Thursday, 14 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

O Estado de S. Paulo

STF, MENSALÃO & MÍDIA
Editorial

A nossa ditadura

‘Os historiadores e cientistas políticos talvez tenham que forçar seus doutos e criativos bestuntos para tentar interpretar um fenômeno sociopolítico absolutamente inédito nos sistemas de governo contemporâneos: trata-se da recentíssima descoberta da ‘ditadura da mídia’. A novel formulação teórica certamente deverá despertar profundos estudos e pesquisas no âmbito acadêmico, tendo como base de trabalho as reflexões de três figuras do universo público caboclo: o ministro da mais alta Corte de Justiça do País, o Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski, o ex-ministro da Casa Civil, ex-secretário e ex-presidente do Partido dos Trabalhadores (PT), José Dirceu, e o ex-presidente da Câmara dos Deputados João Paulo Cunha – portanto, pessoas que já exerceram ou exercem cargos de grande responsabilidade nos Poderes desta República.

O ministro Lewandowski, que, por uma característica pessoal de distração que já está parecendo crônica, propiciou à mídia exacerbar seus poderes de big brother de forma absolutamente inédita na história das proezas jornalísticas – a saber, a foto a longa distância de uma tela de notebook e a captação também a distância de uma longa conversa de celular em meio a ruídos de badalado restaurante brasiliense em noite de show -, afirmou que a mais alta Corte de Justiça do País decidira no julgamento de admissibilidade da denúncia do procurador-geral da República, relativa aos crimes dos ‘mensaleiros’, sob a coação da imprensa. Os magistrados do Pretório Excelso, disse ele, que até então ‘tendiam a amaciar para Dirceu’, mudaram para a tendência de endurecer porque estavam ‘com a faca no pescoço’.

Aproveitando, imediatamente, com a esperteza do costume, a ‘deixa’ do ministro Lewandowski, o ex-ministro José Dirceu, em entrevista coletiva convocada para se defender das acusações de corrupção ativa e formação de quadrilha, dizendo-se ‘perplexo, estupefato e quase em pânico’, brandindo na televisão o exemplar da Folha com a manchete do ‘amaciamento’, afirmou, peremptoriamente, que o julgamento do Supremo Tribunal Federal estava ‘sob suspeição’, por causa da pressão da imprensa, concluindo assim: ‘Estamos caminhando quase para a ditadura da mídia.’ O ex-ministro não explicou bem a razão desse ‘quase’, dando a entender, no entanto, com o termo, que a ameaça da tirania midiática talvez ainda tenha condições de sofrer processo de reversibilidade. Pelo menos, reconhecendo que ‘os jornais são pluralistas’, ele tacitamente admite que a ditadura que vê ameaçando o Brasil seria também ‘pluralista’. O que não seria o caso de uma eventual ditadura do seu PT.

Já o ex-presidente da Câmara dos Deputados – e também réu mensaleiro – João Paulo Cunha, em noite de desagravo oferecida por companheiros numa emblemática pizzaria (com a importante participação da célebre coreógrafa e dançarina da ‘dança da pizza’ a ex-deputada Ângela Guadagnin), atacou a mídia, citando nominalmente os grupos de comunicação do País e respectivas famílias controladoras, e dizendo que ‘todos esses grupos são internacionais’ – o que, aliás, podemos garantir que não é o caso do Grupo Estado, que tem capital 100% nacional. Mas se percebe que Cunha extrapolou as reflexões de seus dois citados companheiros de teorização política-comunicológica para lhes dar amplitude internacional, o que talvez se baseie nas noções que possui de globalização e sistemas de comunicação online…

Antes de sermos informados, em fonte tão segura, que temos um poder que nunca suspeitamos, talvez porque nossa luta pelo aperfeiçoamento das instituições democráticas está longe de ser vitoriosa, supúnhamos que a chamada ‘pressão’ da imprensa significava, simplesmente, cobrança da opinião pública. Achávamos que a institucionalização da liberdade de imprensa, cujo marco inaugural foi a Primeira Emenda da Constituição norte-americana e sobre o que nossa Constituição deixa edificada a construção jurídica mais abrangente e detalhada, correspondia, plenamente, à evolução do Estado Democrático de Direito, porquanto a liberdade de expressão, informação e comunicação sempre foi ínsita à própria democracia, em sua acepção contemporânea. É neste sentido que a expressão ‘ditadura (pluralista) da mídia’ nos parece uma verdadeira contradição de termos. Mas quem somos nós, que nem sabíamos que éramos aprendizes de ditadores, para achar que parece?’

Ethevaldo Siqueira

Falando de tecnologia com os ministros do STF

‘Respeitáveis ministros do Supremo Tribunal Federal. Antes de mais nada, devo confessar que, como brasileiro, fiquei muito feliz com o enquadramento dos 40 do mensalão.

Como é bom acreditar que a impunidade vai acabar, ainda que, lá no fundo, meu coração me diga que, daqui a três anos, a maioria esmagadora desses 40 réus será absolvida.

Mas meu tema é tecnologia. Aceitar o novo não é fácil. Assim tem sido ao longo da história. A inovação sempre encontra resistência dos guardiães do direito, da justiça, da educação, da religião ou da economia. Digo isso ao referir-me de forma especial à recente decisão da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), que considerou inconstitucional a realização de interrogatórios por meio de videoconferência, no dia 14 do mês passado. Decisão unânime.

Recordando: o STF decidiu que a tomada de depoimentos por meio de sistemas de áudio e vídeo, sem a presença física do réu perante o juiz, é inconstitucional, uma vez que fere o direito de ampla defesa e torna os julgamentos ‘mecânicos e insensíveis’.

No caso em pauta, o Supremo concedeu habeas corpus e anulou a condenação de um réu interrogado por meio de videoconferência, em São Paulo, condenado em primeira instância a 14 anos, dois meses e 20 dias de prisão por extorsão mediante seqüestro e roubo.

Eis aí uma típica vitória do formalismo conservador contra o interesse da coletividade. Lembra-me a resistência de alguns bispos e clérigos – que, felizmente, não prevaleceu – contra as primeiras edições impressas da Bíblia de Gutenberg, produzidas segundo uma técnica ‘fria, metálica, artificial, sem o toque humano e sem a bênção de Deus’.

RESISTÊNCIA

A história tem centenas de exemplos de preconceito e resistência diante das inovações. Por volta de 1840, alguns médicos norte-americanos chegaram a condenar as viagens de trem por considerar ‘antinaturais e prejudiciais ao ser humano quaisquer deslocamentos a mais de 40 quilômetros por hora, já que o homem não consegue correr a mais de 36 km/hora’.

Outro caso clássico da luta do novo contra o velho, ocorreu em 1925, no Tennessee, Estados Unidos, tendo como personagem central o professor secundário John T. Scopes, processado num caso de repercussão internacional, por ensinar a teoria evolucionista de Charles Darwin. O defensor do professor, Clarence Darrow, foi proibido pelo juiz de discutir a validade do evolucionismo darwinista. O resultado foi desastroso. Considerado o maior advogado da época nos Estados Unidos, Darrow desafiou o promotor, o fundamentalista William Jennings Bryan, a defender a validade da interpretação bíblica ao pé da letra, criando-lhe os maiores embaraços e situações ridículas. Mesmo assim, o formalismo obscurantista venceu. O professor foi condenado a pagar uma multa de US$ 100 – importância maior do que seu salário de três meses, na época.

No passado, professores de matemática proibiam o uso da calculadora eletrônica, obrigando seus alunos a fazer cálculos infindáveis, sob pretexto de que aquelas maquininhas ‘emburrificavam seus alunos’.

ATRASO

Vejam, senhores ministros, como anda atrasada a Justiça quanto ao uso de novas tecnologias, como informática ou telecomunicações. Rejeitar a videoconferência – que em nada prejudica o direito de defesa dos mais perigosos criminosos, mas protege a população e economiza milhões – é mais uma decisão terrível na direção oposta ao progresso e à eficiência dos tribunais brasileiros.

Se vier a prevalecer, a imputada inconstitucionalidade da videoconferência é dessas decisões que confundem o povo, reforçando-lhe a impressão de que a defesa dos direitos humanos está muito mais centrada na integridade e na proteção ao bandido do que em suas vítimas.

Como entender a insensibilidade de magistrados diante dos riscos e elevados custos que o Brasil continuará tendo com a remoção de milhares de presos, muitos deles de alta periculosidade, apenas para interrogá-los com o rito tradicional?

No sistema de videoconferência implantado e utilizado pela Justiça criminal paulista, a comunicação entre juiz, promotor, advogados e depoentes se tem dado em tempo real com a utilização de canais exclusivos de áudio para que o réu possa conversar em sigilo com seus defensores.

