Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O circo de opiniões

Reúnem-se agora, em Belém do Pará, esquerdistas do mundo todo em torno Fórum Social Mundial (FSM). Conheço esse fórum de Porto Alegre, a primeira cidade a promovê-lo, sob o patrocínio do governo petista de Olívio Dutra. É uma demasia procurar discutir, com seriedade, qualquer tema que proceda do FSM. Trata-se de um evento de foliões, patrocinado por dinheiros públicos. Desafio qualquer um a lembrar de algo produzido no FSM – hoje em nona edição – que tenha permanecido para uma reflexão mais demorada. O FSM é um evento pulverizado, uma espécie de circo de opiniões armado pelas lideranças esquerdistas internacionais comprometidas com a idéia e a prática da transformação do mundo e dos homens, segundo os cânones de Marx, Engels, Lênin e Trotsky. Pauta para mídia?

Na realidade, apenas os poucos iluminados que conduzem o esquerdismo possuem os segredos do marxismo. Esses segredos, na medida em que demandam investimento mental mínimo para que possam ser apreendidos, não são tematizados no FSM. Lá, os segredos são aceitos como dogma impenetrável – a concepção dialético-materialista da história, a luta de classes, a revolução, a ditadura do proletariado – e sequer deles se parte para interpretar a realidade política e cultural do momento.

Fiéis do dogma, mas não a ele, os ativistas do FSM promovem conferências, palestras, plenárias e debates, que são, do ponto de vista do marxismo espesso, próprios de uma elite que permanece pré-revolucionária, utópica e burguesa. Paradoxo, porque seria abjeto a Marx, Lênin e Trotsky, por exemplo, aderir aos direitos dos homossexuais, à preservação de meios artesanais de exploração das florestas, ao feminismo, ao direito dos povos indígenas, à islamofilia.

Engels diria que tudo isto é próprio ou de povos primitivos ou de uma pequena burguesia que, no início seria simpática à idéia comunista, mas depois viria a ser extirpada por ela.

Miseráveis profissionais

Lênin, o pai fundador da prática marxista revolucionária, exterminou, logo que chegou ao poder, alguns milhões de intelectuais, clérigos, pequenos proprietários urbanos e rurais, homossexuais, dissidentes e oposicionistas russos. Lênin seguia Engels e Marx ao pé da letra, era coerente. Também o foram Stálin, Mao, Pol Pot, as dinastias Kim Il Sun e Castro. Para o comunismo, o extermínio em massa, o genocídio e os campos de concentração são uma política necessária de Estado.

O regime totalitário submete a sociedade ao medo e ao horror permanentes. Filhos delatam pais aos comitês revolucionários, toda a atividade pensante é proscrita. O partido adona-se do todo. No processo revolucionário (no qual a ditadura proletária se integra), o particular dá lugar ao geral. Não há mais indivíduo com suas necessidades, mas necessidades do indivíduo em vista de sua inserção na construção do novo real, do novo homem. Bernard Shaw, o grande escritor inglês, comunista que era, abertamente defendeu, na década de 1930, o genocídio de classe.

A economia mental da persona se esvai diante da economia social da persona revolucionária, a classe proletária e sua vanguarda, o Partido Comunista. Para que não haja fissuras no partido, que tudo controla, é preciso de um líder, um guia, um homem carismático que sintetiza todas as virtudes revolucionárias, que conduz, ensina e impõe a ordem totalitária. Foi e é assim com todos os regimes comunistas.

Mas isso está longe do FSM. De lá ouvimos as vozes catocomunistas (fusão do catolicismo com o comunismo) como a de Leonardo Boff, o ex-frade franciscano e ideólogo da Teologia da Libertação, excluído da igreja pelo cardeal Ratzinger, o atual Papa Bento 16. Essa mistura de comunismo primitivo (uso o termo tal como Marx o empregaria) e salvacionismo eucarístico é um monstrengo populista. Ele, o monstrengo, embala o Movimento Sem Terra, a organização formada por miseráveis profissionais e dirigida por fanáticos antidemocráticos. Escutamos também a gritaria de lésbicas ativistas, bolivarianos chavistas, islamófilos antissionistas, castristas antiamericanos defensores da ALBA e por aí vai.

Desastre moral

É evidente que a imprensa mundial não dá a mínima para o FSM, considerado mera excrescência esquerdopata apoiada pelo lulopetismo. Nem no Brasil a imprensa noticia a algaravia ora em curso em Belém do Pará. Houve a distribuição gratuita de mais de 500 mil camisinhas na cidade, pois os forenses, depois das cansativas discussões que travam em suas concorridas jornadas de trabalho, costumam entregar-se a farras pouco regradas de confraternização. Drogas também fazem parte dos festerês, mas a polícia costuma respeitar o território livre do Fórum. Detalhes de um cenário ideologicamente burlesco, onde o marxismo de chulé corre solto em meio a sectarismos grotescos.

O Fórum Social Mundial foi uma idéia da Democracia Socialista, a DS do PT, que se tornou real na época do governo do cristão-marxista Olívio Dutra, no Rio Grande do Sul. Todos sabemos o que foi aquele governo: um desastre moral, político e econômico. O FSM, é de se notar, continua fiel às suas raízes.

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Jornalista, doutor em filosofia e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul