A edição de janeiro de 1976 do jornal Unidade, do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, trouxe a lista dos 851 jornalistas de São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília e Porto Alegre que assinaram o documento ‘Em nome da verdade’, enviado no dia 6 daquele mês à 1ª Auditoria Militar, no qual os signatários contestavam um relatório fraudulento sobre a morte de Vladimir Herzog. (Outras 153 assinaturas, entre elas todas as de Curitiba e Natal, não chegaram a tempo de ser publicadas; a soma dá 1.004). Herzog, diretor de telejornalismo da TV Cultura, fora assassinado em dependências policiais-militares no dia 25 de outubro de 1975.
‘Interessados na descoberta da verdade e na total elucidação dos fatos, por força mesmo da natureza da nossa profissão, vimos de público levantar algumas indagações, sugeridas pela leitura do Relatório do Inquérito Policial-Militar divulgado no último dia 20 de dezembro’, diz a abertura. Digna da melhor prática do jornalismo. O texto todo é completamente circunstanciado [veja, nesta rubrica, a íntegra do documento e a lista dos signatários] e revela absoluta lucidez política, porque se caminhava sobre o fio da navalha.
Era uma época de terror. Herzog havia sido morto e muitos outros jornalistas estavam ou viriam a ser presos, como Maurício Azêdo, signatário do documento, hoje presidente da ABI. Todos selvagemente torturados, e isso não havia quem não soubesse.
A morte de Herzog fora precedida de uma batalha política na própria imprensa. Enquanto Alberto Dines denunciava a perseguição na Folha de S.Paulo, no Shopping News Cláudio Marques dedurava e incitava a repressão.
Os signatários foram corajosos. E se cotizaram para republicar o manifesto no jornal O Estado de S.Paulo, que o aceitou (um dos assinaram foi Rui Mesquita Filho, hoje diretor do Estadão, e vários outros nomes eram da equipe desse jornal). Foi a eles que Fernando Pacheco Jordão dedicou seu extraordinário livro Dossiê Herzog – prisão, tortura e morte no Brasil.
Audálio Dantas, que era o presidente do Sindicato dos Jornalistas e foi o condutor do processo, conta como as coisas aconteceram [leia matéria nesta rubrica].
Nos próximos dias, Audálio fará contatos com a antiga diretoria do sindicato para propor que a lista seja reaberta, desta vez com o objetivo de reivindicar a abertura dos arquivos da repressão, como pediram nos últimos dias outros dois protagonistas daqueles episódios – o cardeal d. Paulo Evaristo Arns e o rabino Henry Sobel.
A maior homenagem que se pode fazer a Vladimir Herzog talvez seja afirmar que ele seria um dos signatários do manifesto se outro colega tivesse sido a vítima.
[Nas próximas páginas desta rubrica, veja os artigos de Audálio Dantas e de Márcio Chaer, matéria sobre a urgência da abertura dos arquivos da repressão, reprodução da coluna ‘Jornais dos Jornais’ (Alberto Dines) de 2/11/1975, e a íntegra do documento ‘Em nome da verdade’ (6/1/1976) com a lista dos signatários]