Monday, 18 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

O balanço dos governos Lula

Este texto pretende fazer um breve balanço crítico da política de comunicações ao longo dos oito anos de governo Lula (2003-2010), sobretudo no que se refere ao serviço público de radiodifusão. Obedecendo aos eixos temáticos definidos pela Fundação Friedrich Ebert, trata dos principais condicionantes estruturais do pluralismo e da diversidade – estrutura legal, concentração da propriedade e fontes de financiamento –, além de descrever avanços, derrotas e recuos na política de comunicações, e de identificar tendências do contexto e das estratégias de disputa em torno da regulação do setor.

 

1. Estrutura do sistema de meios de comunicação

 

1.1 Marco Regulatório

 

Trusteeship model

– A primeira característica ‘moderna’ da mídia brasileira é que o Estado fez uma opção – ainda na década de 1930– por um modelo de exploração da radiodifusão que privilegia a atividade privada comercial. Poderia ter sido de outra forma. Para ficar com o exemplo clássico, na mesma época, a Inglaterra fazia a opção oposta, isto é, privilegiou o próprio Estado como operador e executor da atividade de radiodifusão. Mas, no que se refere ao rádio e a televisão, adotamos o modelo que tem origem nos Estados Unidos. É mais ou menos uma curadoria: compete à União a exploração de um serviço que o delega para administração e operação de terceiros.

 

O rádio e a televisão são, em sua maioria, outorgas do Poder Público para a iniciativa privada. O prazo de vigência para as concessões de rádio é de 10 anos e de televisão, 15 anos. Na prática elas se transformam em propriedade privada, já que a não renovação ou o cancelamento de uma concessão são situações praticamente impossíveis do ponto de vista legal. Desde quando o rádio foi introduzido no Brasil, e foi regulado pelo Estado, optou-se por privilegiar esse modelo de curadoria. Não foi uma opção que contou com a participação popular. Ao contrário, foi uma decisão de gabinete, sem que houvesse qualquer debate ou participação pública.

 

No law‘ –

Na mídia brasileira predomina a no law, ou seja, a ausência de regulação. A principal referência legal ainda é o quase cinquentenário Código Brasileiro de Telecomunicações, de 1962. Desatualizado, foi fragmentado pela Lei Geral de Telecomunicações, de 1997 e é complementado por várias normas avulsas para serviços específicos (diferentes modalidades de televisão paga, por exemplo) que, em alguns casos, são até mesmo contraditórias. Ademais, as normas constitucionais existentes, em sua maioria, não foram regulamentadas pelo Congresso Nacional e, portanto, não são cumpridas. Um exemplo emblemático são os princípios para a produção e a programação do serviço público de radiodifusão (Artigo 221), que deveriam também servir de critério para a outorga e a renovação de concessões e, no entanto, são ignorados.

A situação é de tal forma grave que, em novembro de 2010, a Federação Interestadual dos Trabalhadores em Empresas de Radiodifusão e Televisão (FITERT) e a Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) protocolaram uma Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO nº 09) pedindo ao Supremo Tribunal Federal que declare ‘a omissão inconstitucional do Congresso Nacional’ em legislar sobre a matéria.

 

Situação ao final do governo Lula

 

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Lei Geral de Comunicação Eletrônica de Massa (LGCEM) – Durante o primeiro governo Lula, duas comissões foram criadas com a finalidade de produzir um pré-projeto de LGCEM. No entanto, elas nunca chegaram a se reunir. A primeira – que era um GTI (Grupo de Trabalho Interministerial) – esperou oito ou nove meses para que seus membros fossem indicados. Quando finalmente indicados e marcada uma primeira reunião, o governo decidiu que não seria mais um GTI, mas sim uma Comissão Interministerial (CI), com representantes também da Procuradoria Geral da República e outros órgãos. A primeira comissão, um GTI, deixou de existir, embora nunca tivesse se reunido. E a nova, uma CI, também nunca se reuniu.

