Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Nova proposta, com sinal trocado

Por causa de uma letra a menos, e uma a mais, faltou tudo e a proposta de formar um Conselho de Jornalismo virou essa baderna. A letra P entre o C e o J com certeza mudaria todo o quadro e os indignados seriam outros.

Em vez de Conselho Federal de Jornalismo (CFJ), o CPJ (Conselho de Proteção ao Jornalismo), em primeiro lugar, deixaria muito claras para a sociedade as diferenças entre os comunicadores sociais: assessores de imprensa, jornalistas, publicitários e relações públicas – que têm funções, propósitos, deveres e direitos diferentes. Ou deveriam. Por isso, uma primeira contribuição a uma eventual regulamentação do CPJ.

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Art 1º – Um jornalista não pode, em qualquer instância, ser pautado pelo setor comercial, por razões quaisquer que não as de informar com o maior número possível de vertentes, a verdade dos fatos. A venda de um anúncio para uma multinacional produtora de fungicidas, por exemplo, não deve repercutir numa reportagem sobre o uso de fungicidas, ficando o repórter livre para aprofundar-se em entrevistas que destrinchem todo o possível e o não-revelado pela assessoria de imprensa da multinacional, que naturalmente trabalhou a favor da imagem da empresa e do produto, enaltecendo suas qualidades. Será considerado incompetente o repórter que não apurar os outros lados da questão e corrupto o editor que cortar informações para quebrar um galho do diretor de márquetim, do diretor do jornal ou do dono da empresa.

Art 2º – Por melhor que seja em termos econômicos ou de ibope, pré-avaliados pelo departamento de márquetim, nenhum jornalista deve sofrer coação ou qualquer tipo de pressão para fazer especiais, boletos, notas ou matérias que promovam esse ou aquele anunciante, seus produtos e idéias por meio de textos jornalísticos, salvo com o grifo em garrafais de informe publicitário ou semelhantes.

Art 3º – Pesquisas de campo, de mercado e de público não devem pautar notícias ou programas de rádio e televisão. O espaço para induzir a compra de produtos, melhorar a imagem de uma empresa ou de uma pessoa fica restrito ao universo da publicidade, do márquetim, dos assessores de imprensa e dos relações públicas, todos profissionais da comunicação que não têm compromisso com a notícia e a veracidade dos fatos.

Art 4º – Mais do que responder às seis questões básicas criadas pelos primos do Norte, todo jornalista deve ouvir mais do que duas partes, estudar mais do que duas horas para cada matéria, procurando usar o maior instrumento da verdade jornalística: a entrevista cara-a-cara, deixando o uso do telefone ou correio eletrônico para exceções.

Art 5º – Todos os editores, de todas as editorias, devem enviar à rua, diariamente, pelo menos um repórter não-pautado por assessorias ou jabás, para que traga uma notícia quente, achada por ele mesmo.

Art 6º – As fontes devem sofrer reciclagem constante, pelo menos a ponto de não deixar os leitores entediados por ouvirem as mesmas declarações do mesmo padre, mesmo rabino, mesmo médico, mesmo bancário, o psicanalista de sempre etc. Repórteres e editores devem passar por experiências nas várias editorias, sendo desaconselhado que permaneçam mais do que cinco anos na mesma função do mesmo veículo.

Art 7º – Programas infantis e desenhos animados não devem conter cenas de violência, em nenhuma hipótese devem incitar a qualquer tipo de preconceito e será multada a rede de televisão que veicular comportamentos que induzam a precocidade da sexualização na criança. Programas infantis devem ser prioritariamente educativos, inclusive com tarjas que avisem aos pais qual a idade ideal para o programa, quanto tempo é aconselhável e quanto tempo passa a ser nocivo para olhos, ouvidos e coluna ficar em frente à televisão.

Art 8º – Programas para adolescentes devem ser modernos e falar abertamente sobre drogas e sexo, sem apologia e sem hipocrisia, com o máximo de transparência, dando informações que levem os jovens a pensar, a refletir sobre a droga, as armas e o sistema político e econômico mundial. O sexo entre adolescentes deve ser encarado como um comportamento normal pelos meios de comunicação. O uso de preservativos deve ser estimulado de maneira prática com textos e imagens, enquanto os efeitos da pílula no corpo feminino que está começando o processo de ovulação devem ser divulgados sem levar em consideração os problemas econômicos que os laboratórios possam ter com uma eventual e esperada diminuição da venda do medicamento, que unicamente impede gravidez mas expõe os jovens a DSTs.

Art 9º – Os noticiários de televisão não devem ir ao ar no mesmo horário, devendo as redes sortear horários e alternar a grade de programação do horário a cada dois meses, de maneira que todos passem pelo horário nobre, o que evitará que os telespectadores fiquem presos, por hábito, ao mesmo telejornal.

Art 10º – Os correspondentes internacionais devem viajar pela Europa, se sediados na Europa, devem viajar pela Ásia, quando sediados na Ásia, e sempre enviar informações quentes, encontradas por eles mesmos, e não garimpadas nas agências de notícias ou unicamente em fontes oficiais. Uma guerra nunca deverá ser noticiada somente pelo lado dos vitoriosos, dos mais ricos. As fontes, como sociólogos, filósofos e outros acadêmicos que escrevem artigos ou dão entrevistas devem ser garimpadas de maneira multilateral e sem privilégios. Notícias científicas e principalmente divulgação de pesquisas devem citar a fonte e também a ligação da fonte de pesquisa com o resultado da pesquisa. Questões como ‘por que ainda não inventaram a vacina anticárie’ devem ser mais freqüentes quando o entrevistado for um pesquisador da odontologia, por exemplo.

Art 11º – Todo repórter, de qualquer área, mesmo a política e a econômica, deve escutar, além das fontes oficiais de sempre, as pessoas na rua com formações variadas e os órgãos não-governamentais e não-oficiais que contam com o respeito e o respaldo público.

Art 12º – Referências históricas devem ser acompanhadas de associações com a história atual, facilitando a compreensão das pessoas que não tiveram acesso aos estudos. O jornalismo do novo século, além de não se comprometer com as jogadas comerciais, publicitárias e empresariais, precisa revitalizar o que tirou dos seus leitores, ouvintes e telespectadores: a capacidade crítico-reflexiva e o interesse pela informação genuína. Para isso deve inverter a banalização do conteúdo por onde enveredou nos últimos anos, investindo maciçamente na qualidade da informação por meio de uma linguagem clara, objetiva e agradável.

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Jornalista, Florianópolis