Com a chegada da TV digital de alta definição e, em especial, dos moderníssimos sistemas de telepresença, recentemente exibidos nos Estados Unidos, a videoconferência confere o máximo de fidelidade de imagem e de realismo aos depoimentos, como se as pessoas estivessem praticamente frente a frente. Até as menores reações, como a palidez ou a respiração do depoente, podem ser captadas. Nada, portanto, de mecânico, frio ou insensível.

Diante da tecnologia, não cabe pavor nem deslumbramento. Temos que utilizá-la da melhor forma, em benefício do ser humano e de toda a sociedade.

Meu velho pai dizia: para o formalista o que vale não é a vacina que imuniza e salva, mas, o atestado, um papelucho que pode ser falso e mentiroso.’

O comissário da falsa dialética

Francisco Foot Hardman

‘O PT, além de novo partido da ordem, tornou-se, em sua retórica de autovitimização, o partido dos desagravos. Na penúltima sexta-feira, além da notícia do rodízio de pizza na noite anterior, confraternização de João Paulo Cunha e camaradas, para firmar protesto contra seu indiciamento pelo STF, realizada em churrascaria paulistana à la argentina (pizza na parrilha parece ser agora o ponto alto de elaboração da nova dialética petista), anunciava-se o intuito do ex-Campo Majoritário, agora rebatizado de Construindo um Novo Brasil (sempre com os velhos métodos e práticas, só para seguir na via dialética), abrir o 3º Congresso da sigla com ato de desagravo, entre outros, a José Dirceu e José Genoino.

É Renan, mártir das vacas murchas, quem imita Dirceu, comissário dos falsos martírios, ou é Dirceu quem imita Renan? Tudo se embaralha. De um lado o aparelho petista semi-estatizado, que já viveu a euforia da alavancagem propiciada pela rede de acumulação primitiva dos chamados núcleos financeiro e publicitário do esquema quadrilheiro, agora se arrasta na inércia de homens-dispositivos afeitos ao discurso defensivo, prenhe de melodramas da Grande Família, mais para agentes otários, truculentos, camundongos de aparelho, que para Valérios e Dudas Mendonças, estes dois, sim, fartos de tudo ‘que já tiveram que pagar’, e das dívidas não contabilizadas, fartos dessa política reduzida a propaganda e mala preta, fartos como seus bolsos. De outro lado, mas na mesma clave política, sobressai o Senado atolado na fantochada sem fim, não só pelas estripulias autocráticas de seu presidente, mas pela conivência intrapares com a mentira, da mais silenciosa à mais histriônica, as manobras rasas do regimento e do não-regimento, o bacharelismo de rábulas da mais velha tradição do Estado patrimonialista, a pura arrogância autista e cínica ante o clamor da opinião pública.

Queixam-se agora mensaleiros de ditadura da mídia. Tentam desqualificar o STF por suspeição no julgamento dos 40 mensaleiros. Nem passava por sua imaginação discursiva questionar a política de comunicação, oligopólica e permeável a negociatas, mas tremendamente eficaz para manter as alianças no Poder Legislativo e entre o Planalto e as oligarquias regionais. Idem, o então presidente da Câmara, João Paulo Cunha, que se valia até de contratos publicitários ‘experimentais’, digamos, em sua ânsia por rápida ascensão no aparelho partidário, de olho numa vaga para candidato ao governo estadual paulista.

Dirceu serviu-se a rodo da mídia sôfrega por narrativas tipo ‘esta é sua vida’ para edificar biografia pontilhada de hiatos e fatos falhos, na pose de grande herói na luta contra a ditadura, ele que sempre sobreviveu, com relativa e crescente comodidade, à sombra de aparelhos, do guerrilheiro ao castrista, do petista ao federal. Setores da esquerda ainda parecem permeáveis a esses rompantes narcisistas de arrabalde. Apaguem os refletores, por segundos, e troquem os personagens. A opereta malandra de Roberto Jefferson, cobra de puro veneno que Dirceu e Lula certo dia creram amansada, também parece se espelhar nesses arroubos de vitimismo, nessa verve de vitupérios assacados contra ‘forças ocultas’, o fantasma de Jânio assombrando o fantasma de Getúlio, porquanto talvez o sonho de consumo do novo PT seja mesmo o PTB. Sem exagero: esse fiapo arruinado da antiga sigla varguista é fiel partido da base governista, antes e pós-mensalão, presidido por Jefferson e contando, entre estrelas adventícias, com o farol da modernidade e ex-caçador de marajás Fernando Collor.

Mas no espaço mágico e descontaminado do 3º Congresso, suarão os derradeiros intelectuais do partido na definição do sempre renascido ‘socialismo petista’ (sic). Poderão recorrer ao ‘socialismo’ do general Abreu e Lima, pernambucano, combatente das forças de Simón Bolívar, que escreveu livro homônimo ainda em 1845 e hoje é uma das referências mais adoradas de Hugo Chávez. Ou então ao ‘socialismo moreno’ do saudoso Brizola. Ou mesmo à constelação de ‘socialismos e socialistas’ já elencada, com fina ironia, por Marx e Engels em seu genial Manifesto Comunista, de 1848. Raras vezes a lógica implacável do auto-engano, com sua ideologia materializada em palavras, gestos e símbolos, terá tido tanta ritualização, no Brasil. Talvez Dirceu e Genoino, entre outros, poderiam propor ato de desagravo ao ‘socialismo petista’, tão enigmático quanto incompreendido neste novo século. Talvez seja isso: trata-se do ‘socialismo’ dos inocentes, sejam os inocentes úteis, sejam os inúteis.

Todos acima de tudo inocentes, como costuma nos advertir, qual missa diária, o presidente Lula, nosso Bonaparte tropical. É bom, sim, que insista. Às vezes as coisas ficam algo confusas, para não dizer desgraçadas, e como lembrou ele próprio em entrevista ao Estado de domingo passado, ‘qualquer presidente constrói uma base heterogênea por causa da realidade política brasileira’. Tem-se, pois, que admitir isso como um dado da natureza. E que nenhuma ação política decidida e séria tenha sido articulada, desde 2003, pelo PT e pelo governo, para mudar drasticamente tal estado de coisas, podemos debitar essa grave lacuna à conspiração da realidade.

Por isso, o bordão: Jader, Maluf, Renan, Jefferson, Zé Dirceu, Gushiken, Palocci, João Cunha e demais vítimas da santa aliança midiático-elitista-natural da ‘realidade deste país’ – alegrai-vos! Associai-vos em desagravos e júbilos e pizzas na parrilha. Juntai-vos em ONG das vítimas cansadas do Ministério Público e da Opinião Pública. Porque afinal garante-nos nosso Guia: todos serão inocentes até que nunca se prove o contrário.

* Francisco Foot Hardman é professor-titular de teoria e história literária no Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp’

ECOS DAS DITADURAS
Nós e os generais

Ariel Palacios, Buenos Aires

‘Durante a ditadura, de 1976 a 1983, os militares argentinos assassinaram 30 mil civis e seqüestraram 500 bebês. A democracia ainda era recente, em 1985, quando o país tornou-se o primeiro do continente a levá-los para o banco dos réus. A história judicial do ajuste de contas argentino é cheia de vacilações e incertezas, com anistias e novos julgamentos. Atualmente, 263 militares e policiais estão detidos ou sendo processados por seus crimes. Entre eles, dois ex-presidentes, Jorge Rafael Videla e Reynaldo Bignone, o primeiro e o último dos ditadores, que cumprem prisão domiciliar. ‘O perdão não é possível sem justiça’, diz o jornalista e escritor argentino Jorge Lanata. ‘Sem justiça, a sociedade fica com uma ferida mal fechada, um resfriado não curado. A recaída sempre vem.’

Na quarta-feira, o governo brasileiro lançou o livro Direito à Memória e à Verdade, obra que derruba enfim as versões dadas pelo regime militar (1964-1985) para o desaparecimento de presos políticos. É a primeira vez no País que o Estado reconhece que torturou. Mas a publicação não veio sem reação nos meios militares (ver quadro).

Jorge Lanata reinventou o jornalismo argentino em 1987, aos 27 anos, com a criação do matutino Página 12, diário cujas manchetes misturavam a ironia com a precisão e a brevidade, baseado na fórmula ‘uma frase vale mais que mil palavras’. Seus livros Argentinos 1 e Argentinos 2, que reinterpretam a história do país, da fundação de Buenos Aires à crise de 2001, tornaram-se best sellers. Lanata questionou o crescimento da dívida pública argentina em documentário, foi a estrela de um talk show na televisão, está até no mundo virtual Second Life. Este ano, foi autor das reportagens que derrubaram a ministra da Fazenda Felisa Miceli. Em março lançará um novo jornal. Lanata recebeu o Estado para esta conversa a respeito do passado e do perdão no continente.

Haverá cura algum dia para as cicatrizes abertas pelas ditaduras do continente?