O tema, no entanto, não morreu. Em julho de 2010, o presidente Lula assinou novo decreto criando outra CI para ‘elaborar estudos e apresentar propostas de revisão do marco regulatório da organização e exploração dos serviços de telecomunicações e de radiofusão’. Fazem parte da nova comissão representantes da Casa Civil, dos ministérios das Comunicações e da Fazenda, da Secretaria de Comunicação Social da Presidência (SECOM) e da Advocacia Geral da União. Representantes de órgãos e entidades da administração federal, estadual e municipal, além de entidades privadas, poderão ser convidados a participar das reuniões. O artigo 6º do decreto diz que ‘a Comissão Interministerial encerrará seus trabalhos com a apresentação, ao Presidente da República, de relatório final’, mas não estabelece prazo para que isso ocorra [íntegra do decreto].

 

A pouco menos de dois meses do término do governo Lula, em novembro de 2010, um primeiro resultado público do trabalho da nova CI, liderado pela SECOM, se materializou na realização do ‘Seminário Internacional Comunicações Eletrônicas e Convergências de Mídias’, em Brasília. Representantes de três organismos internacionais – Comissão Européia, OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) e UNESCO – e de órgãos reguladores de cinco países – Portugal, Espanha, Reino Unido, Estados Unidos e Argentina – debateram, ao longo de dois dias, com empresários de mídia, jornalistas, parlamentares, acadêmicos, ONGs, movimentos sociais e funcionários públicos graduados, diferentes formas adotadas para regulação democrática do setor de comunicações. [As proferidas do Seminário estão disponíveis aqui.] Além de qualificar o debate público do tema com o conhecimento das experiências internacionais, um dos objetivos era fornecer subsídios para (finalmente) a elaboração do pré-projeto de um ‘marco regulatório da organização e exploração dos serviços de telecomunicações e de radiodifusão’.

 

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Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual (ANCINAV) – O projeto de transformar a ANCINE (Agência Nacional de Cinema) em Ancinav – que seria o órgão regulador e fiscalizador da produção e distribuição dos conteúdos audiovisuais – não chegou sequer a ter uma versão final. Um pré-projeto não oficial vazado para a imprensa provocou uma feroz e intensa campanha de oposição, movida, sobretudo, pelos grupos tradicionais de mídia. Diante disso o governo decidiu, em janeiro de 2005, que os estudos prosseguiriam mas que, prioritariamente, deveria ser construída uma proposta de regulação mais ampla dentro da qual a transformação da ANCINE em ANCINAV pudesse ser incluída. O argumento foi de que não se poderia implantar uma agência reguladora do audiovisual sem se ter primeiro uma LGCEM.

Em janeiro de 2005 o governo anunciou que seria encaminhada ao Congresso Nacional uma nova proposta de legislação contemplando apenas os setores de fomento e de fiscalização na área da produção audiovisual. Isso atendia aos interesses de grupos que faziam oposição ao projeto de transformação da ANCINE em ANCINAV. A nova proposta de lei foi de fato elaborada e enviada ao Congresso Nacional, em junho do ano seguinte, e seis meses depois transformada na Lei nº 11.437, de 28 de dezembro de 2006, que criou o Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) regulamentado pelo Decreto nº 6.299, de 12 de dezembro de 2007.

 

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Rádios comunitárias – O governo Lula não foi capaz de implementar políticas democratizantes em relação às rádios comunitárias, que continuam regidas por uma legislação excludente aprovada no governo de Fernando Henrique Cardoso (Lei nº 9.612/1998). Ainda em 2003 foi criado um Grupo de Trabalho (GT) que chegou a produzir um relatório final. Mudou-se o ministro das Comunicações, criou-se agora um Grupo de Trabalho Interministerial (GTI), que se reuniu ao longo de 2010 produzindo também extenso relatório final. Mudou-se novamente o ministro e o novo titular da pasta não aceitou o relatório final do GTI, que nunca chegou a ser encaminhado à Presidência da República.

A repressão às rádios comunitárias – que não conseguem se legalizar, na maioria das vezes por inoperância do próprio Ministério das Comunicações – em certos momentos chegou mesmo a aumentar, comparada ao governo anterior.

 

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RTVIs – As RTVIs (Retransmissoras de TV Institucionais) foram criadas pelo Decreto nº 5.371, de 17 de fevereiro de 2005. Elas representavam uma excelente oportunidade para o poder municipal se tornar retransmissor de emissoras de TV do campo público e, também, produtor de conteúdo. O decreto abria a possibilidade de uso da TV a cabo por prefeituras em até 15% do tempo total de retransmissão.

