Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

O ano que mal começa

Foi desastrosa e reveladora a declaração do líder cubano Raúl Castro aos repórteres que acompanham o presidente Lula a Cuba. Embora a greve de fome que levou à morte do dissidente Orlando Zapata tivesse começado há 85 dias, e o seu estado de saúde tivesse se agravado há 10 dias, o sucessor de Fidel não esperava que o desenlace pudesse coincidir com a vista do presidente brasileiro acompanhado por uma comitiva de jornalistas de Brasília.


Geralmente tranqüilo, desta vez Raúl Castro parecia nervoso e estressado. Nem esperou pelas perguntas, foi logo falando e meteu os pés pelas mãos.


Culpou o embargo imposto pelos Estados Unidos, esquecido de que dias antes haviam começado as negociações diretas entre os dois países. E sequer recorreu ao bordão de que Cuba goza de ampla liberdade; ao contrário, admitiu claramente a censura ao afirmar que ‘aqui não há máxima liberdade de expressão, mas se os Estados Unidos nos deixarem em paz, poderá haver’.


E não contente investiu indiretamente contra os jornais ali representados condenando aquela imprensa que ‘só publica o que os donos querem’.


Ano novo


O presidente Lula é um sortudo e, além disso, sabe melhor do que ninguém como reverter uma situação incômoda. Desta vez, também ele foi envolvido pela maré negativa produzida pela morte do dissidente cubano.


Prova disso foi o áspero editorial publicado na quinta-feira (25/2) pelo importante diário espanhol El País criticando nosso governo pela condescendência com que trata o regime cubano, principalmente na área dos direitos humanos. O jornal acrescenta que o episódio representa um teste decisivo para o presidente brasileiro.


Se o ano no Brasil só começa depois do carnaval, este 2010 anuncia-se cheio de surpresas.


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Raúl Castro admite que não há plena liberdade de expressão em Cuba


Emerson Penha, de Porto Mariel (Cuba) # Agência Brasil, 24/2/2010


O presidente cubano, Raúl Castro, admitiu que não há plena liberdade de imprensa no país, ao comentar a morte do pedreiro e dissidente político Orlando Zapata, preso há sete anos e que estava em greve de fome, desde dezembro, em protesto por sua detenção. A fala de Castro ocorreu ao final da solenidade de visita às obras do Porto Mariel, em companhia do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.


Quando Lula e Castro visitavam o lugar, onde o porto está sendo construído, os jornalistas brasileiros pediram para falar com Lula. Em vez disso, foi Castro quem se aproximou e falou. Começou perguntando o que os jornalistas achavam do ‘inverno’ em Cuba, entre outras amenidades.


Os jornalistas disseram que queriam falar com ele. Castro disse: ‘Posso imaginar. Vocês querem perguntar sobre o preso que morreu. Nós o levamos a vários hospitais, aos melhores. Mas, lamentavelmente, ele morreu. Aqui em Cuba não se tortura ninguém’.


Um jornalista disse: ‘Não é o que dizem os organismos de direitos humanos’.


Castro respondeu: ‘Porque são como a imprensa. Desde que Gutenberg inventou a imprensa, publica-se o que querem os patrões’.


Outro jornalista questionou: ‘Colegas cubanos não estão aqui’.


Castro, sem tomar conhecimento, continuou: ‘Reconheço que aqui em Cuba não temos plena liberdade de expressão. Mas, se os Estados Unidos nos deixassem em paz, se nos deixassem seguir com nosso desenvolvimento, isso poderia mudar’.


A rápida entrevista do líder cubano ocorreu durante uma visita às obras do novo porto, a 50 quilômetros de Havana, capital cubana. A obra será executada pela construtora Odebrecht, ao custo estimado de US$ 800 milhões. Deste total, cerca de US$ 500 milhões serão financiados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).