Matéria publicada no portal Comunique-se na sexta-feira (11/6) destacou uma reportagem da revista The Economist intitulada ‘A sobrevivência da tinta’, sobre a boa performance dos jornais impressos [ver, neste Observatório, ‘Teimosos e lutando pela sobrevivência‘]. Ao contrário das previsões catastróficas de 2009, a reportagem mostra um cenário favorável à recuperação dos títulos norte-americanos e registra lucros recordes na Alemanha, além do crescimento da circulação no Brasil.
A revista afirma que ‘a crescente classe média do Brasil gosta dos jornais baratos, que exploram os assassinatos e biquínis’. Eis o X da questão: a classe média brasileira não está em franco crescimento. De fato, as condições econômicas do país após o Plano Real permitiram a gradativa inclusão das classes C e D no mercado de consumo, com pequena melhoria de renda e facilidades de crédito. No entanto, a conta desse milagre tem sido paga justamente pela classe média.
Os tablóides sensacionalistas geralmente são consumidos não pela classe média, mas por pessoas das classes C e D, que antes não tinham dinheiro para comprar jornais e que ainda apresentam uma baixa formação escolar. Daí o sucesso das publicações baratas, com matérias rasas e enxutas que podem ser folheadas numa viagem de ônibus ou metrô. Mas se esse é o modelo vencedor da mídia impressa brasileira, isso significa que o jornalismo nacional vai de mal a pior.
O Brasil tem características particulares que devem ser levadas em conta nesse tipo de análise. Como bem lembrou a senadora Marina Silva, no discurso de lançamento de sua candidatura à Presidência da República, na quinta-feira (10/6), cerca de 18% dos jovens brasileiros ainda são analfabetos. Isso sem levar em conta aqueles que passam pela escola sem que a escola passe por eles. São os analfabetos funcionais, que têm dificuldade até para escrever o próprio nome. Os tablóides sensacionalistas quase sempre são mal feitos. Apresentam erros de português e informações pela metade, que a clientela despreparada nem percebe.
Estatísticas apontam que o ensino básico brasileiro é um dos piores do mundo, gerando uma crescente massa de analfabetos funcionais. Em vez de reformar o ensino básico e oferecer uma escola pública e gratuita de qualidade para todos, o governo optou pelas cotas na universidade. Em outras palavras, nossas autoridades preferem remendar o telhado que reforçar o alicerce da casa. As cotas são importantes para remediar as desigualdades, mas é preciso bem mais que isso. Sem uma base sólida de conhecimento, os futuros formandos terão sérias dificuldades para sobreviver num mercado de trabalho cada vez mais exigente. Essa é a dura realidade que poucos conseguem enxergar.
Sem leitura, difícil pensar
O hábito da leitura no Brasil sempre deixou a desejar, mesmo em comparação com outros países emergentes. Isso reflete diretamente no baixo consumo de livros, jornais e revistas. Os editores, no entanto, nunca cogitaram fazer uma cruzada nacional em prol da alfabetização e pela melhoria da educação no país. Crianças e jovens são subestimados, tratados como cidadãos de segunda classe. Haja vista a falta de espaço nos jornais para divulgar a boa literatura infanto-juvenil, importante aliada na formação de leitores. Vale lembrar Monteiro Lobato: ‘Um país se faz com homens e livros.’ A mensagem é mais simples do que parece. Sem o hábito da leitura, não há jornal que se sustente.
O mais grave é que os grandes jornais estão diminuindo o conteúdo das informações impressas. A cada reforma gráfica, encolhem o texto, aumentam os espaços em branco, o tamanho das fotos e dos infográficos, na ilusão de atrair um novo cliente. O problema é que esse tipo de ‘leitor’ prefere a informação rasa e instantânea da televisão ou dos tablóides sensacionalistas, pois sem o hábito da leitura fica difícil pensar.
A ética dos patrões
Outros têm ao seu alcance os blogs e sites especializados, com a publicação cada vez mais veloz da notícia. Basta lembrar que a morte de Michael Jackson foi anunciada por um site pouco conhecido, muito antes que a grande imprensa ficasse sabendo. Em vez de analisar os fatos e dar voz aos diferentes setores da sociedade, com plena liberdade de opinião, os grandes jornais evitam polêmicas e se limitam a publicar notícias velhas e pasteurizadas. A manchete de hoje foi destaque ontem na TV, no rádio, nos blogs, no Twitter. A não ser quando se trata de um furo ou de reportagem especial, o diferencial do veículo impresso seria justamente a repercussão e a análise da notícia por especialistas no assunto.
A verdade é que quanto mais tentam imitar os novos meios, mais os jornais impressos perdem leitores fiéis e alinham o conteúdo por baixo. É como se publicassem notícias para quem não gosta de ler. Isso talvez explique o fim da obrigatoriedade do diploma para o exercício do jornalismo decretado há um ano pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Para fazer esse tipo de trabalho, não é preciso formação alguma. Basta seguir a ética de patrões que reduzem a visão de jornal a um simples balcão de negócios.
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Escritor e jornalista, Belo Horizonte, MG