A ‘brecha’ foi saudada por todos os que se interessam pela democratização do mercado da comunicação e o fortalecimento da televisão pública. A TV a cabo, ainda hoje, alcança apenas cerca de 260 municípios dos mais de 5.600 existentes no país. Como as operadoras de TV a cabo são obrigadas, por lei, a transmitir canais comunitários, as atividades das Câmaras de Vereadores seriam transmitidas e haveria também a possibilidade da geração de receitas publicitárias e do início da produção de conteúdo local. Houve, no entanto, uma forte reação dos grupos privados de radiodifusão e, menos de dois meses depois da assinatura do Decreto 5.371, um novo Decreto – de nº 5.413, de 6 de abril de 2005 – foi assinado voltando atrás e extinguindo as RTVIs.

 

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TV Digital – A escolha do modelo japonês para a implantação da TV Digital no Brasil, consolidada ao longo de uma profunda crise política (2005) e em ano eleitoral (2006), sinalizou um recuo importante na postura anterior do governo Lula em relação à política de digitalização da televisão.

No início do processo, o Decreto nº 4.901 de 26/11/2003, que criou o Sistema Brasileiro de Televisão Digital (SBTVD), contemplou a participação direta de representantes da sociedade civil organizada que já faziam parte do Comitê Consultivo do SBTVD e discutiam as alternativas de política. No entanto, a partir da nomeação do senador Hélio Costa (PMDB-MG) para ministro das Comunicações, em julho de 2005, esse comitê foi sendo esvaziado e marginalizado pelo próprio Ministério das Comunicações e os representantes da sociedade civil perdendo a voz até que, na decisão final, não tiveram qualquer interferência.

 

Dois anos e sete meses após a criação do SBTVD, um novo decreto altera radicalmente a política anterior. O Decreto nº 5.820 de 29/06/2006 – apesar de criar um canal ‘de cultura’, destinado à transmissão de produção cultural e programas regionais, e um canal ‘de cidadania’ para transmissão, dentre outros, de programas de comunidades locais – atendeu diretamente aos grupos dominantes de mídia, em especial aos radiodifusores. A eles interessava garantir a comercialização de seus conteúdos diretamente aos usuários da telefonia móvel, sem depender da intermediação das empresas de telefonia. Mas, sobretudo, interessava evitar a oportunidade histórica de ampliação do número de concessionários de televisão no país.

 

O Ministério Público de Minas Gerais iniciou ação civil junto à Justiça Federal pela nulidade do Decreto nº 5.820, ainda em agosto de 2006, mas não logrou sucesso na iniciativa. O Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), por sua vez, protocolou no Supremo Tribunal Federal, em agosto de 2007, uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) contra o mesmo decreto que veio, finalmente, a ser julgada improcedente três anos depois, em 5 de agosto de 2010.

 

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Regulamentação da TV Paga – Desde 2007 tramita no Congresso Nacional um projeto de lei que ‘abre o setor de TV por assinatura para as teles, cria a separação de mercado entre produtores de conteúdo e empresas de distribuição e ainda cria cotas de programação nacional nos pacotes de canais pagos’, além de revogar a Lei do Cabo de 1995.

Na sua complicada e controversa versão atual, o projeto – PLC 116 do Senado Federal – é o resultado da articulação inicial de três propostas representando grupos e interesses distintos: o PL 29/2007, do deputado Paulo Bornhausen (DEM-SC), representa as empresas de telefonia; o PL 70/2007, do deputado Nelson Marquezelli (PTB-SP), representa os radiodifusores; e o PL 323/2007, dos deputados Walter Pinheiro (PT-BA) e Paulo Teixeira (PT-SP), que se situa em posição intermediária entre os interesses dos dois setores.

 

Aprovado em junho de 2010 na Câmara dos Deputados, a posição de diferentes atores em relação ao projeto tem oscilado na medida mesma em que o próprio projeto sofre alterações. A operadora Sky (associação dos grupos News Corporation e Globo) e a Associação Brasileira de Programadores de TV por Assinatura (ABPTA) patrocinam uma campanha publicitária denominada ‘Liberdade na TV‘, contrária ao projeto com o mote ‘querem intervir na sua TV por assinatura’.

