Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

O colunista e os segredos da boa nota

O Observatório da Imprensa exibido na terça-feira (23/9) pela TV Brasil e TV Cultura comemorou os 60 anos de um dos jornalistas mais influentes do Brasil. Em um bate-papo descontraído gravado na Lapa, reduto boêmio do Rio de Janeiro, Alberto Dines entrevistou Ancelmo Góis, colunista de O Globo. Sergipano que vive no Rio há décadas, Ancelmo trabalhou em grandes empresas de comunicação do país ao longo dos últimos 40 anos.


Dines pediu para Ancelmo Góis comentar as particularidades do jornalismo de notas e lembrou que o estilo ‘muito brasileiro e carioca’ teve início quando o Rio de Janeiro ainda era capital federal. Ancelmo Góis afirmou não saber o porquê de esse tipo de jornalismo fazer tanto sucesso no país. Enquanto os grandes jornais do mundo estariam voltados para um ‘colunismo de idéias’, no Brasil as colunas mais lidas são as de notas, a exemplo da ‘Radar’, publicada pela revista Veja, onde trabalhou. O jornalista comentou que freqüentemente a notícia mais importante de uma edição de jornal aparece em uma nota de quatro ou cinco linhas, e não estampada na primeira página. As colunas de notas são âncoras de leitura em jornais de todo o Brasil.


Uma das referências citadas por Ancelmo Góis foi o jornalista Ibrahim Sued, um ‘grande trabalhador, curioso e esperto’. Em sua ‘coluna mundana’, abriu espaço para informações políticas e econômicas e revolucionou o uso das notas na imprensa. Ancelmo contou que o estilo que adota em sua coluna é inspirado no trabalho de Zózimo Barroso do Amaral, que fez ‘uma ponte’ entre a coluna mundana e notícias mais densas. ‘Era o brasileiro que eu conheço que melhor sabia escrever em três linhas. Era imbatível’, lembrou.


Mas trabalhar no espaço disputado a peso de ouro por divulgadores não é se resume a freqüentar festas do high society, como ocorria na década de 1950. Para Ancelmo, que chega a trabalhar mais de 10 horas por dia, inclusive aos domingos, a imagem de glamour não corresponde à realidade dos que redigem as notas. É preciso a dedicação de um operário. O jornalista contou que colegas brincavam com o colunista Ricardo Boechat dizendo que este tinha um ‘calo na orelha’ como conseqüência das horas que passava ao telefone.


Uma mão lava a outra


O colunista elogiou o grupo que trabalha junto a ele em O Globo e explicou que a forma como a equipe está estruturada dificulta o acesso dos que tentam emplacar notas. Cerca de 80% do trabalho da coluna se resumem a dizer ‘não’ às mais de mil tentativas diárias de divulgação de notícias e eventos. Ancelmo Góis contou que os assessores de imprensa mais espertos já descobriram o macete para conseguir espaço para notas sem grande valor jornalístico: é na base do ‘me ajuda que eu te ajudo’ que a situação é resolvida.


Como muitos colegas da área, faz permutas para conseguir boas notas. Cede um pequeno espaço para as notas de divulgação e, em troca, os ‘parceiros’ repassam outras notícias em primeira mão. ‘O truque resolve tudo’, garantiu. Para Ancelmo, as colunas de notas têm um grande potencial explosivo. É um ‘canhão que pode fazer o bem ou o mal’. Mas apesar a limitação de espaço da seção, o jornalista acredita que as colunas ajudam mais do que prejudicam.


Dines comentou com Ancelmo sobre a relação do colunista com as fontes. Ancelmo explicou que há uma rotina estabelecida na coluna e que as fontes são classificadas com estrelas – ‘como a Embratur faz com os hotéis’. Uma vez por semana, ele telefona para as fontes cinco estrelas em busca de notícias quentes. As que ostentam uma estrela recebem um telefonema mensal.


O jornalista disse que troca de fonte conforme o perfil do veículo onde a coluna é publicada. Na coluna ‘Radar’, além do noticiário geral, procurava fornecer informações relevantes para os empresários que tinham interesses no interior de São Paulo. Já em O Globo publica também notas que prendam os leitores cariocas. Apesar do ‘bairrismo’, o jornalista tenta equilibrar a coluna com notas de interesse nacional. Das cerca de 15 notas da seção, procura ter sempre três que sejam atrativas para leitores de todo o país.


Ancelmo Góis criticou a quantidade de grampos autorizados pela Justiça. Para o jornalista, o uso das interceptações telefônicas é complicado porque ‘a linguagem telefônica é íntima’. Trechos dos diálogos poderiam ficar descontextualizados. ‘O grampo é muito sério pela extensão, leviandade e irresponsabilidade’, afirmou. Em tom de brincadeira, disse que se sentirá ‘desprestigiado’ se não for um dos cerca de 500 mil cidadãos que, segundo consta, estariam grampeados atualmente no Brasil.


