Uma onda de terror tomou conta do Rio de Janeiro a partir de uma série de ataques de traficantes de drogas iniciada no domingo (21/11). Mais de cem carros, ônibus e vans foram incendiados por todo o estado e três cabines da Polícia Militar, destruídas. De acordo com a Secretaria de Segurança Pública do estado, os ataques seriam uma reação do crime organizado à implantação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) em comunidades dominadas pelo tráfico de drogas. Desde que a primeira UPP começou a funcionar, há dois anos, |
forte impacto econômico. Na quinta-feira (25/11), em ação coordenada entre as
polícias civil e militar – com apoio da Marinha e do Exército – que reuniu 2.600
agentes, as forças de segurança invadiram a Vila Cruzeiro, no conjunto de
favelas da Penha, na Zona Norte do Rio de Janeiro, refúgio de uma importante
facção.
Transmitida ao vivo para todo o Brasil por canais de televisão, a ação
resultou na fuga de cerca de duzentos criminosos para a comunidade vizinha, o
Complexo do Alemão. No domingo (28/11), após tentar a rendição dos traficantes,
a polícia invadiu a comunidade, uma das mais violentas do Rio, e livrou os
moradores de três décadas de domínio do crime organizado. A maior parte dos
bandidos ainda não foi encontrada. O Observatório da Imprensa exibido ao
vivo pela TV Brasil na terça-feira (30/11) analisou a cobertura da mídia nestes
episódios. Ator de peso no desenrolar dos fatos, a imprensa foi transformada em
veículo tanto para os criminosos que pretendiam dar visibilidade aos ataques,
quanto para a polícia, que a utilizou para divulgar suas ações e até para
transmitir um ultimato para que os traficantes se rendessem.
Alberto Dines recebeu três convidados no estúdio do programa, no Rio de
Janeiro: os jornalistas Paulo Motta e Alexandre Freeland e a antropóloga
Jaqueline Muniz. Paulo Motta é editor da editoria Rio do jornal O Globo,
onde também foi editor de Política. No Jornal do Brasil, foi editor de
Cidade, trabalhou na editoria Geral, especializou-se em Meio Ambiente e Ciência
e na área nuclear. Freeland é diretor de Redação do jornal O Dia, onde
trabalha há 15 anos. Também dirige o jornal Meia Hora e o periódico
esportivo Marca Brasil, do mesmo grupo. Jacqueline Muniz é doutora em
Ciência Política, professora da Universidade Católica de Brasília (UCB) e do
programa de mestrado em Direito da Universidade Cândido Mendes (UCAM). Participa
do Grupo de Estudos Estratégicos da UFRJ, é sócia fundadora da Rede de Policiais
e Sociedade Civil da América Latina e integrante-conselheira do Fórum Brasileiro
de Segurança Pública.
Mídia como espelho
Antes do debate no estúdio, na coluna ‘A Mídia na Semana’, Dines comentou o
vazamento de documentos diplomáticos secretos pelo site WikiLeaks e ponderou que
jornalismo é mais do que simplesmente divulgar dados sigilosos. Em seguida, em
editorial sobre a cobertura da violência no Rio [íntegra abaixo],
destacou que críticos de mídia observaram um tom triunfalista e oficialista no
trabalho da imprensa neste episódio, mas que isso pode ser reflexo da opinião da
sociedade. ‘Convém não esquecer que o Estado brasileiro vem sendo derrotado há
pelo menos três décadas pelas facções criminosas e, no momento que se dá uma
espetacular reversão, é natural que o cidadão e aqueles que o servem no campo
informativo comemorem’, disse.
A reportagem apresentada pelo Observatório ouviu a opinião do
economista Sérgio Besserman sobre a transmissão ao vivo pela TV da invasão da
Vila Cruzeiro pela polícia e da fuga dos bandidos para o Complexo do Alemão.
Para Besserman, a cobertura ao vivo dos eventos tem dois aspectos importantes.
‘Por um lado, atrapalha as operações das forças de autoridade porque revela o
que está acontecendo. Todo o mundo vê: o público e também os bandidos. De outro
lado, ela assegura que as regras da batalha sejam respeitadas’, disse. A mídia,
na opinião do economista, deveria cobrir os atos terroristas ocorridos no Rio de
Janeiro não apenas do ponto de vista da política de segurança pública, mas
também como um dos vetores que podem afetar a democracia brasileira, como está
ocorrendo no México.
