Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O debate que interessa

Estudo do Centro Pew de Pesquisas, observatório americano de imprensa nascido na Universidade Columbia, constata que a tragédia na cidade de Newtown, da qual resultaram mortas 20 crianças e 7 adultos, provocou um número maior de manifestações em favor de mais controle do comércio de armas no país.

É muito maior, desta vez, nas mídias sociais digitais, a preocupação com a disseminação das armas do que nos dias que sucederam, por exemplo, o 8 de janeiro de 2011, quando um atirador matou seis pessoas e feriu gravemente a congressista Gabrielle Giffords. Naquela ocasião, a maioria dos comentários girou em torno do clima político destemperado e apenas 3% se referiram à legislação sobre armas.

Também no episódio de fevereiro de 2012, ocorrido na Flórida, quando o adolescente Trayvon Martin foi morto a tiros por George Zimmerman sem motivação aparente, as discussões giraram mais em torno da questão do racismo do que do porte de armas. Zimmerman, homem branco que atuava como vigilante comunitário voluntário, considerou suspeita a maneira como Martin, estudante negro de 17 anos, caminhava entre as casas do bairro, onde ele fora para visitar a namorada do pai. Abordou o jovem e o matou a tiros. O caso ainda está em julgamento e eventualmente retorna à mídia da Flórida, mas não suscita a questão do controle de armas de fogo.

Segundo a pesquisa, o caso de Newtown ocupou, entre os dias 14/12, data do massacre, e 17/12, pelo menos 30% das conversações monitoradas nas redes sociais digitais. Das interações no Twitter, por exemplo, 64% se manifestavam por maior controle legal das armas de fogo, 21% defendiam a manutenção da atual legislação e 14% se mantinham neutras.

No caso dos blogs, que implicam textos mais longos e mais exposição individual, 46% dos opinadores apoiavam maior rigor na venda de armas, 21% defendiam a manutenção das regras e 32% se mantinham neutros.

Também a imprensa tradicional americana se refere mais à questão das armas, neste episódio, porém com excessiva cautela: foram publicados no período 11 artigos e 14 editoriais defendendo um controle mais rigoroso, enquanto apenas 1 artigo e 3 editoriais defenderam a atual legislação.

Ao contrário da imprensa brasileira, que preferiu discutir a responsabilidade pessoal pelo crime, houve apenas 3 artigos com referência centrada na questão da saúde mental do assassino.

Um novo ciclo

Qual é a diferença básica entre levar a discussão à questão do controle de armas e limitar o debate às supostas responsabilidades do jovem assassino e de sua mãe, ambos mortos?

Em primeiro lugar, a personalização do crime produz certo alívio quanto às implicações sociais do massacre: se ficarmos restritos a um ou dois personagens, podemos “cozinhar” os sentimentos trágicos provocados pela consciência da brutalidade do fato até que o tempo dissolva o mal-estar.

Como a maioria das vítimas eram crianças que mal podiam correr, não existe a possibilidade de desvios para essa angústia, como eventuais culpas de vítimas em caso de bullying e outras manobras mentais que costumamos montar para lidar com nossa própria desolação.

Os números do Pew Center sobre a reação da sociedade americana, medida pela temática das conversações nas mídias sociais, revela que esse pode ter sido o evento mais traumático na lista dos massacres ocorridos em escolas – um tipo de ocorrência que se repete com frequência preocupante nos Estados Unidos.

Ainda assim, embora o número de artigos e editoriais, na imprensa americana, questionando a liberdade para o porte de armas, tenha superado as opiniões em favor da atual regulação, o observatório de imprensa Media Matters lembra que o noticiário e as análises omitem o fato de que o governo do ex-presidente George Bush produziu, em 2005, uma lei (ver aqui, em inglês) protegendo a indústria e o comércio de armas de ações judiciais por responsabilidade compartilhada ou negligência, quando seus produtos são usados em ações criminosas.

Segundo a ONG Media Matters, não haveria ocasião mais adequada para a imprensa colocar em debate essa lei do que o massacre de crianças promovido por armas legalizadas.

A emocionada manifestação do presidente Barack Obama, feita algumas horas depois da tragédia, na qual ele pediu reflexões sobre o assunto, tornou-se o vídeo mais acessado no Youtube, com 7 milhões de visualizações.

Mas a imprensa não se sensibilizou. A imprensa parece conformada com este tempo de rupturas e não se mostra capaz de se aproximar da intensidade dos sentimentos que a notícia provoca. Segundo a Folha de S. Paulo, as supostas profecias maias sobre o 21/12/2012, temido por muitos como a data do fim do mundo, na verdade se referiam ao início de um novo ciclo.

Que seja um tempo de paz.

Leia também

Muito além do massacre – L.M.C.