 

1.2

Níveis de concentração da propriedade

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Propriedade cruzada – A legislação brasileira nunca se preocupou de forma efetiva com a propriedade cruzada dos meios de comunicação. O mais próximo que se chegou dessa preocupação foi na década de 1960, durante o regime militar, quando houve uma tentativa, através do Decreto-Lei 236/1967, de se estabelecer limites para o número de concessões de radiodifusão que um mesmo grupo privado poderia controlar. Esses limites, no entanto, não foram obedecidos. O Estado, que é o órgão fiscalizador, jamais interpretou a norma legal como forma de regular a concentração da propriedade.

Não há, portanto, na legislação brasileira, sobretudo na de radiodifusão, preocupação com o fato de que o mesmo grupo empresarial, no mesmo mercado, seja concessionário de emissora de rádio e/ou de televisão, e ainda proprietário de empresas de jornais e/ou de revistas.

 

Os principais grupos empresariais que existiram e ainda existem na mídia brasileira são multimídia, baseados na propriedade cruzada. Isso foi verdade para os Diários Associados – o primeiro grupo dominante no país – e é, evidentemente, verdade para as Organizações Globo – o maior grupo de mídia que existe no Brasil hoje.

 

A propriedade cruzada, para efeito de um diagnóstico da mídia brasileira na perspectiva da economia política do setor, torna irrelevante a diferença entre mídia impressa e mídia eletrônica. Nos casos mais importantes, os grupos controladores de uma e de outra são os mesmos.

 

Uma das conseqüências dessa omissão reguladora é que a mídia privada comercial foi sempre oligopolizada, exatamente porque se formou com base na ausência de restrições legais à propriedade cruzada dos diferentes meios.

 

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Oligarquias políticas e familiares – A mídia brasileira é controlada por uns poucos grupos familiares. Mas não só por grupos familiares. Eles são também os mesmos grupos oligárquicos da política regional e local. Aparece, então, uma questão extremamente importante: o coronelismo eletrônico, prática política através da qual forças no controle do aparelho de Estado se utilizam das outorgas de radiodifusão como moeda de barganha política. Dessa forma, o poder concedente desse serviço público, muitas vezes, se confunde com o próprio concessionário, atualizando e reproduzindo, com roupagem nova, o coronelismo político da República Velha para o tempo presente. [Para uma discussão conceitual sobre a prática política do ‘coronelismo’ ver, neste Observatório, Venício A. de Lima e Cristiano Aguiar Lopes, ‘Rádios Comunitárias: Coronelismo eletrônico de novo tipo (1999-2004)‘.]

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Igrejas – Tem havido um avanço importante do controle tanto da radiodifusão quanto da mídia impressa brasileiras por diferentes igrejas. O maior avanço é das igrejas evangélicas neopentecostais, embora, historicamente, a igreja católica seja a maior concessionária de emissoras de rádio no Brasil. Em alguns casos, a presença das igrejas como concessionárias é bastante evidente – como, por exemplo, na programação vespertina dos canais da TV aberta, tanto em VHF como em UHF.

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Hegemonia de um único grupo privado – As Organizações Globo concentram as verbas publicitárias, de maneira desproporcional à audiência relativa de seus veículos: em torno de 60% do ‘bolo publicitário’. Para a Rede Globo de Televisão, que lidera a audiência deste segmento, o percentual chega a ser ainda maior, de tal forma que se somarmos todas as outras emissoras comerciais de televisão veremos que a elas são destinados apenas entre 35% e 40% do volume total de publicidade.

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Concentração da propriedade – Quando se trata da radiodifusão e da imprensa, o Brasil se antecipou à tendência de concentração da propriedade na mídia manifestada pelo processo de globalização. A propriedade sempre foi concentrada e, ademais, concentrada dentro de parâmetros inexistentes em outros países. A sinergia verticalizada em áreas da produção de entretenimento (telenovelas, por exemplo) é prática consagrada na TV comercial há muitos anos. Não há rigor no cumprimento dos poucos limites existentes em lei com relação ao número possível de concessões de rádio e TV para o mesmo grupo empresarial no mesmo mercado. A propriedade cruzada na radiodifusão e entre a radiodifusão e a imprensa é permitida sem restrições. Não há limites para o tamanho das audiências das redes de televisão. Esse quadro regulatório gerou um fenômeno de concentração horizontal, vertical, cruzado e ‘em cruz’, sem paralelo. O Brasil é o paraíso da radiodifusão privada comercial oligopolizada.

