Nos últimos anos, a ciência política brasileira tem desenvolvido uma ampla literatura sobre o funcionamento do sistema eleitoral brasileiro, mais precisamente enfocando as pesquisas eleitorais sob diferentes perspectivas. Em sua maioria, tais estudos têm demonstrado uma visão positiva acerca dos mesmos no que diz respeito à sua atuação no espaço político ou em termos de estabilidade competitiva entre os candidatos. Na verdade, a estrutura competitiva eleitoral é tida como uma das atividades primordiais dos atores políticos (candidatos, partidos, mídia etc.) em uma democracia representativa.
Não se trata aqui de fazer uma revisão das principais abordagens teóricas sobre o tema, porém é importante, para os objetivos deste artigo, mencionar que as diferentes correntes têm perspectivas de análise distintas acerca de como se estruturam as identidades políticas brasileiras e os vínculos entre os partidos e o eleitorado.
No Brasil, as campanhas eleitorais têm apresentado um contexto programático e determinado pelo conformismo eleitoral, ou seja, não há um grau de confiabilidade e legitimidade nos candidatos por parte da população. Geralmente, há um contexto político partidário que elege com antecedência quem deve concorrer ao cargo majoritário, portanto cabe à população dar seguimento a essa escolha optando pelo candidato que já foi eleito pelo partido. Todavia, esse contexto referendado, por sua vez, abrange uma discussão presente em nossa cultura eleitoral: as transformações do comportamento do eleitor brasileiro.
‘Apenas mais uma informação disponível’
Segundo Márcia Cavallari, diretora do Ibope (Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística), ‘o eleitor está mais pragmático em suas escolhas eleitorais, referenciando sua decisão de voto na experiência eleitoral anterior, na avaliação do desempenho do governo atual e nas candidaturas que percebe como mais capazes de dar continuidade aos avanços que o Brasil obteve em vários aspectos, sobretudo na economia e na área social’ [retirado do artigo ‘O papel das pesquisas no processo democrático‘ acessado em 05/10/2010].
Nesse sentido, o pragmatismo citado por Márcia deve proporcionar uma maior disposição dos cidadãos no apoio à democracia, permitindo uma maior participação em assuntos públicos e até mesmo nos espaços de deliberação. No entanto, o principal grupo de eleitores, segundo Márcia, reúne uma grande parcela da população brasileira que vota de acordo com seus interesses pessoais do momento – ‘o importante, para esse eleitor, é entender que vantagem ele leva escolhendo um ou outro candidato’.
É com base nessas constatações que passa a existir nossa preocupação.
Explicando melhor: alguns estudos têm chamado atenção para o papel das pesquisas eleitorais quanto à sua capacidade de influência nas eleições. Segundo Márcia Cavallari, ‘as pesquisas são apenas mais uma informação disponível para os cidadãos durante todo o processo eleitoral. A elas somam-se as notícias divulgadas em jornais, a propaganda eleitoral gratuita, o desempenho dos candidatos em debates ou programas de entrevistas, os programas de governo e mesmo o carisma individual de cada candidato. Para escolher em quem votar, o eleitor considera cada um desses fatores, somado à opinião de pessoas de seu convívio social’ [retirado do artigo ‘O papel das pesquisas no processo democrático‘ acessado em 05/10/2010].
A dinâmica histórica da democracia
Respeitamos a opinião da diretora do Ibope, porém devemos levar em conta que há uma grande margem de interesses (políticos, econômicos e sociais) no cenário eleitoral brasileiro e as pesquisas passam por uma crescente popularidade – não somente os jornais e revistas aderiram em peso, como também diversas empresas de bens de consumo criaram as chamadas ‘pesquisas corporativas’ ou passaram a utilizar as pesquisas como parte de sua estratégia para financiar as campanhas eleitorais de seus candidatos.
Dessa forma, resulta num engano pensar a pesquisa eleitoral como sendo restrita apenas ao aparato institucional de mais uma fonte de informação a população. É como reduzir a concepção das pessoas a uma visão simplista daquilo que é, na verdade, um negócio lucrativo. Ora, por favor, caro leitor, pare e pense na análise das informações contidas nas pesquisas que posteriormente são veiculadas por um universo midiático complexo, regido por estratégias mercantilistas que buscam a manutenção da ordem vigente. São propriedades que, naturalmente, pertencem ao processo de edificação do discurso fabricado pelos meios corporativos. Esse discurso corporativista se constrói, assim como qualquer outro, sob a luz da parcialidade. Ele pretende-se neutro, escondendo-se sob a máscara da objetividade moral e eticamente aceita pela sociedade. Entretanto, a linguagem empregada busca, de algum modo, apresentar a postura e a visão de mundo de seu proprietário e/ou patrocinador.
De todo o exposto, resta um desafio aos leitores deste texto. Por favor, prestem atenção no ‘mundo’ que nos é trazido, que conhecemos a partir das pesquisas eleitorais. É um mundo que nos chega editado, ou seja, é redesenhado num trajeto que passa por centenas, às vezes milhares de filtros até que ‘apareça’ nos jornais, no rádio, na televisão e na internet. Tal perspectiva, geralmente, é escondida ou negada nos espaços midiáticos.
Aceitando esse desafio, você estará dando um testemunho valorativo das pesquisas eleitorais. Para finalizar essa discussão, identificamos que há um espaço naturalizado na política, principalmente, no que se refere às pesquisas eleitorais que transitam e demarcam a dinâmica histórica da democracia brasileira. Reconhecemos, assim, que os eleitores são influenciados pelas pesquisas, tanto no seu comportamento quanto também na forma como são conduzidas e financiadas as campanhas eleitorais.
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Psicólogo social, Porto Alegre, RS