Eu não abro mão das minhas convicções – Alberto Dines, 24/5/05
O Observatório da Imprensa na TV reservou o programa de 24/5 para discutir/debater o Estatuto do Desarmamento. O Observatório, um programa jornalístico, convidou o advogado Benê Barbosa, da ONG Viva Brasil; a ex-juíza e hoje deputada Denise Frossard; e o sociólogo e escritor Antônio Rangel Bandeira, celebrado autor de Sombras do Paraíso [R$ 18,00 no sebo Móbile] e também vice-presidente da ONG Viva Rio. O único jornalista presente era Alberto Dines, que comanda o programa.
Note-se que o considerado Dines, mestre de todos nós, queria tudo no seu programa, menos conduzir um debate de verdade. Ali, todos eram e são favoráveis ao desarmamento da população; torcem para que o povo diga sim à proposta do governo e que o Brasil não tenha mais fábricas nem comércio de armas de fogo.
Por que um programa jornalístico, sério e democrático como o Observatório da Imprensa não convidou jornalistas para o anunciado debate? Por que lá não apareceu, por exemplo, Luiz Garcia, editor de opinião e ombudsman de O Globo, que costuma dirigir contra as armas o seu pacifismo impetuoso? Ele poderia, ao lado de Alberto Dines, formar o paredão no qual seriam fuzilados os argumentos de pelo menos um jornalista que fosse contrário ao desarmamento, como aquele nosso colega, o… aquele… Bom, neste momento em que perpetro estas mal-traçadas, só me ocorre um nome, o do humilde porém atrevido jornalista Moacir Japiassu.
Preconceitos paternalistas
Japiassu não deve ser o único jornalista brasileiro a abominar esse carnavalesco desfile de patacoadas que nasceu com o Estatuto do Desarmamento e que conhecerá sua apoteose no referendo marcado para outubro. Japiassu parece ser, todavia, o único disposto a oferecer a cara aos tapas do obscurantismo. Fala, escreve em sua coluna do Comunique-se (coluna quase sempre reproduzida aqui no Observatório), grita, esperneia, embora não conheça pessoalmente os integrantes da chamada ‘bancada da bala’ da Câmara dos Deputados e nunca tenha visto, mais próspero e mais gordo, nenhum dos fabricantes de armas e munição.
Por que o Observatório não convidou Japiassu e Luiz Garcia para o debate com Dines mais o sociólogo/escritor Antonio Rangel Bandeira, a deputada Frossard e o advogado Benê? Na qualidade de telespectador contumaz do programa, tenho a impressão de que Japiassu não está muito abaixo dos demais convidados. Afinal, vive do jornalismo há 43 anos dos 63 de sua idade. Dines o conhece desde 1964, quando foi seu chefe no velho e glorioso Jornal do Brasil, e sabe que o jornalista não é um cabra safado, nem fascista, essas coisas que costumam dizer da gente quando falecem os argumentos. Aliás, o jornalista transcreveu seu currículo no Blogstraquis para avaliação das pessoas de bem.
O que Moacir Japiassu iria fazer no debate do Observatório, aquele debate que não houve por falta de jornalistas/debatedores? Descartaria, de cara, a apresentação de qualquer estatística mentirosa. Ora, nem o presidente Lula, que não se afina com intelectuais, acredita em estatísticas, principalmente as do IBGE, quando este apresenta à nação a realidade da fome que o PT adora fantasiar. À frente das câmeras, também desarmado de documentos sujeitos a suspeição, o jornalista se dispunha a fazer apenas a defesa da liberdade. Numa democracia, quase nada se deve proibir; confia-se na responsabilidade de cada cidadão e será exemplarmente punido aquele que agir de modo insensato.
Quem quiser ter uma arma (legal) em casa, que a tenha. O governo não pode nem deve proibir a posse da arma com base em conceitos e preconceitos paternalistas, do mesmo modo como foi absurda e ridícula a tentativa de retirar do mercado o álcool líquido, só porque algumas crianças semi-abandonadas sofreram acidentes ao acender o fogareiro. Não teria sido medida mais humana e inteligente a construção de creches que atendam os filhos de quem não conseguiu nenhum dos dez milhões de empregos prometidos pelo governo?
Indignação cultivada
Todos sabem que vivemos num país de merda, numa democracia de merda, sob a qual o que não é proibido é obrigatório. É tão espetacular a corrupção em todos os níveis que, evidentemente, a proibição das armas vai apenas abrir novos caminhos ao contrabando. Em vez de um honesto trezoitão comprado na loja, qualquer um que tenha algum na caderneta de poupança poderá levar para casa fuzis, metralhadoras, bazucas, granadas. Armamento de guerra, e cada vez mais barato, por causa da concorrência entre as tantas quadrilhas de traficantes. E vamos poder comprar em dez vezes no cartão de crédito ou cheques pré-datados.
Eram esses, entre outras caganifâncias permitidas nas verdadeiras democracias, os argumentos que Japiassu defenderia no debate do Observatório, aquele debate que poderia ter sido e que não foi. E o mais irônico é que, convidado, Japiassu não poderia aceitar a honraria, pois está adoentado, proibido de se ausentar do longínquo sítio onde vive e cultiva sua cada vez mais vicejante indignação.
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Jornalista e escritor