Balanço do governo Lula

 

Não houve qualquer alteração fundamental no quadro de concentração da propriedade da mídia no Brasil entre 2003 e 2010.

 

1.3 Financiamento dos meios de comunicação

 

Na tradição brasileira, o Estado tem sido – direta ou indiretamente – uma das principais e, em muitos casos, a principal fonte de financiamento da mídia privada comercial, seja ela impressa ou eletrônica. Basta verificar quais são os maiores (em termos de recursos publicitários) anunciantes dos jornais, das revistas semanais e dos telejornais das principais redes de televisão privada do país.

 

Balanço do governo Lula

 

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Reorientação na publicidade oficial – Uma importante descentralização na alocação dos recursos publicitários oficiais teve início em 2003. Apesar dos grupos dominantes da grande mídia continuarem a ser os destinatários prioritários das verbas, o número de municípios cobertos pulou de 182, em 2003, para 2.184, em 2009, e o número de meios de comunicação programados subiu de 499 para 7.047, no mesmo período (ver quadros abaixo).

 

 

REGIONALIZAÇÃO DE VERBAS PUBLICITÁRIAS
OFICIAIS POR MUNICÍPIOS E POR TOTAL DE VEÍCULOS (2003-2009)


Fonte: SECOM-PR

REGIONALIZAÇÃO DE VERBAS PUBLICITÁRIAS
OFICIAIS POR DIFERENTES VEÍCULOS (2003-2009)


Fonte: SECOM-PR

 

2. Principais avanços, recuos e derrotas

 

2.1. Avanços

 

Além do início do mencionado processo de regionalização da alocação dos recursos de publicidade oficial, registrem-se os outros seguintes avanços:

 

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Empresa Brasil de Comunicação (EBC) – O ano de 2007 ficará marcado pelo nascimento da Empresa Brasil de Comunicação (EBC-TV Brasil), resultado da fusão da Radiobrás com a ACERP/TVE, a TVE do Maranhão e o canal digital de São Paulo. Sua conformação final surgiu das dezenas de emendas que a Medida Provisória 398/07 recebeu no Congresso Nacional.

Apesar das críticas que podem ser feitas ao processo de sua implantação – e são muitas –, a EBC, finalmente criada pela Lei 11.652, de 7 de abril de 2008, representa um importante avanço: está ‘no ar’ uma TV que institucionalmente se define como pública e a disputa para definir o que é uma televisão pública se desloca agora para a sua prática.

 

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1ª. Conferência Nacional de Comunicação (CONFECOM) – A realização da CONFECOM – a última conferencia nacional a ser convocada de todos os setores contemplados pelo ‘Título VIII – Da Ordem Social’ na Constituição de 1988 – sempre encontrou enormes resistências dos grandes grupos de mídia. Seis entidades empresariais se retiraram da Comissão Organizadora: Associação Brasileira de Emissoras de Radio e Televisão (ABERT); Associação Brasileira de Internet (ABRANET); Associação Brasileira de TV por Assinatura (ABTA); Associação dos Jornais e Revistas do Interior do Brasil (ADJORI Brasil); Associação Nacional dos Editores de Revistas (ANER) e Associação Nacional de Jornais (ANJ). Permaneceram a Associação Brasileira de Radiodifusores (ABRA), uma dissidência da ABERT fundada pelas redes Bandeirantes e Rede TV!, em maio de 2005; e a Associação Brasileira de Telecomunicações (TELEBRASIL), criada em 1974, com a missão de ‘congregar os setores oficial e privado das telecomunicações brasileiras visando à defesa de seus interesses e o seu desenvolvimento’.

Afinal realizada em Brasília, de 14 a 17 de dezembro de 2009, a 1ª CONFECOM teve a participação de mais de 1.600 delegados, democraticamente escolhidos em conferências estaduais nas 27 unidades da Federação, representando movimentos sociais, parte dos empresários de comunicação e telecomunicações e o governo. Dela saíram mais de 600 propostas que deverão servir de referência para apoio e/ou apresentação de projetos de regulação do setor de comunicações no Congresso Nacional. Acima de tudo, e independente do boicote e da satanização quase unânime por parte da grande mídia, a 1ª CONFECOM ampliou de forma inédita a mobilização da sociedade civil e o espaço público de debate sobre as comunicações no país.

