Saturday, 02 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

O diferencial da cobertura

Está evidente na cobertura do levante popular no Egito que a mídia já não pode ser avaliada segundo padrões locais – seus procedimentos e reações tornaram-se genéricos, corporativos. Por mimetismo ou pressa, o que era instinto converteu-se em paradigma.


No trabalho de campo seria possível identificar diferenças: repórteres fluentes em árabe e com o domínio dos antecedentes certamente produzirão material mais palpitante e mais profundo, porém os comandos das redações – a milhares de quilômetros de distância – trabalham com padrões de exigência cada vez mais assemelhados.


A necessidade de carimbar as coberturas com um selo ou vinheta logo nos primeiros momentos para servir de referência nos dias seguintes produz simplificações e distorções. A ‘revolta do mundo árabe’ é uma etiqueta muito apelativa, mas, por enquanto, wishfull thinking imaterializado: ditaduras mais antigas e talvez mais encarniçadas do que a de Hosni Mubarak – como a da Líbia e da Síria – se mantêm intocadas e inabaláveis.


Cruzada civilista


Muammar al-Khaddafi (ou el-Gadafi) está no poder há 42 anos. Bashar al-Assad faz parte da segunda geração de ditadores da Síria: seu pai ficou 29 anos no poder e quando morreu de um ataque cardíaco, em 2000, o filho o sucedeu. Juntos, os Assad batem Mubarak em 10 anos. O fato de ser formado em medicina, treinado na Inglaterra como oftalmologista e ter casado com uma elegante inglesa de origem síria, até o momento não produziu qualquer abrandamento do regime.


Uma avaliação mais precisa do que aconteceu no Egito começou a aparecer no domingo (6/2) nos jornalões brasileiros quando os enviados Samy Adghirni (Folha de S.Paulo) e Jamil Chade (Estado de S.Paulo) trouxeram para os seus leitores um ângulo até agora intocado: desde a queda da monarquia em 1952, a chefia do Estado egípcio jamais foi ocupada por um civil.


O general Muhammad Nagib, líder do grupo de ‘Oficiais Livres’ que depôs o rei Faruk, foi derrubado dois anos depois pelo carismático coronel Gamal Abdel Nasser. O coronel Nasser manteve-se 18 anos no poder e foi substituído por seu amigo Anwar al-Sadat, outro destacado militar do grupo dos ‘Oficiais Livres’. Quando foi assassinado em 1981, durante um desfile militar, quem o substituiu foi o comandante da força aérea que estava ao lado e foi levemente ferido: Hosni Mubarak.


No domingo (6), ao criticar frontalmente a participação dos militares na transição, o prêmio Nobel da Paz (2005) Mohammad el-Baradei tocou numa questão crucial. Se levar adiante a cruzada civilista terá iniciado uma efetiva revolução no mundo árabe.


Convém pensar desde já numa tag mais forte e mais chamativa.