Para descobrir isso, devemos pensar no porquê das ditaduras. Na Argentina, durante muitos anos esquecemos a responsabilidade da sociedade. Falava-se sobre a ditadura como se os militares tivessem chegado em um disco voador e subjugado um monte de argentinos honrados e democráticos. Pensar assim era ótimo, claro. Ninguém da população aparecia como culpado. ‘Culpados’ mesmo, só os cinco loucos que deram o golpe. Mas os povos têm a ver com as coisas que lhes acontecem e uma ditadura não surge sem o apoio explícito ou implícito da população. Não teria sido possível matar 30 mil pessoas, como aconteceu na Argentina, sem o consentimento do país. Se o povo tivesse sido realmente contra o regime, teria havido resistência. Não aconteceu. O regime de exceção teve a ver com a Argentina do passado e tem a ver com a Argentina de hoje, pois aqueles que a respaldaram ainda estão entre nós. Compreender isso é importante para dar um passo de superação e chegar ao perdão. Até porque, sem perdão, a sociedade não andará para a frente.

A Argentina é o único país do Cone Sul que pôs seus militares na cadeia pelos crimes que praticaram. Por quê?

Porque aqui a ditadura caiu por conta da derrota na Guerra das Malvinas. No restante da região os regimes militares negociaram um pacto de transição, mas na Argentina, não. Os militares argentinos haviam perdido o prestígio e, com ele, a autoridade para pactuar. Eles dizem: ‘A sociedade civil nos usou’. É preciso pensar se a sociedade civil não foi mais perversa que os militares, pois foram os caras de paletó e gravata que chamaram as ‘bestas’, às quais pediram ‘Por favor, façam algo’. E, depois, foi a própria sociedade, quando o sangue era tanto que já não ficava escondido sob o tapete, que de uma forma muito cínica, perguntou ‘Como assim, tem sangue aí?’. Ainda assim, mesmo com as prisões, o perdão só é possível a longo prazo. Não são processos que terminam em um ano ou dois. Ainda hoje na França se discute a República de Vichy, durante a ocupação nazista. São processos de 40 ou 50 anos.

Neste caso, como avalia a experiência da África do Sul, de investigar e divulgar os crimes, embora sem prever punições?

Na África do Sul a situação está misturada com racismo. Aqui, a repressão tinha um pano de fundo ideológico. Os militares caçavam o ‘inimigo interno’. Lá, a questão tinha uma base cultural que sustentava que um lado era racialmente inferior ao outro. Era outro problema. O que a experiência sul-africana ensina é que precisamos levar em conta que, no final, precisaremos conviver. Neste sentido, aqui devemos perguntar se o Exército faz falta. Se faz falta, façamos algo. Senão, dissolvamos as Forças Armadas. Eu tenho que poder falar à minha filha ‘Esse senhor aí vestido de verde-oliva vai nos defender’. Mas, se devo dizer a ela ‘Olha, esse senhor de verde-oliva vai torturar você’, aí é um sinal de que as coisas não andam bem. Não devemos perder de vista que o objetivo é integrar a sociedade, mas é preciso julgar. Seria bom que a própria instituição purgasse os ex-repressores. O problema é que as Forças Armadas no mundo geralmente se fecham em si mesmas e defendem essas pessoas.

No Uruguai houve um plebiscito, em 1989, para anistiar os envolvidos na repressão. Hoje, há pedidos para julgar os militares e anular esse plebiscito.

Por isso é que considero que esses são problemas que duram muito tempo e não se consertam com uma lei. Os tempos das pessoas são diferentes dos tempos dos políticos. As pessoas mudam de forma mais lenta. Mas, quando mudam, mudam mesmo. Seria difícil que, na Argentina, houvesse uma nova ditadura. Mas custou sete anos de regime e 30 mil mortos. No Uruguai, como no Brasil, fica claro que a questão não foi fechada, pois não houve justiça. Sem justiça, uma hora a questão volta à tona. É como uma ferida mal fechada, um resfriado não curado… acaba acontecendo uma recaída. Não dá para ter imunidades especiais para civis ou militares. Não é porque uso um uniforme que posso matar uma pessoa só porque quero. Um país não se constrói dessa forma.

No Brasil, a anistia de 1979 é para todos: generais, torturadores, políticos, guerrilheiros…

Não é a mesma coisa exercer o terrorismo de Estado que exercê-lo do lado privado. O Estado tem o monopólio da força. O policial que rouba é pior do que o ladrão. Há discussões jurídicas complexas nesses assuntos.

As vítimas militares são vítimas de guerra?

Havia um estado de guerra? Na Argentina, não, a guerrilha só dominou uma superfície muito reduzida na Província de Tucumán. É certo que as duas principais guerrilhas estavam conformadas como exércitos, com hierarquia militar, uniformes, e sua idéia era tomar o poder. Mas não era a Bósnia. Não houve regiões controladas como no Peru com o Sendero Luminoso ou na Colômbia com as Farc, onde funcionam Estados paralelos. Aqui, isso nunca aconteceu. Evidentemente, a família de um militar morto precisa ser consolada e ajudada. Mas essas mortes não são crimes contra a humanidade. A definição do Tribunal de Roma diz que, contra a humanidade é o crime feito pelo Estado contra um grupo determinado dentro de um certo território geográfico.

O cinema argentino produziu muitos e muitos filmes sobre a ditadura. Essas obras ajudaram na catarse nacional?

A história da ditadura ainda não foi devidamente escrita. O material que existe foi feito às pressas, estereotipado. Ainda hoje, com raras exceções, a guerrilha não foi devidamente historiada. Há uma discussão aberta, na qual participam os protagonistas daqueles fatos. Mas, essa história deveria ser contada pelos que não estiveram ali, senão, fica muito polarizada. E, hoje, a ditadura não é um assunto popular. Os filmes não rendem bilheteria.

Na Argentina houve 30 mil mortos, mas 30 mil famílias não fizeram vendeta com a volta da democracia. Isso tampouco ocorreu no Brasil, Chile ou Uruguai.

Por incrível que pareça, não houve caso algum, nem aqui, nem na região. As pessoas sabiam que os integrantes da ditadura ficariam majoritariamente impunes, que a Justiça não ia fazer nada. É complexo.

Qual foi a lacuna cultural, política e emocional causada pelo desaparecimento de 30 mil pessoas?

Muitas vezes os líderes dos organismos de direitos humanos se referem a essas pessoas como ‘a melhor geração que existiu’. Mas, não foi nem a melhor nem a pior geração. Foi apenas uma geração. Com pessoas boas e também pessoas más. É um erro pensar que eram 30 mil líderes generosos. Havia de tudo. Não podiam ter sido assassinados, de toda forma. As piores conseqüências desse massacre foram culturais, pois contribuiu para o medo, o autoritarismo no país, mudou o sistema de valores.

O uso da tortura por parte das Forças Armadas argentinas vinha de longa data, mas não tão intenso como foi na última ditadura. O uso intensivo da tortura nos anos 70 corrompeu os militares?

Corrompeu. E além das torturas, os comandantes permitiram que os grupos-tarefa ficassem com o butim, os bens dos desaparecidos, agindo como gângsteres independentes. ‘Ahí se pudrió todo’ (‘Aí danou-se’). Fica difícil saber qual era uma blitz feita por questões ideológicas e quais eram por dinheiro. Às vezes, os militares seqüestravam um empresário alegando que era zurdo (canhoto, gíria para esquerdista). Mas, quem é que garantia que era zurdo? Quando alguém ia perguntar ao empresário, este já estava morto. Quando as Forças Armadas permitem que um grupo haja com carta branca, é o fim. Porque aí permite o seguinte raciocínio: ‘Esta mulher que estamos roubando, por que não aproveitamos para estuprá-la? E já que a estamos estuprando, por que é que não aproveitamos é já a matamos?’ Permitiu-se tudo. E isso alterou a própria hierarquia militar, criando estrutras de poder novas.

Em vários países europeus surgiram romances e filmes que procuram mostrar o lado ‘humano’ dos repressores…

Acho que isso é saudável. Com o tempo estamos começando a aprender como eles são. A coisa mais fácil é achar que eles são pessoas diferentes. E não são. São pessoas iguais a nós, mas, que em alguma hora, seu censor interno fica travado e fazem coisas diferentes. Lembro do filme Brazil, do Terry Gillian, que tem uma cena na qual o torturador está torturando, sai, abre uma porta, brinca com as crianças, volta, continua torturando. Ele são dois. Ama seus filhos e ao mesmo tempo é um sádico com o prisioneiro.

Na América do Sul, é possível uma nova ditadura?

Acho que não. Estamos começando a viver um processo que ainda não consigo vislumbrar, com novas regras políticas. Mas, acho que isso não passará pela questão militar. Me preocupa a questão da censura à imprensa. O presidente venezuelano, Hugo Chávez, há poucos dias, em Montevidéu, disse textualmente: ‘O pior dos males da humanidade são os meios de comunicação’. Me preocupa, não só como jornalista, mas como pessoa. Formalmente, não é uma ditadura. Mas pode parecer. E em boa parte é culpa da oposição venezuelana, que decidiu não participar das eleições. A própria oposição cavou sua cova. O Chávez é um cara estranho.