 

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Plano Nacional de Banda Larga (PNBL) – Em maio de 2010 foi instituído o Programa Nacional de Banda Larga pelo decreto n. 7.175/2010 com o objetivo de ‘fomentar e difundir o uso e o fornecimento de bens e serviços de tecnologias de informação e comunicação, de modo a: massificar o acesso a serviços de conexão à Internet em banda larga; acelerar o desenvolvimento econômico e social; promover a inclusão digital; reduzir as desigualdades social e regional; promover a geração de emprego e renda; ampliar os serviços de Governo Eletrônico e facilitar aos cidadãos o uso dos serviços do Estado; promover a capacitação da população para o uso das tecnologias de informação; e aumentar a autonomia tecnológica e a competitividade brasileiras.’ A Telecomunicações Brasileiras S.A. (Telebrás) foi reativada e será a gestora do plano, estando prevista a atuação de empresas privadas de forma complementar para fazer os serviços chegarem ao usuário final.

O PNBL ainda é uma promessa e o presidente da Telebrás tem acusado as empresas privadas de telefonia de o boicotarem. Na verdade, cinco grupos são responsáveis por 95% da oferta atual de banda larga no Brasil – Oi, Telefônica, Embratel/Net, GVT e CTBC – enquanto 2.125 pequenos provedores respondem pelos restantes 5% do mercado. Há pouca ou nenhuma competição e os grupos dominantes são contra a inclusão de metas de expansão da infraestrutura de banda larga nos contratos de concessão das empresas de telefonia que estão em fase de revisão na ANATEL, a agência reguladora do setor.

 

2.2 Recuos e derrotas

 

Além dos registros já feitos em relação à não elaboração até mesmo de um projeto de Lei Geral para regulação da comunicação eletrônica; do recuo em relação à transformação da ANCINE em ANCINAV; da inoperância em relação à legislação das rádios comunitárias; do recuo em relação ao decreto das RTVIs e à escolha do modelo tecnológico para implantação da TV digital, também merecem menção:

 

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Cadastro geral dos concessionários de radiodifusão – O primeiro ministro das Comunicações do governo Lula, deputado Miro Teixeira (PDT-RJ), ao assumir a pasta, em janeiro de 2003, prometeu que tornaria público o cadastro com os nomes de todos os concessionários das emissoras de rádio e de televisão no país. De fato, cumpriu a promessa em novembro de 2003: o cadastro, embora incompleto e falho, passou a estar disponível no site do MiniCom.

Foi a primeira vez que o público tomou conhecimento dessa informação básica. Os Decretos Legislativos confirmando as outorgas são publicados no Diário Oficial da União (DOU), mas trazem apenas os nomes das empresas. Não especificam os nomes de seus sócios.

 

No início de 2007, o cadastro ‘desapareceu’ do site do MiniCom. Desde então, o interessado em informações oficiais só pode recorrer àquelas disponíveis no site da ANATEL. Lá não existe um cadastro geral com a relação de concessionários, mas sim dois bancos de dados: o Sistema de Acompanhamento de Controle Societário (SIACCO) e o Sistema de Informação dos Serviços de Comunicação de Massa (SISCOM).

 

No SIACCO pode-se pesquisar o ‘perfil das empresas’ por razão social ou CNPJ e, a partir daí, chega-se ao quadro societário e/ou à diretoria das entidades – em geral, incompletos. Já no SISCOM a busca pode ser feita por localidade e por serviço. Vale dizer: aquele que quiser compor um cadastro completo deverá pesquisar município por município.

 

Do cadastro geral disponibilizado ao público em novembro de 2003 regredimos para uma informação fragmentada que, na prática, impede a construção de um quadro geral das concessões e de seus concessionários.

 

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Conselho Federal de Jornalismo (CFJ) – O governo encaminhou projeto de criação do CFJ ao Congresso Nacional em 4 de agosto de 2004. Segundo a FENAJ (Federação Nacional de Jornalistas), o principal objetivo era ‘promover uma cultura de respeito ao Código de Ética dos Jornalistas’. Diante da intensa e violenta oposição da grande mídia, no entanto, a própria FENAJ, preparou e distribuiu, em Brasília, um substitutivo ao projeto original, no dia 13 de novembro, agora de criação de um Conselho Federal de Jornalistas como ‘órgão de habilitação, representação e defesa do jornalista e de normatização ética e disciplina do exercício profissional de jornalista’. Apesar disso, através de votação simbólica, por acordo de lideranças, a Câmara dos Deputados decidiu desconsiderar o substitutivo e rejeitar o primeiro projeto, em 15 de dezembro de 2004.

