Ainda que haja uma quantidade monstruosa de comentadores das eleições, senti também a necessidade de adentrar este universo particular. Não me coloco (nem almejo ser de fato) como cientista político e não farei uma análise termo a termo das candidaturas. Tampouco cometerei o absurdo e deliberadamente mal intencionado hábito de reduzir tal acontecimento à ‘disputa entre duas candidaturas, mais um ou dois que correm por fora’, reproduzindo com maestria os anseios ideológicos do pensamento único.
Surpreende-me como todos os anos em que temos eleições as pessoas se incomodem com a presença de certas excentricidades entre os candidatos. Aos que têm acompanhado as eleições paulistanas – de que falarei aqui, mas poderia ser qualquer estado brasileiro – também não é novidade. A grande vedete por aqui é a candidatura do humorista Tiririca, pior do que tá não fica! Ops! Perdão, é que o slogan pega mesmo…
Não me ocuparei em desqualificar a candidatura do astro do humor, o ‘Tiririca da televisão’, e tampouco irei lamentar, como é comum ouvir entre os paulistanos, uma possível (ou provável) vitória sua nas urnas – a frase mais repetida a esse respeito é ‘Pior é que ele vai ganhar!’ Pensando sobre o que faz com que figuras como Frank Aguiar, Aguinaldo Timóteo e Tiririca, entre outros, se candidatem e vençam o pleito eleitoral, quero registrar aqui uma análise sumária do que representam tais candidaturas, tidas como bizarras, estúpidas, engraçadas, que denigrem a política brasileira, entre tantas qualificações possíveis de serem lidas.
Resistência de classe
Antes de mais nada, é preciso ter em mente que: 1) vivemos numa sociedade de classes, a despeito do desejo da classe dominante ou de seus defensores; 2) o processo eleitoral para o Estado burguês não permite que se vá de encontro, deliberadamente, ao modus operandi da eleição burguesa; e, por fim, 3) em uma tal sociedade de classes, a classe dominante não pode suprimir em definitivo a classe dominada, que lhe é antagônica e, por isso, sempre encontra formas de resistência – bem como de expressar essa resistência.
A vitória de tais candidaturas, portanto, representa o avesso da eleição burguesa. Uma evidência da contradição e da resistência de classe. Na falta de um projeto com o qual a classe dominada se identifique (não por falta de existir um projeto dessa natureza, mas principalmente porque não consegue ‘ler’ o projeto que existe – o que não quer dizer que o problema seja das pessoas, pode ser pela complexidade do próprio projeto e, principalmente, pelo estágio da conjuntura sócio-histórica em que esse ‘eleitorado’ se encontra), ela demonstra assim sua forma de resistência e acaba por eleger um ícone midiático que não representa, aparentemente, projeto nenhum. Quem é mesmo que vai votar no Tiririca? Certamente não são os mesmos que o mantêm como produto da indústria cultural – estes têm interesses e candidaturas próprias… Daí que podemos retomar e reduzir essa análise ao slogan de campanha do humorista. Pior do que está, não fica!
Quando não reproduzidas pelo senso comum, o esforço em desqualificar os candidatos excêntricos revela ainda uma das farsas da eleição – melhor dizendo, da sociedade burguesa. Supostamente, pelo ideário burguês, todos são iguais em direito e presumidamente legítimos para se candidatar e representar o povo num mandato público. Não é o que tais esforços evidenciam. Na sociedade burguesa não há iguais, nem em direito, nem em legitimidade e é isso que precisa ser reproduzido, sob o manto de uma falsa igualdade.
Ainda assim, para que fique claro, retraçar a resistência da classe dominada a partir da eleição de tais excentricidades não significa, em momento algum, que tais candidaturas representem os anseios desta classe. Antes e essencialmente elas representam o jogo eleitoral burguês, com suas engrenagens típicas para fazer dominante um projeto de classe, não uma persona qualquer. Mas insisto: são a expressão mais sobrelevada dessa resistência.
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Jornalista e coordenador-geral da Associação dos Trabalhadores do Instituto Zumbi dos Palmares