Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Nossos ídolos já não são os mesmos

Em muitos momentos da história brasileira, o engajamento de artistas das mais variadas áreas (seja através de músicas, peças teatrais, pinturas, charges ou literatura) foi importante mecanismo para levar conscientização política para a população em geral. Durante o regime militar foram notórios os exemplos de nomes como Chico Buarque, Geraldo Vandré e Gonzaguinha que, por meio de suas tácitas composições de protesto, conseguiam ludibriar a censura federal para denunciar as atrocidades cometidas pela ditadura vigente.

Entretanto, na atual onda conservadora que tomou conta de nosso país, que tem a obsessiva e paranoica empreitada pela derrubada da presidenta Dilma Rousseff como seu principal escopo, é possível constatar como a politização que marcava os artistas de outrora cedeu espaço para xingamentos de cunho pessoal, misoginia, preconceito de classe e palavras de baixo calão. Típicos exemplos de dialética erística. Ou seja, atitudes de indivíduos que, na falta de argumentos plausíveis e consistentes, preferem insultar seu adversário com o propósito de vencer uma discussão a qualquer custo. Parafraseando um trecho da clássica composição “Como Nossos Pais”, de autoria do cearense Belchior, podemos dizer que “nossos ídolos já não os mesmos”.

Entre os arquétipos desses “novos artistas engajados” estão os atores globais, que gravam e compartilham nas redes sociais vídeos com discursos vazios, que culpam Dilma e seus eleitores por todas as mazelas existentes no Brasil, os humoristas “politicamente incorretos” (termo eufêmico para designar a disseminação de preconceitos) e os músicos que lideram “coros” e palavras de ordem contra a presidenta em suas apresentações. Evidentemente, este artigo não tem o intuito de defender a gestão petista (fazer campanha contra a onda golpista não quer dizer necessariamente apoiar o governo) ou tampouco questionar o direito de uma figura pública poder manifestar seu posicionamento político (diga-se de passagem, cercear a opinião alheia é mister dos saudosistas de 1964). Todavia, conforme o mencionado anteriormente, o que se pretende aqui é questionar as formas como esses “novos artistas engajados” têm elaborado suas críticas ao governo federal.

A campanha golpista

O último caso de “novo artista engajado” a ganhar repercussão nacional foi protagonizado pelo cantor e ator Fabio Junior durante o evento conhecido como “Brazilian Day”, realizado no último domingo (6/9) em Nova York e transmitido pelo canal Multishow, da Globosat. Enrolado numa bandeira brasileira (só faltou a camisa da CBF para completar o “kit coxinha”), o até então despolitizado Fabio Junior interrompeu a sequência de músicas executadas em seu show para proferir algumas palavras clichês contra Dilma e ironizar o ex-presidente Lula. “Vocês sabem o que está acontecendo no Brasil: desordem e roubalheira. É uma quadrilha. Eu tenho vergonha de ver nossos governantes, todo mundo roubando, todo mundo metendo a mão”, afirmou o músico.

Ao mencionar quem seriam os corruptos do cenário político brasileiro, Fabio Junior citou somente políticos petistas ou da base aliada ao governo (qualquer semelhança com o discurso caricato da mídia hegemônica não é mera coincidência). Como não poderia deixar de ser, o pai de Cléo Pires também atacou o ex-presidente Lula: “Vocês sabem onde está aquele dedinho que o Lula perdeu, né? Onde é que ele enfiou? No nosso. E dói pra caramba!” (para a elite brasileira, ainda é difícil digerir o fato de um ex-metalúrgico, semi-analfabeto e nordestino ter chegado ao cargo máximo da política nacional). Por sua vez, a entusiasmada plateia do “Brazilian Day” puxou um desrespeitoso coro em que mandava a presidenta ir tomar naquele famoso orifício. Não obstante, Felipe Moura Brasil, discípulo de Olavo de Carvalho, escreveu em sua coluna virtual na revista Veja que Fabio Junior protagonizou “um grande momento”.

E assim a campanha golpista – seja através dos “especialistas” midiáticos, dos “revoltados online” ou dos “novos artistas engajados” –, apesar de seus discursos delirantes, vem ganhando cada vez mais consistência e adeptos. Diante dessa realidade, é importante que os setores progressistas de nossa sociedade fiquem atentos para denunciar e impedir qualquer tipo de retrocesso político que possa comprometer a nossa (ainda frágil) democracia.

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Francisco Fernandes Ladeira é especialista em Ciências Humanas: Brasil, Estado e Sociedade pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e professor de Geografia em Barbacena, MG