O Ministro da Justiça demissionário dos EUA, Alberto Gonzales, legitimou uma doutrina que permite a tortura em Guantánamo porque, perante o terror de uma Al-Qaeda, que pode matar milhares de pessoas, a estratégia faria sentido. Isso pode ‘abrir jurisprudência’ para o uso da tortura na região?

Claro! E não sabemos se isso já está acontecendo na Operação Colômbia. O problema é que é um duplo discurso dos EUA, é terrível. Poderia acontecer o caso de Chávez alegar que, se os EUA torturam, porque ele não poderia? É um perigo.

O que acha da revisão sobre a ditadura que ocorre no Brasil?

Me surpreende que a revisão dos crimes da ditadura tenha levado tanto tempo, sem que nada tivesse acontecido no meio. Por decreto, a memória de um país não pode ficar em branco. Acho que essa discussão voltou por causa disso. É preciso haver reconciliação nos países da região que passaram pelas ditaduras. Mas, antes precisa haver justiça. Pois essa é a maneira honesta de reconciliar-se. É preciso que os militares digam ‘tal pessoa torturou, tal outro matou, e essas coisas são ruins. Não deveriam ser feitas’. Mas, deve ser um mea-culpa sincero. Houve algo assim aqui, com o general Martín Balza, nos anos 90. Para os ‘milicos’ isso é muito importante, pois, com seu sentido de hierarquia, é crucial que um chefe diga essas coisas. No Brasil, a atitude de altos militares em negar isso, não ajuda. Essas pessoas deveriam pensar se eles próprios não deveriam liderar esse processo de revisão. Porque senão você abre o flanco para que perguntem: mas porque eles são contra? O Exército do Brasil tortura hoje em dia? Rouba? É bom que o Brasil veja a experiência argentina sobre a revisão dos crimes da ditadura, mas também é bom que o Brasil faça sua própria experiência.

Pode-se notar a presença dos ditadores nos nomes das estradas e aeroportos do Brasil, do Chile. O que isso significa?

Ir pela Autoestrada Pinochet não é agradável.Aqui, na Casa Rosada, que é o palácio presidencial, há bustos com os golpistas dos anos 30, 40, 50 e 60. Estas coisas nos mostram que convivemos com nossos fantasmas, mas fazemos de conta que não estão por aí.

QUARTA, 29 DE AGOSTO

Memórias dos porões

A Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos lança no Palácio do Planalto o livro Direito à Memória e à Verdade, com o propósito de enterrar as versões do regime militar sobre o desaparecimento de presos políticos. O livro tem o apoio do presidente Lula.’

Marcelo Godoy

A reação militar: é hora de contarmos a nossa história

‘Chegou a hora de reagir. Essa é a opinião do general Agnaldo Del Nero depois da publicação do livro sobre os mortos e desaparecidos feito pela Secretaria Especial de Direitos Humanos. ‘É preciso que a verdade venha à tona, pois só eles têm falado.’ ‘Eles’ são os ‘comunas’. Del Nero era o chefe da Seção de Operações do Centro de Informações do Exército (CIE) quando recebeu a tarefa de coordenar um projeto secreto: o Orvil. O projeto previa a pesquisa nos arquivos militares sobre a luta armada nos anos 60 e 70 para a confecção de um livro – Orvil, aliás, é anagrama de livro.

‘Quando o Leônidas (Pires Gonçalves, ministro do Exército de José Sarney) assumiu, havia muita mágoa do nosso pessoal porque a esquerda estava falando o que queria e ninguém respondia.’ Gonçalves deu sinal verde para o projeto. Quando tudo estava pronto, o ministro desistiu.

A decisão do governo Lula aumentou , na opinião de Del Nero, o tamanho do problema, e a mágoa dos militares ficou maior. Antes, eles enfrentavam versões de militantes de organizações de esquerda e análises de historiadores. Agora, diz o general, o que era versão virou ‘história oficial distribuída pelo governo a universidades e bibliotecas com dinheiro público’. Depois de passar para a reserva, Del Nero escreveu o seu livro sobre a luta armada: A Grande Mentira, sobre o que chama de três tentativas de tomada de poder feitas pelos comunistas no Brasil – 1935, 1964 e a luta nos 60 e 70. ‘Os comunas têm o direito de escrever a história deles. Nós devemos fazer a nossa.’’

Flávia Tavares

‘Não quero virar esta página. Quero imprimi-la na História’

‘Desde que Vladimir Herzog foi morto nos porões do DOI-CODI, em 1975, Clarice, sua viúva, obteve algumas vitórias. A mais recente foi nesta semana, quando o governo brasileiro lançou o livro Direito à Memória e à Verdade . ‘Esse é só o primeiro passo. O próximo é a abertura dos arquivos’, afirma Clarice.

É neste ponto que seu filho mais velho, Ivo Herzog, entra na conversa. Para discordar. ‘Não sei se eles devem ser abertos. Se forem tratados com sensacionalismo, é melhor que não sejam’, diz Ivo, que esteve no evento de lançamento do livro, em Brasília. Ivo, engenheiro, tinha 9 anos quando o pai morreu. O irmão mais novo, André, 7. Confira os principais trechos da entrevista que Clarice e Ivo Herzog concederam ao Aliás.

Qual era o clima em SP durante a ditadura?

Clarice Herzog – Não vivíamos com medo, assustados. Nosso sentimento era muito mais de indignação.

A indignação era comum a todos?

Clarice – Eu convivia com isso, porque freqüentava os círculos de jornalistas. Reuníamos amigos de esquerda e discutíamos sobre os rumos do Brasil e, principalmente, nossos limites.

Por que o caso Vlado se tornou tão simbólico?

Clarice – Porque ele era diretor de uma TV pública, dava aula na USP, tinha passaporte, podia sair do País se quisesse. Os perseguidos não eram mais só clandestinos ou membros da luta armada. Houve uma ruptura.

Os pedidos constantes para que você fale de Vlado a incomodam?

Clarice – É muito difícil. Esta é uma ferida que está aberta. Só não está mais inflamada. Sempre que acontece algum episódio relacionado à ditadura, tudo volta à tona. A figura dele é muito usada, as pessoas reproduzem as fotos dele pendurado, como se esquecessem que ele tem filhos e mãe vendo isso.

Quando as memórias vêm à tona?

Clarice – Todo aniversário do Vlado é doloroso para mim. Mas, publicamente, o último baque foi a divulgação daquelas fotos, em 2004, que eu achei ser do Vlado. Fiquei muito aliviada quando soube que não era ele, e horrorizada por saber que tinham feito tudo aquilo com o padre que estava na foto.

Por que você aceita os convites para entrevistas?

Clarice – Sou muito procurada. Gostaria de ser esquecida. Vivo esse dilema entre a cidadã, que deve falar sobre o passado, principalmente aos jovens, e a mulher que quer fechar a portinha, deixar o assunto quieto. Meus depoimentos já foram dados.

O lançamento desse livro lhe dá algo novo a dizer?

Clarice – Ele foi importantíssimo, porque foi um reconhecimento oficial, que até agora não havia ocorrido. Algumas comissões já haviam lançado livros, mas não havia um documento endossado pelo presidente da República. O próximo passo seria a abertura dos arquivos. Eles têm que ser abertos.

Ivo, você concorda?

Ivo Herzog – Isso é muito delicado. A questão tem lado emocional e racional. As famílias são pura emoção. A instituição do Estado que provocou tudo aquilo tem que ser tratada com racionalidade. Além disso, a imprensa é muito sensacionalista. Tenho certeza de que, se os arquivos forem abertos, eles vão gerar mais interesse pelo lado apelativo do que pela revelação da verdade.

Qual o limite para a divulgação do que estiver dentro dos arquivos?

Ivo – Não sei. Os fatos têm que ser apurados, os participantes têm que ser identificados claramente. Aí, tem a questão da lei da anistia, então, não vai haver um processo contra eles. Mas pelo menos saberemos quem foram os responsáveis e onde eles estão. Me incomoda essas pessoas não terem essa mancha de seus passados expostas a todos.

Esse livro chegou tarde, Clarice?

Clarice – Antes tarde do que nunca, mas veio tarde sim. Outros países discutiram isso há tanto tempo. Acho que o Lula não tinha condições políticas de fazer isso antes. Foi uma questão de conjuntura.

Em algum nível, esse documento é eficiente para resolver a sua questão pessoal?

Clarice – Não, isso não existe. O livro é uma conquista dos familiares, da sociedade, dos órgãos envolvidos. É um fortalecimento. Mas não resolve nada no nível individual. Quando tivemos a sentença favorável ao Vlado, por exemplo, não me senti confortada. Nem com a indenização que recebi anos depois.

O Lula falou que esse seria o primeiro passo para virarmos essa página da História.