Com a intensificação dos ataques criminosos, a boataria invadiu a cidade. Nas
ruas, multiplicavam-se as informações de novos ataques mesmo antes da
confirmação oficial. A situação foi agravada pelo intenso uso das redes sociais.
Ao perceber a situação, o jornal carioca Extra montou a central ‘É boato
ou é verdade?’ para esclarecer com as autoridades as dúvidas da população. ‘O
Extra começou a sentir que tinha de filtrar isso, prestar um serviço à
população, que é uma função da imprensa também. Nesses momentos de crise, a
gente sabe que as pessoas se guiam pelo o que está saindo nos jornais, no site,
na TV e também pelo o que está sendo dito na rua, pelos colegas de trabalho’,
disse Giampaolo Braga, editor-assistente do jornal. O cidadão encaminhava sua
dúvida e o esclarecimento era prestado pelo o site, pelo rádio e pelo twitter
(ver, neste Observatório, ‘Extra ensina a usar redes em crises‘.
Novos protagonistas
No debate no estúdio, Alexandre Freeland argumentou que a cobertura da
imprensa não foi sensacionalista. ‘Os jornais locais estavam antecipando um
movimento que já estava acontecendo. Era, literalmente, a temperatura da cidade
em alguns casos’, disse. O diferencial dessa cobertura, na opinião do editor de
O Dia , é que os protagonistas deixaram de ser os bandidos e passaram a ser
os policiais, desta vez humanizados, e o cidadão, que adotou uma postura de
colaboração com as autoridades para acabar com a ‘ditadura que se via nas
favelas’. ‘O saldo é muito positivo. Esse movimento todo é um marco não só na
questão da segurança pública, mas também na forma como se cobre segurança
pública no Rio de Janeiro’, avaliou.
Para Freeland, é preciso observar a cobertura dos jornais populares, uma das
principais fontes de informação das comunidades carentes. ‘A imprensa popular
também é uma imprensa cidadã’, destacou. O Meia Hora, um dos impressos do
grupo O Dia, publicou na capa fotografias dos criminosos fugitivos e o
número do Disque-Denúncia. ‘Nós tivemos a informação hoje de que o jornal foi
afixado em postes, em locais de públicos de grande acesso e se transformou em
uma espécie de cartaz do Disque Denúncia’. Usando o tom e o linguajar
ultrapopulares, o jornal manteve uma postura cidadã.
Dines observou que a imprensa paulista – que classificou o trabalho da mídia
carioca como triunfalista e oficialista – tradicionalmente não cobre a área de
segurança pública. Paulo Motta comentou que pesquisas apontam que os jornais
paulistas, proporcionalmente, publicam com mais destaque as notícias de
violência do Rio e relembrou o caso dos ataques orquestrados pela facção
criminosa chamada PCC, ocorridos em São Paulo em 2006. ‘A imprensa de São Paulo
deveria tentar explicar como cobriu aquela mortandade, 500 mortos em uma noite,
nos ataques do PCC. Acho que eles foram derrotistas’, disse. O editor chamou a
atenção para o fato de que O Globo não publica apenas notícias isoladas
sobre violência na cidade, mas também dedica-se à política de segurança. ‘Pode
ter havido até algum triunfalismo, mas o jornalista também é humano. Os jornais
refletem a cidade no sentido de que este é um momento diferente’, disse.
Fato novo na imprensa
Motta destacou que a ocupação das duas comunidades deve ser comemorada. A
participação popular neste caso foi inédita porque, em geral, em situações
extremas de violência o medo de se expor nas comunidades dominadas é muito
grande. ‘Os jornais quality paper têm um papel importante nisso e eu acho
que os jornais populares, o Meia Hora, o Extra, todos os jornais –
aqui, sem concorrência – têm um papel fundamental na sociedade carioca de falar
cada um ao seu público. A imprensa também tem que ser criticada. A gente não é
onipresente, a gente erra o tempo inteiro, mas eu fico com um pouco de medo
dessa síndrome da Geni: ‘Tudo é culpa da imprensa’. No caso dos ataques, começou
aquela história de que não se deve noticiar o ataque para não estimular. Se você
não noticiar o ataque vai ser acusado de censurar e não dar informação para a
população. Então, a nossa posição é muito delicada’, disse Paulo Motta.
Alexandre Freeland completou: ‘Não informar é inconcebível. A dimensão e a dose
a gente pode discutir’.
