Desde o início, a convocação e a organização da 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom) foram marcados mais por disputas sobre a regulamentação do processo do que por debates de propostas. A primeira plenária da etapa nacional seguiu na mesma toada. O regimento interno da etapa nacional da 1ª Confecom foi aprovado com quase 24 horas de atraso, em boa medida por conta da polêmica proposta de exigência de quórum qualificado para os chamados ‘temas sensíveis’ também na votação de propostas nos Grupos de Trabalho (GTs).
Os GTs são responsáveis por fechar as propostas que irão a plenário. Poucas horas antes do início da Confecom, a Comissão Organizadora Nacional (CON) modificou sua proposta de regimento interno da etapa. Além de estipular que uma proposta será automaticamente aprovada se obtiver 80% de aprovação nos grupos, e aquelas com mais de 30% seriam levadas a plenário, a CON – por pressão do empresariado – apresentou um regimento que previa a exigência de quórum qualificado de 60% para propostas sobre ‘temas sensíveis’.
De acordo com o regulamento da Confecom, uma proposta é transformada em ‘tema sensível’ quando houver pedido de quórum qualificado por 50% dos delegados de um setor da Confecom (empresários, não-empresários ou setor público). Esta medida foi estipulada pela Comissão Organizadora após ameaças do empresariado de deixar o processo.
Uma contra a outra
A discussão sobre o quórum qualificado surgiu no momento em que foi preciso definir como cada GT irá escolher as propostas que obtiverem entre 30% e 80% de aprovação – e que irão a plenário, já que haveria uma limitação no número de propostas por grupo. Parte das organizações e movimentos sociais defendeu que o critério para definir a priorização das propostas era a maioria simples. Os empresários, por meio da Associação Brasileira de Radiodifusores (Abra), defenderam que se aplicasse também a regra dos ‘temas sensíveis’. A proposta empresarial foi apoiada por entidades não-empresariais, como a Federação Nacional dos Jornalistas e as centrais sindicais.
Diante de um acirrado debate, em que outras organizações e movimentos defendiam a maioria simples como critério mais democrático e pediam que a plenária pudesse rever os critérios impostos pelo regimento da Confecom, um grupo de pequenos empresários e outras entidades da sociedade civil apresentou uma proposta de acordo: cada GT poderia enviar não sete propostas (como havia sido aprovado anteriormente, em outro intenso debate), mas dez, sendo quatro do setor empresarial, quatro do setor não-empresarial e duas do poder público.
Houve manifestações no plenário contra e a favor da proposta de acordo. Para os delegados contrários, o ‘acordão’ feriria de morte o poder de os GTs debaterem as propostas e iria contra o critério historicamente constituído como o mais democrático. Para os a favor, isso permitiria que fosse mantido o equilíbrio entre os diversos setores na configuração final das propostas que irão à votação na plenária final. Nesta plenária, as propostas vindas dos GTs só podem ser aprovadas ou rejeitadas, não podendo haver revisões.
Após uma sucessão de falas e discussões sobre o encaminhamento, a mesa que dirigia a plenária – formada por Marcelo Bechara (Ministério das Comunicações), Berenice Mendes (Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação) e César Rômulo (Telebrasil) – realizou a votação de uma proposta contra a outra: ou os 50% +1, ou o acordo sobre as dez propostas. Por contraste visual, venceu o acordo.
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GTs iniciam trabalhos; propostas importantes já foram aprovadas
Divididos em 15 grupos de trabalho, os delegados da 1ª Conferência Nacional de Comunicação começaram a apreciar as mais de 6 mil propostas que chegaram das etapas estaduais. Na terça-feira (15/12), os GTs dedicaram-se à leitura das proposições e o registro das discordâncias em relação às redações ou ao teor das propostas – os chamados destaques. As propostas que não receberam destaques nos grupos são consideradas aprovadas pela Confecom.
Foram poucas as propostas aprovadas por consenso. Em muitos GTs, apenas propostas de caráter genérico ou que inspiram princípios – como ‘respeito à diversidade étnico-racial’ – passaram sem destaques.
Em alguns grupos, o número de propostas a serem avaliadas na quarta-feira (16) chega perto de 100. Tudo indica que o trabalho será longo e difícil. Primeiro, os delegados terão de fazer esforço para dar conta do debate de todos os destaques no tempo previsto. Segundo, o número altíssimo de propostas sem consenso e a imposição do regimento interno de que cada GT poderá enviar apenas 10 propostas, divididas entre os diferentes setores, para a votação na plenária final, coloca aos grupos a necessidade de discutir a fundo a priorização das propostas.
Direitos humanos
Nos grupos ligados ao eixo ‘Produção de Conteúdo’, pôde-se perceber uma postura clara por parte do setor empresarial: toda proposta que toque no assunto da fiscalização ou do estabelecimento de mecanismos de controle público ou conselhos foi destacada.
No eixo ‘Meios de Distribuição’, o que se viu foi um alto grau de tensionamento e divisão entre os delegados e setores. Em um dos grupos de trabalho, a divisão ficou por conta principalmente dos temas relacionados à publicidade, financiamento de veículos públicos e comunitários e a tributação do setor privado das comunicações.
No GT 14, ligado ao eixo ‘Cidadania: Direito e Deveres’ e que reuniu proposições sobre inclusão digital, inclusão social, direito de resposta e acessibilidade nos meios de comunicação, também houve poucas propostas aprovadas por consenso. Em geral, os empresários apresentaram destaques em quase todas as propostas.
No entanto, já foram aprovadas algumas questões importantes. A redução do tempo de usufruto dos direitos autorais, por exemplo, bem como o estímulo à indústria do software e tecnologias de informação baseadas em plataformas livres. Várias propostas prevendo a veiculação ou o fomento à produção de conteúdos que promovam os direitos humanos e o respeito às minorias também foram aprovadas, embora todas tenham caráter genérico e inspirem a discussão sobre como estas propostas poderão ser transformadas em políticas públicas de fato.
Direito à comunicação
Também foi aprovada a proposta de criação de uma comissão que atue sobre as violações aos direitos humanos ligada a um futuro Conselho Nacional de Comunicação. Passou também a extensão da classificação indicativa com vinculação de horário à programação da TV paga e do rádio.
Em outro GT, a neutralidade das redes foi aprovada. A restrição de que um mesmo grupo controle mais do que 25% da grade de programação dos conteúdos distribuídos em qualquer plataforma também passou sem destaques em um dos grupos.
Foi também aprovada uma definição do que é o direito à comunicação e sua inclusão na Constituição Federal. (C.C.)