Clarice – A expressão foi infeliz. Não se vira uma página como esta. Aliás, esse livro vem para, finalmente, imprimir esta página na História.

O livro fala de decapitações e estupros. Isso a surpreendeu?

Clarice – De algumas coisas a gente já sabia. Pessoas que sobreviveram nos contaram o que acontecia nos porões. Só que uma coisa é o burburinho; outra é ver isso escrito, ter a confirmação de que essas barbaridades aconteceram. É um paradoxo. Ao mesmo tempo que é duro ver, é um passo em direção à verdade. No fundo, a gente quer saber como foi.

O que você achou da ausência de chefes militares na cerimônia?

Clarice – Bem sintomático. Há um corporativismo danado, os militares vão fazer de tudo para segurar essas informações.

Há justiça na lei da anistia?

Clarice – Me perguntaram isso quando a lei da anistia foi promulgada. Respondi: eu não anistio criminosos. Um dos lados morreu e matou porque lutava pela redemocratização do Brasil. O outro assassinou porque estava sendo pago para isso. São criminosos. Sei que é uma visão radical.

Você chegou a encontrar algum torturador do Vlado?

Clarice – Não. Só sei quem são os dois que bateram na minha porta atrás dele. Depois, fiquei sabendo de nomes de pessoas, mas nunca as vi na minha frente. Se eu visse, acho que teria vontade de avançar nelas. Mas o tempo faz com que a gente tente uma sociedade diferente. Não quero revanche.

É humanamente possível evitar o sentimento de querer que alguém pague pelo que fez?

Clarice – Não foi uma pessoa, foi um sistema. Não quero ver a cara de quem matou o Vlado. Toda vez que há denúncias de quem são os torturadores, meu estômago embrulha. Não quero ver, tenho nojo.

O que você deseja para essas pessoas?

Clarice – (Risos) Que eles vão para o inferno e morram bem sequinhos. (Mais séria) O que me deixa desesperada é que vários deles estão trabalhando, no governo, e eu estou pagando o salário dessa gente. A exposição dessas pessoas ajudaria um pouco. Eles não vão ser presos, mas que caiam fora. Quero que eles percam seu espaço político de atuação. Eles continuam trabalhando para o mal, ninguém se regenera desse tipo de coisa.

Você se tornou amargurada depois da morte do Vlado?

Clarice – Sim, fiquei uma pessoa triste. Mais dura, menos tolerante com o outro. Mais crítica. Não suporto leviandade. Passei a brincar menos com meus filhos.

O que você ainda gostaria de obter com esse caso?

Clarice – Acho que já cumpri meu principal objetivo, que era provar que o Vlado foi assassinado. Não quero saber quem o matou, não terei ganho com isso. Nossa conquista é outra. É ver hoje as pessoas que foram perseguidas no poder, liderando processos. Sabe o que eu queria mesmo? Que a gente tivesse uma sociedade melhor. Estou muito chateada com o Brasil. Descobrir quem matou o Vlado é uma coisa muito pequena perto de tudo isso que está acontecendo.’

Álvaro Caldas

Um abominável legado de tortura

‘Mais de 40 anos decorridos desde o golpe militar de 1964, o abominável legado da tortura, dos mortos e desaparecidos ainda paira sobre nós. A ditadura durou 21 anos e parte de seu acervo de arbitrariedades, incluindo a localização dos corpos dos desaparecidos políticos, continua trancada nos arquivos militares. Se não tiver coragem para remover esses escombros, a sociedade não conseguirá se livrar de seus fantasmas.

Num angustiado ensaio escrito em meio ao espanto e à indignação provocados pela revelação dos porões da guerra da Argélia, Sartre advertiu que ‘a tortura não é civil nem militar, nem tampouco especificamente francesa, mas uma praga que infecta toda nossa era’. Naquele momento, entre l957 e 1958, os franceses tomaram conhecimento de que o Exército francês e as forças policiais da colônia empregaram sistematicamente a tortura ao enfrentar os rebeldes argelinos, levando a uma comoção generalizada.

Esta catarse o País ainda não teve coragem de fazer. A decisão do governo de finalmente reconhecer os crimes praticados pela ditadura em nome do Estado brasileiro, com a divulgação do livro Direito à Memória e à Verdade, é um passo importante, mas insuficiente, nessa direção.

É a primeira vez que o Estado apresenta o número oficial de desaparecidos políticos. Ao longo de seu trabalho, a Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos analisou 475 casos. As investigações pararam nesse ponto, por temor a uma suposta reação dos militares a um ato de revanchismo, cujo verdadeiro nome é impunidade.

Teria sido também revanchismo a reabertura do IPM do Riocentro, em 1999, que apontou a responsabilidade dos militares do DOI-Codi no atentado, livrando o País de uma farsa vergonhosa que durou 18 anos? O coronel Wilson Machado, que estava no Puma que explodiu, foi indiciado por homicídio qualificado juntamente com outros três militares que o acompanhavam. A verdade histórica e as futuras gerações agradecem.

A impostura que encobre a situação dos mortos sob tortura precisa ser esclarecida. Para isso é preciso que a sociedade cobre e o presidente assuma seu papel de comandante das Forças Armadas, determinando a abertura dos arquivos que encobrem os crimes praticados e seus autores. Mas já no ato público realizado no Palácio o presidente voltou a dar sinal de fraqueza ao não demitir os comandantes militares que, convidados, a ele não compareceram.

Gestada nos porões da ditadura militar, a infecção da tortura constitui um dos seus legados mais nocivos à sociedade brasileira. Seus tentáculos se espalharam, aproveitando-se do ambiente propício ao abuso de autoridade, à impunidade, à corrupção e à violência policial.

Prática institucionalizada pelo regime ditatorial, a tortura tornou-se um poderoso instrumento da política repressora do Estado. À custa de muitas vidas, de centenas de mortos e desaparecidos, de terríveis seqüelas, físicas e morais. Naquele solitário e abjeto embate que se trava numa prolongada sessão de suplícios, o torturador não se contenta com a rendição do torturado. Ele quer apossar-se de sua alma, despojá-lo de seus valores, tornar-se dono de sua voz para transformá-lo num delator. O carrasco sevicia, humilha e administra a dor para arrancar informação, num sádico ritual que pode acabar em um cadáver.

Mário Alves, dirigente do PCBR, foi torturado, empalado e assassinado nos porões do DOI-Codi do Rio, em 1970. Sua morte foi reconhecida por sentença judicial em 1981. Mas sua filha Maria Lúcia não pôde velar seu corpo, porque ele se tormou mais um desaparecido do regime.

Com uma centena de outros presos políticos, convivi com os sussurros, as lamentações e os gritos de sua forte presença, que ainda ecoavam pelos corredores do DOI-Codi quando lá fui torturado, no final de fevereiro de 70. Mário, um intelectual e combatente de rara diginidade, apenas reconheceu ser do PCBR, para desespero dos algozes.

No Brasil, ainda não abrimos uma dicussão para passar a limpo essa história. Quando tomou conhecimento dos crimes praticados em seu nome na Argélia, a França levantou-se, indignada. Após l957, quando as denúncias se intensificaram na imprensa, a mobilização de repúdio da sociedade cresceu e contribuiu para a queda da Quarta República e, a seguir, a independência da Argélia, em 1962. Abriu-se um debate nacional, envolvendo intelectuais do porte de Sartre e Camus. A imprensa teve papel relevante, contribuindo para revelar a gravidade dos fatos.

Na América Latina, o violento legado dos anos de terror permanece à sombra. Com o fim das ditaduras militares no Brasil, Argentina, Uruguai e Chile, dramas pessoais foram expostos, mas a ação criminosa e terrorista dos Estados continua encoberta. São segredos militares que permanecem fechados.

Na Argentina, o presidente, Néstor Kirchner, derrubou as leis da impunidade feitas na ditadura e depois dela e transformou a temida Escola de Mecânica da Marinha (Esma), principal centro de tortura, em museu para preservar a memória dos presos políticos mortos e desaparecidos. Exemplo que o governo brasileiro poderia seguir, transformando em museu e abrindo ao público as instalações do DOI-Codi no Rio de Janeiro.

Não tivemos um movimento de massas de repúdio à praga da tortura porque não se deu à opinião pública informações sobre a profundidade da infecção. A covardia e os interesses de uma parte da sociedade, que transitou da ditadura para a democracia mantendo postos no poder e nas Forças Armadas, e uma imprensa que não se empenhou em recuperar esse passado contribuíram para que os brasileiros não tivessem essa informação.

As bandeiras de denúncia, os cartazes com mortos e desaparecidos e o grito de ‘Tortura nunca Mais’ continuaram, como se ainda ditadura fosse, nas mãos de grupos politizados, entidades de anistia, mães e familiares, ou seja, em pequenos guetos. Como se ainda vigorasse o regime de opressão e essas fossem bandeiras da esquerda, de revanchistas, e não uma questão de interesse geral. Poucos brasileiros conhecem de fato essa história. Os jovens ficam horrorizados quando são informados.

