Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O dilema de um ensino público de qualidade

Muito tem se falado das falhas da última versão do Enem. Falhas em um exame tão abrangente acabam por nublar outros fatos – nesse caso, sintomas da patológica política educacional que vem sendo realizada em nosso país. Dois textos da Gazeta do Povo (19/11/2010, ‘Imagem em prova escandaliza escolas‘, e 18/11/2010, ‘O resgate do prestígio do professor‘, de Jacir J. Venturi) chamam a atenção em especial.

O autor do segundo texto é professor e diretor de escola. Assim, temos uma imagem de professores construída por um membro da corporação. Logo no início utiliza o termo resgate. É de se supor, então, que para resgatar a dignidade dos professores há de se arcar com um preço. O ônus sugerido pelo professor não deixa de mencionar a valorização salarial dos docentes, mas parece dar mais importância à valorização do mérito, de professores que conseguirem fazer seus alunos atingirem boas notas em avaliações institucionais duvidosas, ao gosto da cartilha pessedebista.

O professor também relata uma experiência de convívio que teve com professores japoneses. Aqui no Brasil muito se observa o sucesso que outros países conseguiram no setor educacional, mas nada de seus problemas. Embora a educação japonesa deva estar em melhor situação que a nossa, é bom lembrar que só recentemente tornaram o ensino médio obrigatório, como podemos ver em ‘Gratuitos, mas desiguais’, Le Monde diplomatique Brasil, 10/2010. No que diz respeito ao salário dos professores nipônicos, o próprio professor afirmou que estes se queixavam de despender metade de seus vencimentos com o aluguel na periferia de Tóquio.

A valorização dos professores por mérito

Já o primeiro texto chama a atenção para uma imagem politicamente incorreta (http://alexandre-profissoperigo.blogspot.com/2010/11/imagem-em-prova-escandaliza-escolas.html) incluída numa avaliação da educação infantil realizada pela Secretaria de Educação de Curitiba. Embora a impropriedade da imagem chame mais a atenção, não deixa de ser apenas um sintoma da política do governo tucano que realiza tais avaliações semestralmente. Política nada diferente da implementada no estado de São Paulo e chega dar calafrios lembrar que o governador eleito do Paraná é outro tucano.

Diane Ravitch foi assistente do secretário de Educação Lamar Alexander no primeiro governo George Bush, em 1991. Após sair do governo defendia a remuneração por mérito e a generalização dos testes de avaliação. Em artigo recente, ‘Escolas privatizadas desempenho pífio’ (Le Monde diplomatique Brasil, 10/2010), afirma que, observando os efeitos de tais políticas, a educação oferecida às crianças de seu país peca por problemas de gestão, de organização e de avaliação dos estabelecimentos.

Os problemas elencados por Ravitch aparecem em outra versão nos depoimentos da reportagem de 19/11 da Gazeta do Povo. Avaliações demasiadas: ‘O professor só pensa na prova, em se sair bem, em tirar uma boa nota.’ O representante da Secretaria de Educação curitibana nega que o objetivo das avaliações seja ranquear as escolas, mas o objetivo é claro como água. Nos EUA, o objetivo das avaliações era verificar as escolas que não atingiam as metas e mudar drasticamente a gestão dessas, chegando a demitir professores, caso não conseguissem fazer seus alunos atingir o desempenho desejado. Atualmente, as escolas que perderam autonomia não estão alcançando resultados melhores que antes e se preocupam exclusivamente em preparar os alunos para as avaliações.

O discurso da valorização dos professores exclusivamente por mérito aferido por avaliações generalizadas está se impregnando na educação brasileira. Não apenas entre dirigentes políticos, mas também entre os próprios professores. A inspiração são os países onde a educação dá certo, como Coreia do Sul e Islândia, mas o exemplo dos países onde esse modelo fracassou é ignorado. A educação estadunidense e a brasileira têm em comum o fato de estarem no dilema de como proporcionar um ensino público de qualidade. Lá, esse modelo já aponta uma série de mazelas. Se aqui continuarmos a nos enveredar por esse caminho os resultados podem ser piores.

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Professor de História, Ponta Grossa, PR