
O início do governo Obama trouxe esperanças de que o Congresso aprovaria a Lei de Proteção a Segredos de Estado, de 2009, que limitaria o espectro da doutrina. Na realidade, pouco após o presidente Obama tomar posse, Eric H. Holder Jr., que dirige o Departamento de Justiça, sugeriu que a doutrina só fosse invocada “quando um prejuízo genuíno e significativo à defesa nacional ou às relações exteriores estivesse em questão, e apenas na medida necessária a salvaguardar esses interesses”.
Entretanto, desde então o governo Obama manteve o privilégio em litígios envolvendo questões como o uso extraordinário, por parte da CIA, de entregar presos a países onde a tortura é tolerada, e a prática de escutas telefônicas de cidadãos norte-americanos pela Agência de Segurança Nacional.
“Confie em nós” não é maneira de dirigir a sociedade
E por fim, algumas coisas que aconteceram durante o governo Bush deixaram evidente que havia muito que o Congresso deveria ter criado um privilégio federal para o caso das fontes do jornalista. Quarenta e nove estados e o Distrito de Columbia reconheceram esse privilégio e os representantes do Congresso propuseram a Lei do Fluxo Livre de Informação para reconhecer tal privilégio como lei federal. Se aprovada, a lei permitirá a jornalistas proteger a confidencialidade de suas fontes, a menos que o governo possa provar que a não divulgação da informação era necessária para evitar um significativo prejuízo à segurança nacional.
No que parece ser um tema recorrente, o senador Obama apoiou a Lei do Livre Fluxo de Informação, mas o presidente Obama não o faz. Em 2007, ele foi um dos patrocinadores da da lei original, no Senado, mas em 2009 ele se opôs ao espectro do privilégio pretendido pela lei e solicitou ao Senado que fizesse uma emenda requisitando aos juízes que adiassem a medida e a encaminhassem para avaliação pelas repartições legais do governo. Embora a lei tenha sido aprovada na Câmara na última sessão do Congresso, parou no Senado e agora deverá ser reapresentada.
A postura do governo Obama nesta questão fundamental para a democracia norte-americana ficou, com certeza, aquém das expectativas. Essa é uma lição a tirar do slogan “confie em nós”. Os que estão no poder sempre têm certeza que eles próprios agirão de maneira razoável e resistem a impor limites à sua discrição. O problema é que “confie em nós” não é a maneira de dirigir uma sociedade auto-governada.
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[Geoffrey R. Stone é professor de Direito na Universidade de Chicago e presidente da American Constitution Society]