Se chegou o momento de buscar a verdade, aos arquivos, pois.

* Álvaro Caldas é jornalista, professor da PUC-Rio e escritor. Autor de Balé da Utopia e irando o Capuz, primeiro livro de um ex-preso político a descrever os horrores da tortura’

TV DIGITAL
Renato Cruz

Indústria prepara TV digital interativa

‘Apesar de muita gente – inclusive no governo – ter dito que não, tudo indica que haverá conversores de TV digital com interatividade em 2 de dezembro, data marcada para a estréia da tecnologia em São Paulo. Os conversores (ou set-top boxes) transformam o sinal digital em analógico, e permitem recebê-lo nos aparelhos atuais. A interatividade permite serviços parecidos com a internet na televisão, como compras, serviços bancários, informações sob demanda, bate-papo e correio eletrônico.

O software de interatividade, chamado Ginga, é a única coisa brasileira no chamado padrão nipo-brasileiro de TV digital. O ministro das Comunicações, Hélio Costa, havia até anunciado que a televisão digital estrearia sem interatividade, mas reviu sua posição. Ex-alunos do professor Guido Lemos, da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), formaram uma empresa, chamada Mopa Embedded Systems, para transformar o Ginga em produto. O software foi desenvolvido por equipes na UFPB e na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ).

COMPETIÇÃO

A previsão é que a primeira versão completa do software fique pronta este mês. ‘Em dezembro, deveremos ter quatro ou cinco fabricantes com o Ginga’, disse Lemos. A Mopa tem 40 pessoas, divididas entre João Pessoa e Natal. ‘É um time que trabalha com o middleware há vários anos, com um custo de produção que disputa com os chineses e está abaixo do dos indianos.’

A Evadin, que trabalha com a marca Aiko, é uma das parceiras da Mopa. ‘Teremos o Ginga implementado no final de novembro para os clientes’, afirmou Roberto Dias, gerente de Engenharia da Evadin. O preço ainda não está definido o preço do conversor. ‘Completo, como se espera, não será muito barato’, disse Maria Inês Poli, gerente de Marketing da Evadin. Outros fabricantes têm falado em pelo menos R$ 800, enquanto o governo garante que haverá aparelhos a R$ 200 no lançamento.

‘A Aiko vai sair na frente com a interatividade’, acredita Dias. Ainda não está definido se haverá canal de retorno no lançamento da TV digital. O canal de retorno é um serviço de telecomunicações – como uma linha fixa, um celular ou uma conexão de banda larga – que leva as informações da casa do espectador para a emissora ou a internet.

Durante o evento Broadcast & Cable, no mês passado, a Aiko apresentou uma aplicação de torcida virtual na TV digital. O sistema permite que as pessoas simulem que estão num estádio enquanto assistem um jogo de futebol pela televisão, conversando com amigos que estão em outros lugares, pelo canal de retorno. O set-top box da Aiko terá duas saídas USB, como dos computadores, uma conexão de rede local e outra para linha discada. Além da torcida virtual, o equipamento deverá ter aplicativos como mosaico e grade de programação, para que as pessoas possam escolher o que assistir.

INTERATIVIDADE

Somente 27,5 milhões de brasileiros têm internet em casa. A TV aberta, por outro lado, está presente em mais de 90% das residências. A televisão digital cria uma oportunidade de levar serviços interativos para uma parcela da população que hoje não tem acesso ao computador.

A Caixa Econômica Federal trabalha para lançar serviços bancários na televisão na estréia da TV digital em São Paulo. Mesmo se não houver canal de retorno em dezembro, o banco planeja oferecer serviços com interatividade local. Ou seja, onde todas as informações são processadas no conversor.

‘Quando o canal de retorno estiver regulamentado, a televisão vai funcionar teoricamente como um computador’, disse Cleusa Yoshida, superintendente de Inovação da Caixa. ‘Com nosso papel social, temos total interesse de que a TV digital interativa seja um sucesso.’ Cleusa apontou que, no Japão, todos os serviços bancários disponíveis na internet também podem ser acessados pelo celular e pela televisão.

Para Juliano Dall’Antonia, diretor de TV Digital do CPqD, os serviços de comércio e banco via televisão são promissores. ‘O internet banking já está atingindo a estagnação’, apontou o executivo. O centro de pesquisas trabalha em aplicações de TV digital interativa.

Assim como os bancos, os anunciantes vêem uma grande oportunidade na TV digital. A Agência Click, especializada em comunicação na internet, criou um laboratório de interatividade para TV digital. ‘Teremos dois clientes com campanhas interativas já em 2 de dezembro’, garantiu Abel Reis, vice-presidente de Tecnologia da Agência Click. ‘O segredo não é competir com a programação, mas potencializá-la.’’

***

Nos EUA, alta definição não foi suficiente

‘A televisão digital dos Estados Unidos privilegiou a alta definição, como decidiram fazer as emissoras aqui no Brasil. A imagem melhor que a do DVD não foi suficiente para atrair o consumidor. As transmissões lá começaram em novembro de 1998. Para que sejam cumpridos os 10 anos de transição, a Federal Communications Commission (FCC), agência reguladora das comunicações nos EUA, teve que criar um cronograma obrigando os fabricantes a venderem somente televisores digitais. Desde março deste ano, todos os aparelhos precisam ser digitais.

O Brasil escolheu o padrão japonês ISDB, com modificações. Na visão de Rômulo Pontual, brasileiro que ocupa a posição de vice-presidente executivo do Grupo DirecTV nos EUA, pode demorar para haver conversores baratos por aqui, por questões de escala. ‘Nos EUA, demoramos mais de três anos para baixar os preços’, apontou Pontual. ‘Com o padrão ISDB, que é ótimo, acredito que demorará muitos anos para haver escala para baixar o preço do conversor.’

Para lançar o sinal digital, cada emissora americana recebeu um novo canal, para que o analógico continuasse a ser transmitido simultaneamente. O mesmo está acontecendo no Brasil. Em fevereiro de 2009, o sinal analógico será desligado nos EUA e os canais analógicos devolvidos. Para garantir a devolução, o governo americano vai financiar conversores a US$ 40.

Mudanças

Antena: Quem não quiser investir em aparelho agora, tudo bem. As transmissões analógicas continuam por 10 anos.

Televisor: Não precisa esperar o início das transmissões para trocar o aparelho. O novo precisa ser ‘HD Ready’.

Conversor: Para receber os canais digitais no televisor atual, é preciso um conversor.

TV Paga: Assinante de TV paga não precisa se preocupar, porque a mudança será na TV aberta.’

INTERNET
Marili Ribeiro e Renato Cruz

Credibilidade na blogosfera

‘Se é possível fazer uma síntese do debate ‘Responsabilidade e Conteúdo Digital’, promovido na quarta-feira pelo portal estadao.com.br, esse resumo giraria em torno dessa complexa questão.

Os nove convidados a participar da mesa de discussão – motivada por uma campanha publicitária do Grupo Estado que teve uma das peças criticada por blogueiros – concordaram que o fenomenal crescimento dos blogs, e sua infinita capacidade de multiplicar informações, vive um momento de reflexão.

A credibilidade de quem faz conteúdo, seja em que suporte for, é reconhecida como condição essencial para o exercício do uso da palavra em canais públicos de comunicação. ‘A gente luta para pôr no ar informação de credibilidade e vem uma campanha desqualificando o nosso trabalho’, disse o publicitário Carlos Merigo, autor do blog Brainstorm#9, resumindo a insatisfação dos blogueiros.

Para o diretor do Núcleo Digital do Grupo Meio & Mensagem, Marcelo Salles Gomes, dois aspectos são essenciais no universo de transição vivido pela sociedade com o advento da era digital. Além da inevitável força da credibilidade, há também a necessidade de os profissionais da área aprenderem a lidar com a nova forma de as pessoas receberem informações. ‘Foi-se o tempo em que se controlava a forma como as pessoas recebiam informação. A blogosfera é a representação dessa mudança’, enfatizou ele.

Uma consideração tão relevante que, como lembrou o jornalista do Estado, Pedro Doria, a blogosfera fora do Brasil já evolui no seu papel de difusor de informações relevantes e já chegou a derrubar figuras públicas. Doria lembrou ainda que a blogosfera foi usada por Nicolas Sarkozy, atual presidente da França, para acalmar a fúria dos jovens que incendiaram a França em 2005, quando ainda era ministro do Interior.

No Brasil, a blogosfera ainda não atingiu esse nível de importância e tentar entender o por quê é uma boa questão, na opinião do jornalista. O presidente do Interactive Advertising Bureau Brasil, Osvaldo Barbosa de Oliveira, acredita que a evolução será lenta. Há menos de 40 milhões de habitantes no País com condições de acessar a internet. ‘Mesmo assim aumenta o uso de redes sociais como forma de expressão e isso acabará por dar maior importância a esses canais de comunicação.’

