Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Notas de um linchado

É pérfida e falaciosa a acusação de que este observador é um defensor da mídia. Contraria a sua história profissional, os castigos que sofreu e ainda sofre por parte da mídia (nela compreendida alguns senhores de engenho e respectivos capatazes).

A calúnia contraria a história deste Observatório da Imprensa, criado em 1996 justamente para discutir a mídia e que desde então jamais deixou de fazê-lo – convertendo-se num paradigma, instituição ímpar na América Latina [ver "Um panorama da observação crítica da mídia"].

Este observador não defende a mídia. Defende a Imprensa, defende o Jornalismo. Defende a consciência e a integridade profissional como recursos contra a preguiça de ser e de pensar. Este observador defende a imperiosa necessidade da diversidade. Este observador está comprometido com o pluralismo. Por isso, combate os linchamentos midiáticos sejam eles perpetrados pelo patronato, por governos, partidos, lobbies e respectivos asseclas.

Este observador não tem medo de enfrentar o tribalismo, o canibalismo e a antropofagia por mais entranhados que estejam nos hábitos e costumes. Este observador jamais se intimidou perante os poderosos e os fariseus, por isso não vai se intimidar diante da multidão de desavisados que necessitam de palavras de ordem para a sua pobre gangorra existencial: viver e bater, afirmar-se e malhar, existir e destruir, de preferência aquele que ousa diferenciar-se.

Habilidade política

Como todos os produtos fabricados nas usinas de falsificação da verdade – encarnadas modernamente por Joseph Goebbels, Josef Stalin e no passado pela Inquisição – a balela de que este observador é um "defensor da mídia" é uma deturpação grosseira, bárbara e criminosa de tudo o que escreveu neste Observatório da Imprensa ao longo de uma década.

A intransigente defesa do candidato Lula em 1998 contra os dossiês que colocavam em dúvida a lisura da compra do seu apartamento não foi casual [ver "Baixaria eleitoral: mídia cabocla sofre do Complexo Lewinsky" e "Cobertura eleitoral lembra Farra da Copa" (rolar a página)]. Naquela altura, o abjeto denuncismo marrom já tinha endereço, estilo, nome. Naquele complô o "jornalismo fiteiro" já estava plenamente instalado nos porões do nosso jornalismo investigativo. O comportamento deste Observatório não poderia ser diferente: embora plural e diversificado, ele tem memória e tem coerência – não pode fugir dos compromissos que nortearam a sua criação e garantiram a sua sobrevivência.

No lugar da etiquetagem simplista e dos estigmas raivosos, sugere-se um exame dos textos deste observador desde o dia seguinte à eleição de Lula em 2002 [ver as edições nº 195 e nº 196; para a demais, clique em Edições Anteriores]. Naquelas eleições, a imprensa comportou-se geralmente com correção porque sentia-se observada – observada pela sociedade, observada por aqueles que avaliam a imprensa sem vieses e maneirismos ideológicos [ver "Apesar dos avanços, velhos cochilos", "As mudanças também passam pela mídia" e "Censura em gotas disfarça e agrada"].

O mesmo aconteceria em 2006 não fosse a desastrada estratégia de levar a mídia para os palanques e criminalizá-la preventivamente como forma de mantê-la na defensiva, esquecida do Waldomirogate, do Valeriogate e demais gates.

Em condições normais, a estratégia de defender-se atacando seria legítima, mesmo adotada por um candidato do governo. Acontece que o candidato do governo, no caso, era também o presidente da República – e em sua boca um corriqueiro exercício de media criticism soa inevitavelmente como ameaça. Isso não poderia deixar de ser observado e registrado. Até para persuadir eventuais "aloprados" a abrir mão dos "resíduos de autoritarismo" (palavras usadas pelo presidente Lula e pelo ministro Tarso Genro).

O Dossiê Vedoin, orquestrado para explodir pouco antes do primeiro turno e evitar o segundo, não foi um tiro no pé. Foi um tiro no peito. Só não foi fatal porque Deus é brasileiro e o candidato-presidente tem PhD em habilidade política.

A imprensa não poderia deixar de consignar o volumoso noticiário relacionado com as providências policiais relativas ao inédito episódio. Estaria prevaricando se o enrustisse ou engavetasse. Os colaboradores e leitores do Observatório da Imprensa não perdoariam eventual complacência e omissão. Seríamos chamados imediatamente de "jornalistas chapa-branca".

Complicado demais

É evidente que o noticiário sobre o Dossiê Vedoin foi negativo para o candidato do governo. Não poderia ser diferente. Mas, ao contabilizar dados sobre matérias favoráveis ou desfavoráveis aos candidatos, os observatórios especializados em avaliações quantitativas do desempenho da mídia deveriam estar atentos às diferentes naturezas do material observado: a cobertura sobre a campanha e as posições de um candidato deveria estar separada da cobertura relativa a um episódio paralelo (e pelo qual o candidato não tem culpa formada). Colocar tudo no mesmo saco numerológico é uma forma científica de distorcer resultados, comprovar uma conspiração da mídia e passar ao largo da verdade.

Quem defendeu os trambiques da mídia no caso Vedoin não foi este observador, mas os que agora tentam linchá-lo. Se existe um veículo jornalístico efetivamente incriminado no episódio, este veículo chama-se IstoÉ. Sua disponibilidade para acolher e divulgar trapaças foi determinante para que os fraudadores se animassem a publicá-las. A grande mídia poupou o semanário, já a mídia engajada ostensivamente ignorou a sua cumplicidade no ilícito. Num caso tratou-se de solidariedade corporativa e, no outro, de solidariedade consangüínea.

Este observador tem sido o único a perseverar na reclamação contra o sigilo que a mídia oferece aos produtores de fitas & dossiês clandestinos. A proteção do anonimato só estimula a arapongagem e as conspirações. Uma coisa é proteger a fonte de uma investigação jornalística autêntica, outra é encobrir um contrabando informativo produzido por interesses não-jornalísticos.

Coerente com o princípio, este observador foi o primeiro a reclamar contra a omissão do nome do delegado Edmilson Bruno como origem das fotos da dinheirama apreendida pela PF para pagar pelo Dossiê Vedoin. As fotos apareceram nos telejornais na noite de sexta-feria (29/9) e nos jornais da manhã seguinte (30/9). No domingo, 1/10, este observador registrava a sua opinião de forma contundente e reprovava a omissão do nome do responsável pela distribuição das fotos [ver "Cinco questões-chave sobre as fotos do dinheiro"].

Sim, esta reprovação pode ser entendida como uma "defesa da mídia". Mas reflexões como essas são complicadas demais para serem processadas pela mente inflamada de um linchador.