A Turquia já ocupou as manchetes internacionais inúmeras vezes e por inúmeras razões. Nem sempre as melhores. Sua imagem melhorou quando apostou na parceria com o Brasil para obter o acordo nuclear com o Irã.
Nossa mídia fala com muita naturalidade do premiê turco Recyp Erdogan. Mas nossa mídia não fala nem lembra que Erdogan não suporta o Nobel de Literatura, Orhan Pamuk, rigoroso crítico da reislamização do país promovida por Erdogan.
O Brasil empenhou-se no acordo nuclear porque está comprometido com a solução pacífica das controvérsias a partir do preâmbulo da sua Constituição. Mas o Brasil também está comprometido com a defesa dos direitos humanos.
Mosaico sutil
A Turquia, porém, não ostenta os mesmos atributos pacifistas do Brasil, pois até hoje não devolveu aos gregos o pedaço de Chipre que lhes tirou em 1974 – e em matéria de direitos humanos tem uma ficha ainda pior porque mantém como cidadãos de segunda categoria a minoria de 20 milhões curdos.
O líder Abdullah Öcalan, considerado o Nelson Mandela dos curdos, está preso incomunicável numa ilha desde 1999. A tragédia dos curdos chega à Síria, Iraque e Irã, mas o único país onde gozam de total liberdade e enorme autonomia é o Iraque pós-Saddam.
Erdogan e Ahmadinejad têm, portanto, outras razões para se aproximarem além do enriquecimento do urânio. Este mosaico sutil não alcança nossa imprensa. Nem este nem os outros. A contextualização das informações ainda não foi contemplada pelas reformas e mudanças dos nossos jornais.
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Em tempo [incluído às 13h40 de 31/5] — Este comentário foi escrito e enviado ao Observatório na noite de domingo (30/5). As primeiras notícias sobre o ataque israelense só foram veiculadas pela mídia brasileira na segunda-feira pela manhã, 12 horas depois. A crítica sobre a falta de informações a respeito da política turca no tocante aos curdos não pode ser relacionada com uma terrível ação militar israelense noticiada depois de escrito o comentário. Esta ação está sendo devidamente acompanhada e condenada pelos portais de notícias, rádios e TV brasileiras. (A.D.)