Mais crítico do que os outros debatedores, o professor da Universidade de São Paulo (USP) Gilson Schwartz considerou que a facilidade de veiculação trazida pela tecnologia aumenta a quantidade de informação, mas também baixa a qualidade e a relevância do que é divulgado na rede: ‘Existe um risco de a internet virar uma lixolândia.’

Edney Souza, analista de sistemas que, graças ao sucesso de seu blog InterNey.Net, se sustenta da receita que consegue com ele, concorda que há muito lixo na internet. Avalia,entretanto, que a falta de credibilidade é responsabilidade de quem não tem compromisso com o que escreve. ‘ Vai sobreviver na blogosfera quem tem algo a dizer’, afirmou.

Com essa avaliação concorda Bruna Calheiros, do blog Sedentário e Hiperativo. Um blog que divide com outros quatro internautas que, como ela, têm prazer em escrever, e que Bruna sequer conhece pessoalmente. Juntos eles contam vivências no blog conjunto e se falam apenas virtualmente. Para ela, ‘cabe ao leitor selecionar o que quer ler’.

O moderador do debate, Paulo Lima, diretor da Trip Editora, deu o tom à discussão. Ele acha impróprio no mundo de hoje dividir os profissionais de comunicação por segmento: ‘Estamos aqui porque estamos a fim de discutir o nosso tempo.’

ORIGEM DA POLÊMICA

Uma das peças da campanha publicitária criada pela agência Talent, para anunciar a nova configuração do portal do Grupo Estado, acabou gerando mal estar entre os blogueiros. Nas fotos acima estão dois momentos dos comerciais. O frame do filme à esquerda mostra um macaco que recorta notícias na internet e depois cola as informações. A peça, chamada ‘Blog do Bruno’, desagradou. O outro filme, chamado Ruivo continua em cartaz . O objetivo, como contou o diretor da agência, João Livi, era reforçar a importância da credibilidade na origem da notícia. ‘Não tivemos intenção de ofender ninguém’, disse ele durante o debate. Livi reconheceu que poderá corrigir alguns aspectos da campanha. ‘Porém a essência é essa mesma, é falar sobre credibilidade’, enfatizou. E, para demonstrar que a agência não tem nada contra blogs, Livi anunciou que, em duas semanas, entrará no ar o próprio blog da Talent.’

***

Surgido há 10 anos, o fenômeno dos blogs transforma todos em autores

‘A blogosfera é infinita em sua capacidade de absorver novos integrantes. Seria habitada atualmente por 70 milhões de blogs. A cada dia são criados mais 120 mil, pelas projeções do site especializado Technorati. Esse universo, que tem mostrado um crescimento em projeção geométrica, nasceu acidentalmente quando um programador de computador, o americano John Barger, resolveu preencher o seu cotidiano colocando links e comentários em seu site Robot Wisdom. Fez isso há dez anos.

Barger batizou a sua coluna diária de assuntos gerais de ‘weblog’, algo como ‘registro da web’. Ela era dividida em temas como ‘diversão’, ‘rede’, ‘arte’, ‘tecnologia’, ‘história’, ‘ciência’ e ‘compras’. O nome, reduzido para blog, pegou e, dez anos depois, a chamada blogosfera é tema de debate e estudos acadêmicos.

Serviços gratuitos especializados em blogs, como o WordPress e o Blogger, derrubaram as barreiras técnicas e econômicas para que cada internauta passasse a ser um autor na internet.

Existem pesquisas analisando a extensão do fenômeno. Caso, por exemplo, do livro do pesquisador Daniel Drezer, da Universidade de Chicago, que apresenta os blogs como os fóruns políticos da contemporaneidade, em The power and politics of blogs.

A razão do fascínio desse espaço eletrônico gira em torno do poder multiplicador das opiniões ali endereçadas. Uma espécie de revisitação da ágora dos tempos greco-romanos. Um espaço público a que todos têm acesso. Um canal aberto para todo o tipo manifestação. Sem censura ou filtro.

Todo esse potencial de crescimento abre outras questões: Quem são os receptores de toda essa oferta de palpites, opiniões e informações que circulam na rede? E que efeitos esse canal democrático de expressão promove?

Os blogs já têm sido incorporados por grandes grupos empresariais, como um instrumento a mais de aproximação com funcionários e consumidores. Até mesmo executivos e dirigentes investem nesses canais de comunicação.

Na pauta sobre o futuro dos blogs também está o papel do jornalismo tradicional, tido até a entrada deles em cena, como uma espécie de guardião da transmissão de notícias e da hierarquização de sua importância para o leitor.

Hoje, a primeira página dos portais de notícias deixou de ser a única entrada para a informação. Muitos leitores chegam às notícias publicadas por esses portais por outros meios, como blogs, listas de discussão e por buscadores como o Google e o Yahoo.’

Enrique Gil Calvo

Quem tem medo do hipertexto?

‘Quando sonha que é engolida pelo avanço irresistível da internet, a Galáxia de Gutenberg põe-se a tremer. E seu pesadelo lembra a história de Chapeuzinho Vermelho, pois quem é devorado não são as empresas editoriais, cujas sucursais eletrônicas fazem o papel de caçadores mercenários vendidos ao lobo mau, e sim os jovens com mente pura, que se deixam seduzir pelos terríveis perigos à espreita no bosque digital: pedofilia, pornografia, manipulação etc.

De fato, a educação sentimental dos menores da e-geração é guiada pelo influxo da leitura digital, e não mais pelo espírito da leitura impressa, como acontecia, segundo se acredita, com as gerações anteriores. E as previsões são de que esta mudança educativa terá conseqüências decisivas – venturosas para os panglossianos que exaltam as virtudes mágicas do digitalismo, desastrosas para os agourentos que denunciam seus vícios perversos.

Tecnófilos e tecnófobos, embora interpretem a mudança do suporte de leitura como providencial ou então catastrófica, coincidem em atribuir-lhe uma importância desmedida, sem perceber que estamos diante de um velho fenômeno com roupagens novas.

Os defensores do digitalismo atribuem virtudes ao hipertexto: o espaço virtual é mais complexo do que o texto impresso, pois todas as páginas digitais são conectadas por links que as remetem a outras páginas derivadas, até formar um labirinto multinível como o borgiano jardim de caminhos que se bifurcam. O hipertexto também permite que se leia e escreva ao mesmo tempo, conectando-nos em tempo real a uma conversação plural, reescrita instantaneamente pela ação espontânea de voluntários múltiplos.

Assim se abre o acesso coletivo a um discurso emergente com forma de diálogo polifônico que une a dupla virtualidade da oralidade e da escrita e no qual desaparece a separação assimétrica entre autor e leitor, permitindo que todos interajam em pé de igualdade. O processo democratiza a república das letras, que deixa de ser uma oligarquia platônica de sábios autores para se transformar numa sociedade aberta de leitores-escritores.

CRIAÇÃO DE HÁBITOS

Diante disso, os detratores do digitalismo atacam o hipertexto com o argumento de que ele impede as pessoas de aprender a pensar com a mesma eficácia permitida pela escrita tradicional. É possível que a leitura digital seja superior à impressa na capacidade de informação, mas a leitura impressa é muito superior à digital na capacidade de formação, já que, para se aprender a pensar, são necessários textos lineares escritos por autores consagrados.

Aprende-se a pensar lendo relatos de fatos consecutivos, cuja linha argumentativa esteja logicamente encadeada por sucessões de causa e efeito. É algo que o hipertexto não permite, pois suas unidades estão interconectadas aleatoriamente, carecendo de estrutura lógica. E de autores revestidos de autoridade universal, para que se aprenda com eles a avaliar a realidade, rechaçando o vale-tudo relativista do hipertexto arbitrário, cuja única hierarquia é a classificação quantitativa.

Mas este modelo canônico de leitura linear é uma caricatura improvável da leitura efetiva, pois na realidade ninguém lê assim.

Lembrem-se do livro Como um romance, de Daniel Pennac, que revela o processo real de aquisição do hábito de leitura, incluindo seu decálogo de direitos: de folhear, de reler e de não ler, de saltar páginas, de não terminar o livro, de ler qualquer coisa e em qualquer lugar.

Não se aprende a ler linearmente e do princípio ao fim, mas apenas de modo fragmentado e casual, começando os livros pelo meio, passando de um a outro e lendo o final antes do início. Ninguém respeita o santoral do cânon autorizado, pois os autores malditos ou genéricos misturam-se aos consagrados.

Isso é o mesmo que se faz com a leitura digital, navegando através do hipertexto das páginas virtuais, com passos para a frente e para trás. Não há nada de novo sob o Sol: é a mesma velha leitura, mas lida em vistosas roupagens virtuais de brilhante feitio digital.