Jaqueline Muniz contou que nos períodos em que ocupou cargos públicos na área
de gestão da segurança defendeu a adoção de uma política de comunicação social e
a profissionalização dos atores do Estado na relação com a mídia. ‘Não se
sustenta política de segurança sem os meios de comunicação como modo de acesso e
prestação de contas à população. E isso foi um fato diferenciador nesta ocupação
no Alemão’, ressaltou. A prestação de contas e o acesso à informação pontual,
diária e direta produziram previsibilidade e regularidade diante do ato de
terror, possibilitando a redução da resistência social à ação da polícia. ‘É
claro que a cobertura da imprensa, seja televisiva, da mídia social ou impressa,
tem efeitos diferenciados. Sobre o planejamento operacional de polícia, o efeito
é muito pequeno e deve continuar pequeno porque você não altera o planejamento
em tempo real em função de notícia’, explicou. Já do ponto de vista da
população, a antropóloga avalia que o acesso à informação é fundamental. ‘A
desinformação é má conselheira, é fonte do medo’.
Paulo Motta explicou que no jornal O Globo há a orientação de que a
segurança do repórter está em primeiro lugar. Os profissionais são conscientes
de que não devem se arriscar.’Eu dei esta orientação lá no Alemão quando a
polícia entrou e abriu-se um vácuo. ‘Vamos subir? Não vamos subir?’ Eu disse
‘Não, não sobe’. Mas não deu para segurar. Quando eu vi, eles já estavam todos
lá em cima’, contou. Com a experiência de anos de reportagem de rua, Motta
comentou: ‘A gente perde a noção do perigo e isso não é bom porque eu prefiro um
repórter vivo para contar a notícia do que um repórter imprudente. Mas eu acho
que nesse caso do Alemão não houve imprudência. Houve segurança para subir’.
Freeland homenageou os profissionais que participaram dessa cobertura. ‘O
repórter se sentiu como um correspondente de guerra mas, mais do que contar a
história dos blindados, ele estava ali para contar a história das pessoas, a
história do morador. É isto que faz a diferença’, disse.
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Violência no Rio
Alberto Dines # editorial do Observatório da Imprensa na
TV nº 574, exibido em 30/11/2010
Bem-vindos ao Observatório da Imprensa.
A dinâmica da comunicação muda rapidamente o foco do debate: na semana
passada os protagonistas eram os bandidos que ameaçavam a cidade, depois
irrompeu em cena o Estado brasileiro numa inédita ação para desbaratar o poder
do narcotráfico. Agora, quem está na berlinda é a mídia que, segundo os críticos
(sobretudo os paulistas), cobriu a operação policial-militar num estilo
triunfalista e oficialista.
A controvérsia é legítima mas está mal colocada, melhor seria perguntar às
comunidades liberadas e à população do Rio como avaliam o desempenho das
autoridades. Se a resposta for positiva e se a população mostrar-se aliviada –
todos os indícios apontam nesta direção – o triunfalismo da mídia seria apenas
um reflexo do estado de espírito daqueles a quem é dirigido o noticiário.
Convém não esquecer que o Estado brasileiro vem sendo derrotado há pelo menos
três décadas pelas facções criminosas e, no momento que se dá uma espetacular
reversão, é natural que o cidadão e aqueles que o servem no campo informativo
comemorem.
Todos sabem que as vitórias dos últimos dias na Vila Cruzeiro e no Complexo
do Alemão não são definitivas, a reversão apenas começou, o Rio está no início
de um complicado processo de revitalização social e política que começa no campo
da segurança e espraia-se por todas as esferas, a começar pelo Judiciário, e
chegam ao Legislativo. Prova disso é a preocupante representação da máfia das
milícias na Câmara dos Vereadores carioca.
O desempenho da imprensa deve ser acompanhado com rigor – este
Observatório é pioneiro nesta proposta – mas o espírito crítico deve
manifestar-se ampla e constantemente, livre de qualquer sentimento
bairrista.
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A mídia na semana
** O site Wikileaks soltou no domingo (28/11) mais um caminhão de documentos
secretos do Departamento de Estado norte-americano. A diplomacia internacional
está excitadíssima com a possibilidade de serem revelados relatórios
inconvenientes. Julian Assange, o criador e editor do Wikileaks, se apresenta
como jornalista, mas o jornalismo é algo maior do que a simples divulgação de
documentos secretos. Pressupõe pesquisas adicionais, contextualização e
hierarquização. O Wikileaks é, no máximo, um bom fornecedor de informações. E
nem sempre relevantes.
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Jornalista