As pragas da mídia brasileira


Dines questionou Ancelmo Góis sobre os problemas estruturais dos meios de comunicação no país, onde coronéis ampliariam seus currais eleitorais com o uso de jornais e concessões de canais de TV e emissoras de rádio. Para Ancelmo, há um tripé de mazelas. O colunista considera uma das tragédias do Brasil o conflito de interesses que envolve a propriedade dos meios de comunicação no Nordeste do país. ‘É mais fácil o sertão virar mar do que um jornal do Sarney ter uma postura crítica em relação a um governante apoiado por ele’, avaliou o colunista, após destacar que esta não é uma crítica ao ex-presidente José Sarney, mas uma análise do fenômeno midiático. O choque de interesses impede o exercício do jornalismo independente.


Outra praga que compõe o tripé é a dependência dos jornais produzidos no interior do país em relação aos políticos locais. Ao contrário dos Estados Unidos, onde são financiados pela iniciativa privada das comunidades e funcionam como ‘uma escola de jornalismo’, no Brasil há dependência das prefeituras ou dos inimigos dos prefeitos. O avanço de grupos evangélicos na área da mídia é outro dado que preocupa o jornalista.


Ancelmo Góis relembrou momentos marcantes de sua carreira. O colunista explicou que é ‘produto de outro momento político’. Começou a carreira na Gazeta de Sergipe, jornal fundado por dirigentes socialistas. Ainda garoto, não saia da redação. Conviveu com ‘velhos’ que fumavam, freqüentavam cabarés e que muitas vezes tinham tuberculose devido ao contato com o chumbo usado nos antigos linotipos. Participou do movimento estudantil e após o AI-5, em dezembro de 1968, foi preso.


Saiu do cárcere um ‘militante formado’. Sem nunca ter andado de avião, foi convidado a estudar em Moscou, onde viveu clandestinamente com o nome de ‘Ivan Nogueira’. Voltou ao Brasil meses depois, também clandestinamente, pela fronteira com a Argentina, e foi morar no Rio de Janeiro. Trabalhou por um período para o Partido Comunista, mas começaram as prisões e mortes de integrantes da organização. Com medo e sem dinheiro, procurou emprego como jornalista. Maurício Azêdo, hoje presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) consegiu um trabalho freelancer para Ancelmo na Editora Abril. Depois, Ancelmo fez parte das primeiras equipes da revista Exame, cobrindo jornalismo econômico.


O Jornal do Brasil dos velhos tempos


Em seguida, foi para a seção de economia de Veja, de onde saiu em 1985 para produzir a coluna ‘Informe JB‘, no Jornal do Brasil. Enquanto produzia a coluna, também passou pelo caderno de Cidades e foi editor de Política e de Economia. Emocionado, Ancelmo comentou o impacto de trabalhar no Jornal do Brasil: ‘No dia em que eu fui para o Jornal do Brasil eu tive uma crise. Comecei a chorar e fui para o banheiro chorar. Eu dizia: `Estou no Jornal do Brasil!!´’.


O jornalista contou que em 1991 deixou ‘casa, comida e roupa lavada’ na Veja, onde era responsável pela coluna ‘Radar’ e chefiava o escritório no Rio de Janeiro, para aventurar-se na ainda incipiente internet. Convidado pelo portal iG lançou, com um grupo de jornalistas, a revista eletrônica NO, de notícias e opinião.


Quando foi assinar o contrato, o então presidente do portal, o publicitário Nizan Guanaes, ofereceu um alto salário e participações nos lucros da empresa. Mas Ancelmo dispensou as participações em troca da tradicional carteira assinada e de benefícios como tíquete alimentação. ‘Eu adoro carteira assinada’, confessou. A primeira grande aventura do jornalista na rede durou 50 dias e acabou após o estouro da ‘bolha’ da internet.


Ancelmo acredita que aprendeu muito ao sair de uma plataforma de 4 milhões de leitores e se embrenhar na então novata internet. Às vezes o colunista questionava: ‘Tem alguém me vendo aí?’. A relação com as fontes também mudou. Perguntado sobre por que resolveu arriscar, respondeu: ‘Quem fica parado é poste. Um friozinho na barriga é fundamental. Quando a sua barriga passar a não ter mais frio você pode morrer’.


O jornalista que não pára


‘O mundo andava a 100 km/h e agora está a 300, 400’, disse Ancelmo a respeito da velocidade que o mundo de hoje impõe. ‘A gente está correndo muito’, avaliou. O colunista reclamou que ao permanecer tantas horas plugado no computador e no celular, fica sem tempo para reflexão e leitura de jornais e livros.


Após experimentar jornal impresso, revista semanal e internet, Ancelmo Góis enfrenta um novo desafio. Apresenta, junto com a jornalista Vera Barroso, o programa De lá para cá, na TV Brasil, voltado para a história contemporânea. A partir de uma efeméride, o programa observa a evolução de um fato histórico. Por que mais um desafio, agora que completa quatro décadas de jornalismo? ‘Não posso parar. Se parar, eu canso’, resumiu.

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