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III Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH3) – Houve importante recuo do governo Lula em relação às diretrizes originais para a comunicação constantes do PNDH3 (Decreto nº 7.037, de 21 de Dezembro de 2009). Menos de cinco meses depois, novo decreto (Decreto nº. 7.177 de 12 de maio de 2010) alterou o anterior e, no que se refere especificamente ao direito à comunicação: (a) manteve a ação programática (letra a) da Diretriz 22 que propõe ‘a criação de marco legal, nos termos do art. 221 da Constituição, estabelecendo o respeito aos Direitos Humanos nos serviços de radiodifusão (rádio e televisão) concedidos, permitidos ou autorizados’; (b) exclui as eventuais penalidades previstas no caso de desrespeito às regras definidas; e (c) exclui também a letra d, que propunha a elaboração de ‘critérios de acompanhamento editorial’ para a criação de um ranking nacional de veículos de comunicação.

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Conselho de Comunicação Social – Na Constituinte de 1987-88, a proposta original de criação de um ‘órgão regulador independente e autônomo’ foi transformada em ‘órgão auxiliar’ que deveria apenas ser ouvido quando o Congresso Nacional julgasse necessário (Artigo 224). Essa alteração deu origem ao Conselho de Comunicação Social (CCS). Apesar de criado, todavia, o CCS sempre enfrentou forte resistência de boa parte dos parlamentares.

A lei que regulamentou a criação do CCS (Lei 8339/1991) foi aprovada pelo Congresso Nacional em 1991, mas ele só logrou ser instalado em 2002, como parte de um polêmico acordo para aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que, naquele momento, constituía interesse prioritário para os empresários da grande mídia. A Emenda Constitucional nº 36 (Artigo 222), aprovada em maio de 2002, permitiu a propriedade de empresas jornalísticas e de radiodifusão por pessoas jurídicas e a participação de capital estrangeiro em até 30% do seu capital total.

 

Mesmo sendo apenas um órgão auxiliar, o CCS, quando instalado, demonstrou ser um espaço relativamente plural de debate de questões importantes do setor – concentração da propriedade, outorga e renovação de concessões, regionalização da programação, TV digital, radiodifusão comunitária etc. Vencidos os mandatos de seus primeiros membros, houve um atraso na confirmação dos membros para o novo período de dois anos, o que ocorreu apenas em fevereiro de 2005. Ao final de 2006, no entanto, totalmente esvaziado, o CCS fez sua última reunião. Os membros para um terceiro mandato não foram indicados e o CCS não mais se reuniu.

 

3. Contexto e estratégias

 

A maioria das propostas de políticas públicas que a sociedade civil organizada considera avanços no processo de democratização das comunicações não foi implementada no período 2003-2010. Ao contrário, muitas das iniciativas neste sentido, como vimos, foram sendo, uma a uma, abandonadas ou substituídas por outras que negavam as intenções originais. Existem, no entanto, exceções importantes.

 

Em diferentes ocasiões, ficaram também evidentes as contradições e conflitos de orientação política entre setores internos ao próprio governo, em especial o Ministério das Comunicações, o Ministério da Cultura e a SECOM-PR. Registre-se, por exemplo, a ausência, na prática, do Ministério das Comunicações tanto do esforço de elaboração de um projeto de LGCEM (liderado pela SECOM), quanto da instituição e implementação do PNBL (liderado pelo Comitê Gestor do Programa de Inclusão Digital, vinculado diretamente ao Gabinete Pessoal do Presidente da República).

 

Da mesma forma, ficou mais de uma vez evidente a impotência do Estado diante dos grandes grupos de mídia, assim como ficou claro o enorme poder histórico desses grupos, ainda capazes de interferência direta na própria governabilidade do país.

 

Considere-se ainda que algumas questões relevantes não puderam ser tratadas aqui. Dois exemplos: (1) houve ou não continuidade na prática do coronelismo eletrônico, isto é, no uso das autorizações, concessões e renovações de radiodifusão como moeda de barganha política? (2) de que forma decisões do Judiciário afetaram direta ou indiretamente a democratização das comunicações [não exigência do diploma para o exercício da profissão de jornalista; inconstitucionalidade total da Lei de Imprensa de 1967 e o direito de resposta]?

 

O período 2003-2010 foi também marcado (1) pelo formidável avanço da internet e (2) pelo recrudescimento da posição radical dos grupos privados de mídia em relação a qualquer proposta de regulação das comunicações, oriunda ou não do governo.

 

3.1 Avanço da internet

 

Dados do Ibope revelam que ‘das cerca de 60 milhões de pessoas que acessaram a internet em 2008, 67% fazem parte das classes C, D e E. Cerca de 80% dessas pessoas têm renda familiar mensal de até cinco salários mínimos’. Dessa forma, ‘de ferramenta quase exclusiva da elite nos anos 1990, a internet encerra a primeira década do século 21 tendo como usuário um indivíduo cada vez mais parecido com o brasileiro médio’.

 

Por outro lado, o PNBL – já mencionado – se devidamente implementado em articulação com políticas específicas de inclusão digital, renova esperanças de avanço ainda maior no processo de universalização da internet nos próximos anos.

 

3.2 Intolerância

 

Alguns exemplos da radicalização crescente por parte dos atores dominantes no campo das comunicações:

 

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Partidarização – A presidente da Associação Nacional de Jornais admitiu publicamente a partidarização da mídia ao afirmar, em março de 2010:

‘A liberdade de imprensa é um bem maior que não deve ser limitado. A esse direito geral, o contraponto é sempre a questão da responsabilidade dos meios de comunicação. E, obviamente, esses meios de comunicação estão fazendo, de fato, a posição oposicionista deste país, já que a oposição está profundamente fragilizada. E esse papel de oposição, de investigação, sem dúvida nenhuma incomoda sobremaneira o governo.’ (Cf. ‘Ações contra tentativa de cercear a imprensa’, O Globo, 19/3/2010, p. 10)

 

Essa partidarização tem sido evidenciada rotineiramente na cobertura política realizada pela grande mídia, em particular ao tempo das campanhas eleitorais [cf. Venício A. de Lima (org.); A Mídia nas Eleições de 2006. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2007].

 

É oportuno registrar que a partidarização da mídia tem como corolário não só o enfraquecimento dos partidos, como sua própria despolitização, na medida em que são afastados da política cotidiana e confinados às formalidades e à burocracia de seu funcionamento legal e dos procedimentos eleitorais.

 

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‘Democratização da comunicação’ – A radicalização chegou a tal ponto que até a expressão ‘democratização da comunicação’ passou a ser satanizada pela grande mídia. Propostas para a ‘democratização da comunicação’, muitas vezes simples referências a normas e princípios consagrados na Constituição de 1988, passam a ser imediatamente rotuladas de autoritárias ou de ameaças à liberdade da imprensa. Praticamente não há diálogo ou negociação entre os atores dominantes e a sociedade civil. A retirada das associações que representam os principais grupos de mídia da Comissão Organizadora da 1ª CONFECOM talvez seja o caso mais emblemático desse tipo de intolerância.

Em 19 de outubro de 2010, a aprovação pela Assembléia Legislativa do Ceará do ‘Projeto de Indicação nº 72.10’, que propõe a criação do Conselho Estadual de Comunicação Social (CECS), detonou um novo ciclo de generalizada reação da grande mídia e da própria OAB nacional. Na ocasião, o advogado e editor do suplemento ‘Direito & Justiça’ do Correio Braziliense, referindo-se às propostas aprovadas pela 1ª. CONFECOM, chegou a afirmar que ‘Goebbels, encarregado por Hitler da difusão da propaganda nazista e de eliminar adversários do regime, não teria feito melhor’ (cf. Josemar Dantas, ‘Democracia em Risco’, suplemento ‘Direito&Justiça’, Correio Braziliense, 8/11/2010, p. 2).

 

Considerando a radicalização e a intolerância que têm marcado a relação entre os principais atores do campo nos últimos anos, o futuro próximo certamente reserva imensos desafios para a democratização das comunicações no Brasil.

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Professor titular de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado) e autor, dentre outros, de Liberdade de Expressão vs. Liberdade de Imprensa – Direito à Comunicação e Democracia, Editora Publisher,2010