Silvio Santos, aliás Senor Abravanel, continua à espera de um ator-diretor com os dotes e o gênio de Orson Welles para contar a versão nativa de Cidadão Kane, a epopéia de um ex-camelô que quando fez o serviço militar saltava tão bem de pára-quedas – literalmente – que caiu nas boas graças de um comandante da Aeronáutica da ditadura, ganhou um canal de TV e transformou-se numa figura emblemática da TV brasileira.
Começou com um programa de compras e prêmios, o Baú da Felicidade, terminou com um mini-império midiático-financeiro que acaba de se esborrachar – literalmente – com a descoberta de uma gigantesca fraude no Banco PanAmericano.
Carioca da gema, criado na velha Lapa (bairro boêmio hoje em recuperação), onde se acotovelava a comunidade sefardita, judeus de origem mediterrânea remanescentes do Império Otomano. Seus pais ainda falavam o ladino, dialeto judeu-espanhol que herdaram dos antepassados expulsos da Espanha por Isabel, a Católica.
Pai grego, mãe turca, charme, lábia e audácia de malandro carioca, Silvio Santos trocou o bimilenar sobrenome Abravanel originário do VT – Velho Testamento – e acabou transformando o SBT num trampolim para o poder. Chegou a armar uma candidatura à presidência da República, mas foi barrado por Fernando Collor de Mello. Se conhecesse História Geral ou, pelo menos, mais detalhes da sua pré-história pessoal saberia que a faixa presidencial pode ser envergada por qualquer um, menos por um judeu. Coisas do Estado laico.
Último ditador
Começou como camelô ainda menor de idade, fazendo ponto nas esquinas da Rua do Ouvidor, no centro do Rio, nunca teve problemas com os fiscais da prefeitura carioca, o diretor gostou da sua voz e o apresentou a um amigo da Rádio Guanabara. Buscando um público cativo para vender suas bugigangas passou a fazer a utilizar as barcas que fazem o percurso Rio-Niterói.
Vendia o que vendem os camelôs, inutilidades úteis; sua especialidade eram capas de plástico para carteiras de trabalho, documento de importância capital para comprovar que o portador não é um desocupado. Não perdia tempo, em Niterói tinha um bico como locutor da Rádio Continental.
Alguém lhe disse que em São Paulo havia mais dinheiro, mandou-se para a Paulicéia, deu-se bem. Nunca poderia dar-se mal. ‘Se amanhã me disserem que o país virou comunista vou perguntar, ‘como é que faço para ser o chefe dos comunistas?’’ Começou alugando horários em emissoras de rádio, graças a boa pinta mudou-se para a TV onde tornou-se animador de programas de auditório, logo era dono do programa de maior audiência do país. O último ditador, o populista João Figueiredo, preferiu dar-lhe um dos canais de TV disponíveis porque apostava num esquema político para disfarçar as mazelas da ditadura.
Capítulo desajeitado
O SBT tem hoje dez emissoras próprias, é a terceira colocada em matéria de audiência, mas sempre se recusou a investir em programação informativa. Silvio Santos tem até um par de amigos na imprensa, mas não quer saber de jornalismo. Está nas manchetes, mas não dá importância a elas.
Prestes a completar 80 anos, com o mesmo sorriso e igual pose volta ao velho ofício de oferecer bagatelas. Entre elas, o seu império. E, de quebra, um capítulo nada airoso da história da mídia brasileira.