‘Para mim, o jogo não se divide em primeiro e segundo tempo.’ Estas foram as palavras ditas pelo técnico da seleção francesa Raymond Domenech, na coletiva que concedeu logo após a vitória contra o Brasil. Tradução: só se conhece o vencedor de uma partida no seu final. Não adianta cantar vitória antes do tempo.
Que a lição sirva para a mídia esportiva brasileira. Que imaginou ganhar o jogo antes mesmo do resultado. Que criou ao longo da semana um clima de revanche, como forma de preencher o vazio de notícias no intervalo dos jogos das quartas-de-final.
Ela já devia ter aprendido em 1998. Melhor, em 1986. Porque foi ali que o Brasil tombou pela primeira vez numa quarta-de-final para os azuis. E depois veio o fiasco da Copa da Itália, em 1990. Redimido pela tática do jogo de resultados que levou ao título de 1994. Mais uma vez coroado em 2002, já muito distante do tal futebol arte.
Mas a lição não foi assimilada.
Com o complexo de vira-lata mais uma vez à solta, procuram-se culpados pela derrota agora em 2006. Credite-se à mídia boa parte da fatura pelo infausto momento. Ela superdimensionou um sonho, atribuiu cores idílicas a um paraíso inexistente, como se o resultado de um jogo de futebol pudesse se constituir de uma certeza lógica. Como se o histórico de um craque fosse atributo necessário para uma boa performance em campo.
Teimosia asinina
Não é apenas o escrete brasileiro que precisa fazer uma longa e dolorosa reflexão, mas uma vasta parte da mídia esportiva. Principalmente aquela facção que ainda advoga – e acredita – o tal futebol arte da seleção brasileira. Como se o relógio do tempo não tivesse caminhado desde 1982. Como se a globalização, que atingiu também o futebol, não tivesse tudo transformado numa busca incessante de resultados.
[Para entender melhor o impacto da globalização no futebol, este observador sugere com veemência a leitura do livro Como o futebol explica o mundo, de Franklin Foer, publicado no Brasil por Jorge Zahar Editor. Nele o autor, um jornalista americano (ironia), analisa as múltiplas facetas dos boleiros pelo mundo, mostrando o quanto de violência e interesse atrai o velho football. Algo muito próximo de uma guerra. Arte? Deixa estar.]
Voltando à nossa mídia verde e amarela. Que seja camaleônica, nem se discute. Se o time está ganhando, merece todas as loas possíveis. Se está perdendo, que seja chutado para um inferno astral. No jogo contra a França, tivemos um exemplo bem claro. Para os narradores do Sportv, Roberto Carlos fazia uma partida maravilhosa nos primeiros quinze minutos de jogo. Mas bastou dar uma brecha para o chute fatal de Tierry Henry para ser crucificado.
Mas quem será mesmo o culpado? Parreira e sua teimosia asinina? O carrasco Zidane? Nos próximos e emocionantes capítulos, a mídia vai explorar à exaustão o assunto, remoendo o que poderia ter sido e que não foi. Mas raramente admitirá que a França foi superior em campo. E ponto final.
Nova chance
Detalhe: minutos após o fim da partida, o UOL abria a chamada para o fato de Roberto Carlos estar arrumando a meia no exato momento do tiro certeiro francês. E ofereceu aos internautas um vídeo com o desleixo do jogador do Real Madri. A prova do crime.
Nem é preciso falar do temor reverente com que boa parte dos comentaristas se referiu todo o tempo ao sobrepeso de Ronaldo. Temendo queimar as línguas, poucas vezes criticaram abertamente a má performance do ‘fofômetro’.
Mas bastou o Fenômeno acertar duas bolas na doidivanas seleção do Japão para se redimir perante os seus acusadores de antes.
Mídia camaleônica, saudosista, sonhadora, ufanista, loquaz, palpiteira, torcedora ardorosa. Podia ser diferente? Há como evitar as paixões exacerbadas pelo duelo que se trava nas quatro linhas? A resposta é a própria mídia que dará. Vem aí uma nova chance na África do Sul, em 2010.
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Jornalista, editor do Balaio de Notícias