Sunday, 17 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

O círculo dos lugares-comuns

Os chamados jornais de circulação nacional passaram o fim de semana requentando assuntos que a realidade já varria para debaixo do tapete da História, como a questão do preço do tomate e a disputa entre grupos de defesa dos direitos humanos e o novo presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados. Também houve alguma referência a incidentes causados por históricas deficiências do sistema nacional de infraestrutura e pelo menos um crime de grande repercussão em cada uma das grandes cidades do eixo sul-sudeste.

As revistas semanais de informações parecem resignadas ao papel de “bater o bumbo” para o noticiário dos jornais, mas numa condição inversa, ou seja, em vez de seguir à frente do cortejo, vão atrás da banda, limitando-se a dar sua contribuição, cada vez mais modesta, para a repercussão de notícias e opiniões que se repetem no jornalismo diário.

No caso de Veja e Época, o resultado é apenas mais redundância, enquanto CartaCapital se destaca por desalinhar-se radicalmente do opiniário geral, e a revista IstoÉ acaba se deslocando da corrente central do jornalismo nacional ao buscar se diferenciar da pauta dominante.

Uma característica geral desse conjunto de títulos é a repetição de um ciclo no qual a manchete de um jornal ganha expansão em programas de rádio e televisão, inspira humoristas na internet e morre nas revistas semanais. Invariavelmente, tais assuntos produzem no público leitor uma opinião majoritária, previsível e conservadora, que apenas referenda o tom dado na primeira emissão da notícia.

Essa é a razão pela qual o leitor ou leitora tem a impressão de que o formato da imprensa é um círculo de lugares-comuns, e não uma espiral, embora o conceito de informação devesse produzir uma sensação de evolução na compreensão do fato original, com a agregação de novos elementos. Por esse motivo, quando algum meio rompe a movimentação circular de conteúdos, sobre qualquer assunto, um artigo ou uma simples frase é capaz de deslocar o debate para outro patamar, dando mais vigor ao jornalismo.

Esse é o efeito por exemplo, da coluna assinada na segunda-feira (15/04) pelo jornalista Marcos Augusto Gonçalves na Folha de S. Paulo (ver aqui). O fato que vinha rodando na mídia, com redundâncias nas redes sociais e nos programas policialescos da televisão e do rádio, é o assassinato de um estudante de comunicação da Faculdade Casper Líbero por um delinquente que completaria 18 anos de idade poucos dias após o crime.

Um passo para fora

Em torno do fato, que coloca em debate a questão da impunidade no contexto da maioridade penal, alinharam-se os tradicionais batalhões das tropas que defendem o agravamento das penas como solução para todos os problemas de delinquência, e os que, inspirados por uma visão romântica dos direitos humanos, acham que todos os desvios individuais têm uma causa social em sua origem.

Esta é uma observação genérica, evidentemente, pois nem todos os defensores dos direitos humanos são emocionalmente comprometidos, nem os defensores da pena de morte são, necessariamente, um conjunto homogêneo de assassinos em potencial. Por esse motivo, excepcionalmente, este observador destaca o artigo de Gonçalves, uma vez que não é prática corriqueira neste Observatório fazer a citação pessoal dos autores de conteúdos analisados.

Observado como movimento, uma vez que a comunicação é informação que se move entre emissores e receptores, o texto em questão rompe o círculo das polaridades criado em torno da definição de uma idade limite para alguém ser tratado como criminoso.

No lado mais conservador da sociedade, aquele que aponta para a resolução primária dos conflitos por meio da punição, defende-se que a idade legal para a imputação de um crime seja rebaixada dos atuais 18 anos para 16 ou até 14 anos de idade. No lado menos conservador, que comumente se designa como progressista, opina-se que lotar as prisões com adolescentes não é a solução ideal para o problema da criminalidade – alguns acrescentam que a criminalidade é a ponta do iceberg de um problema social ainda maior e mais complexo.

O que faz o colunista da Folha é dar um passo para fora: ele reconhece que o crime brutal – ao qual se pode aplicar o clichê “a sangue frio” – provoca naturalmente reações pessoais “a sangue quente” em favor do encarceramento do assassino. Mas desloca o caso de seu círculo original ao observar que o governador de São Paulo, ao lançar combustível no debate sobre a maioridade penal, apenas praticou um ato de oportunismo grosseiro, na tentativa de esconder o que realmente importa: o número de latrocínios – roubo seguido de morte – triplicou em São Paulo nos primeiro bimestre, nos últimos três anos.

Esse ato de impulsionar os temas para um movimento em espiral é que poderia salvar a imprensa de seu marasmo.