Friday, 27 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

O espetáculo na mídia americana

A volta de Sean Goldman para os Estados Unidos teve um certo ar de anticlímax para as emissoras de TV norte-americanas, que passaram a semana falando do assunto. O caso do menino americano, que vivia há cinco anos com a família brasileira, recebeu nas emissoras de TV o mesmo tempo destinado ao grande assunto da semana: a votação, no Congresso, da nova política para o sistema de saúde pública do país. E as emissoras contavam com a chance de mostrar o encontro, lágrimas de lado a lado e, claro, muita emoção. Afinal, o assunto Sean tinha deixado de ser tratado apenas como notícia. Era mais um reality show ou um bela novela, com direito a risos e lágrimas. A ponto de, no noticiario de quarta-feira (23/12), a apresentadora do jornal da noite da CBS ter dito à advogada americana do pai biológico, David Goldamn: ‘É ótimo finalmente ver você sorrindo’.

E as TVs americanas fizeram a festa. Nem a votação no Congresso ocupou tanto tempo no ar. As redes nacionais – ABC, CNN, NBC, CBS – repetiam (e renovavam) a cada momento a história de Sean. Seria esse ‘fato jornalístico’ tão importante assim?

Na hora decisiva, os apresentadores de TV – que não faziam questão alguma de mostrar imparcialidade, e diziam claramente ‘estamos torcendo por você, que aconteça o melhor’, etc., etc – não tiveram chance de filmar o encontro de pai e filho. Só conseguiram falar por telefone (a caminho do aeroporto) com o deputado Christopher Smith (de New Jersey) que se referiu o tempo todo à família brasileira como ‘seqüestradores’. Pai e filho viajaram para os EUA em avião fretado pela rede NBC, que teria fechado com o pai biológico um acordo de exclusividade para a cobertura do caso.

Histórias melosas

A imprensa brasileira registrou que o menino chorou antes de entrar no consulado americano do Rio de Janeiro, mas o deputado Smith declarou a telejornais americanos que Sean estava alegre e conversando sobre basquete com o pai.

O espantoso nessa cobertura foi verificar que os jornalistas norte-americanos, sobretudo os âncoras das várias emissoras de TV, não tiveram qualquer preocupação com a objetividade. Trataram o assunto como uma final de Copa do Mundo, tomaram partido, torceram e trataram a família brasileira (e, de quebra, o governo brasileiro) como adversários. Temiam, a cada momento, que um novo mandado de segurança fosse impetrado, impedindo a volta do menino para os Estados Unidos.

Como o pai manteve uma postura discreta, evitando falar com a imprensa (talvez aconselhado por seus advogados, talvez por força de um acordo com a NBC), as TVs americanas fizeram de tudo para manter o assunto no ar. Entrevistaram o avô americano do menino, falaram com o amigo e fundador da ONG Bring Sean Home, entrevistaram diariamente a advogada americana e procuraram com psicólogos para saber os problemas que o menino deve enfrentar em sua adaptação nos Estados Unidos.

A família brasileira não foi poupada nem na hora de entregar o menino. De acordo com os principais telejornais americanos, eles poderiam ter evitado o tumulto que se formou na frente do consulado, mas preferiram fazer o percurso a pé, como forma de mandar uma mensagem, já que poderiam ter entrado pelos fundos. O consulado sustenta ter oferecido a possibilidade de o menino entrar pela garagem, e a família brasileira desconheceu a oferta.

A verdade é que, se para a mídia americana falou objetividade, para a imprensa brasileira falou percepção. Correr atrás da história nos momentos finais (a chegada ao consulado) foi muito pouco. Os jornais e as TVs perderam uma grande chance de entrar na briga internacional e, a exemplo do que aconteceu nos EUA, usar o drama familiar para enriquecer o noticiário de Natal, tão pródigo em histórias melosas, de amor e boa vontade entre os homens. De todo modo, no caso do menino Sean os jornalistas americanos não estavam muito interessados em promover o entendimento. Nem tentaram ouvir o outro lado da historia.

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Jornalista