É possível estabelecer uma fertilização cruzada entre o hipertexto impresso e o digital, colonizando como depredadores oportunistas um hipertexto misto, que se saqueia com gosto a fim de saciar a avidez do leitor. E essas leituras cruzadas combinam-se de forma complexa na memória do leitor digital e impresso, até que ele aprende a pensar espontaneamente a partir de sua dispersa experiência de leitura.

A nova leitura digital é a continuação, por outros meios, da velha leitura impressa. É o que mostram os índices de leitura, pois são os mesmos jovens escolarizados que lideram tanto a leitura impressa quanto a digital. Não é estranho, portanto, que a velha indústria editorial entre na área de seu suposto inimigo digital, buscando expandir-se por seu território aberto a fim de colonizá-lo em proveito próprio.

ENIGMA E INCERTEZA

Mas por que os jovens mudam de suporte de leitura, passando de um a outro sem parar? Eles buscam hoje, nas páginas digitais, a realização de promessas que as páginas impressas não sabem mais oferecer. Entre elas destaca-se a promessa de inovação e criatividade, muito importante para os jovens. Há também a promessa de identidade e reconhecimento, pois na rede estão virtuais irmandades. A mais atraente, contudo, é a promessa de mistério, segredo e periculosidade.

Quando digo ‘mistério’, refiro-me ao clima enigmático de risco, incerteza e expectativa. Isso está acessível na rede, um arquipélago labiríntico cheio de ilhas misteriosas onde a aventura aguarda em cada esquina.

Quando digo ‘segredo’, aludo ao clima sombrio de simulação e clandestinidade que permite que as pessoas se escondam atrás de identidades anônimas para levar uma vida dupla contando com a cumplicidade fraterna.

É o que Daniel Pennac chama de bovarismo na literatura: o mórbido estigma de pecado e culpa coletivos compartilhado com os demais membros da sociedade secreta de leitores adictos, na qual se ingressa com o vício da leitura. Esse bovarismo literário agora está amplificado graças à rede, transmissora de virulentas epidemias de bovarismo virtual e povoada por multidões de seitas que garantem a cumplicidade fraterna dos adictos de seu culto secreto.

E, ao dizer ‘perigo’, aponto para o clima insalubre de transgressão e perversidade à espera de quem se introduz nos paraísos artificiais moralmente duvidosos prometidos pelas páginas digitais. Baudelaire elegeu as flores do mal como símbolo da poética moderna, um legado maldito que o surrealismo herdaria mais tarde para fazer do cadáver esquisito e do disparo indiscriminado contra a multidão a máxima expressão estética. É possível dizer o mesmo da poética digital, que faz da aura maldita e transgressora sua espinha dorsal, criando uma busca mórbida pelo freaky que atrai poderosamente a juventude.

É algo que deveria preocupar os detratores do digitalismo que advertem para os supostos efeitos perversos do hipertexto mau, pois quanto mais perigoso e transgressor ele parecer, mais atraente será para os jovens. Pouco importa se o material é velho ou novo, contanto que a leitura agarre leitores e cumpra a função embriagadora e espirituosa que lhe é característica.

*É professor de Sociologia da Universidade Complutense de Madri. O artigo foi publicado originalmente no El País’

PERFIL / LUCIANO CAMARGO
O radical brega

Fred Melo Paiva

‘O avô do Welson David chamava-se Onofre Francisco. Ele pensava que Francisco era sobrenome. Então, à medida que os seus filhos foram nascendo, ele foi botando Francisco em todo o mundo: Vicente Francisco, Liberato Francisco. O impasse se deu quando quis batizar um deles justamente com o nome de Francisco. Aí a mulher dele falou: ‘Francisco Francisco? Isso não dá. Põe Francisco José’. ‘Uai, mas pode?’. Foi quando o escrivão explicou para o seu Onofre que o Francisco do nome dele não era sobrenome. O Francisco José cresceu, casou com a dona Helena e teve um monte de filho: Mirosmar José, Emival José, Werlei José, Marlene José, Wellington José, Walter José, Maria José, Emanuel José. Em 1973, nasceu o Welson. E a pedido da mulher do seu Onofre, a avó, incluíram nele um David. ‘Welson David José???’, espantou-se o escrivão. ‘Não existe gente com três nomes. Vai chamar só Welson David.’ Isso foi ótimo porque, além do próprio Welson (filho de Wel), ele poderia ‘dar uma sofisticada’ também no Davi – influenciado por David Banner, o sujeito cuja roupa ia rasgando à medida em que virava o Incrível Hulk, passou a se autointitular Welson Deivid. Ficou uma beleza, mas infelizmente ele montou uma dupla sertaneja com o Mirosmar José, que, tendo trocado seu nome para Zezé di Camargo, achou por bem sugerir algo ‘mais fonético’ para o Welson. A primeira idéia foi Frederico. Ainda bem que não vingou. Depois, Lucian. O Welson não queria ter nome de mulher. Então ficou Luciano: Zezé di Camargo e Luciano.

Welson sempre foi um cara vocacionado para a coadjuvância. A despeito de ser o único dos irmãos desprovido de tal titularidade, certamente teria sido bem-sucedido na tarefa de constituir-se um José Ninguém. A essa missão dedicou-se desde cedo. Com 8 anos engraxava sapato e vendia picolé na rua. A família, vinda de Pirenópolis, Goiás, tinha se mudado para Goiânia. O seu Francisco, o pai, costumava pagar adiantado o primeiro aluguel, de modo a ganhar a confiança do proprietário. Depois não pagava mais nada, até ser despejado três meses depois. Então mudava de bairro e fazia a mesma coisa em outro lugar. Só que a cada vez que isso acontecia o Welson tinha de trocar de escola. Parou de estudar na terceira série. Dos 12 aos 16 anos, office boy da Caixa Econômica do Estado de Goiás, a Caixego, ele construía bela carreira no ramo da exploração infantil. Mas o Mirosmar, que vivia em São Paulo e já tinha se travestido de Zezé, veio estragar seus planos. Ao convocar o Welson para formar com ele a dupla sertaneja, impediu que o irmão prosperasse na sua invisibilidade social. Em 16 anos, os dois venderam 24 milhões de discos. O Luciano comprou uma casa em Alphaville, uma fazenda em Bom Jesus (GO), um flat em Goiânia, um Mitsubishi GT 3000 vermelho, dois off-roads, um Opala 73 que acaba de ser reformado pelo programa do Luciano Huck. Nada disso distanciou o Welson das suas convicções de coadjuvante. Nos últimos dias, porém, uma constatação acabou por colocá-lo na vala comum dos protagonistas: descobriu-se que o Luciano tem opiniões políticas. ‘Movimento Cansei?’, disse ele em entrevista à Folha de S.Paulo. ‘Caguei.’

O negócio é que o Welson é praticamente um cientista político. Uma Marilena Chauí. Quer dizer, uma Marilena Chauí melhorada, já que ele acredita no mensalão e na crise aérea, mesmo tendo apoiado o Lula nas eleições de 2002. Welson tem opinião a respeito de tudo, a começar pelo Movimento Cansei, sobre o qual tem obrado com a volúpia das piores incontinências. ‘Essas pessoas têm de tomar muito cuidado com o que elas falam por aí. Eu não vou longe: as Cruzadas começaram com um discurso inflamatório de um padre que eu não me lembro qual.’ Pode-se imaginar bonobos e chimpanzés, para o caso do Welson decidir que, sim, ele vai longe. Mas não precisa. Dá para ficar por aqui mesmo. A ver: ‘O problema aéreo já vem de muito tempo. O que já tive de desviar de urubu… No acidente, a principal culpada é a Infraero. Deveria ser privatizada’; ‘Se a gente crescer mais um ponto, vai ter um apagão elétrico. Tem de torcer para o País não crescer. Até o governo deve torcer contra’; ‘Adoro o Suplicy, é uma pessoa muito digna, mas tem essa dificuldade de colocar as palavras em prática junto com o pensamento. Então, hoje, eu não tenho em quem votar pra presidente’; ‘O Chávez é um bom aluno. Foi pego mandando uma mala de dólares para a Argentina. Não deve ter cabido na cueca.’

Em meados de 2002, alguém mostrou para o Lula uma música do Zezé di Camargo e Luciano. Chama-se Meu País: ‘Aqui não falta sol / Aqui não falta chuva / A terra faz brotar qualquer semente / Se a mão de Deus / Protege e molha o nosso chão / Por que será que tá faltando pão?’ Ave Maria, sai de mim um verso desse. Mas o Lula gostou e convidou a dupla para um jantar em Brasília. O Luciano não foi, só o Zezé. O Zezé gostou do Lula e decidiu doar a música para a campanha. Foi aí que baixou no Welson o espírito da Marilena Chauí: ‘Pô, eu vou entrar nessa com o Zezé, vou entrar de cabeça, que eu quero é mudança’. Não recebiam nada, só o dinheiro para pagar a produção dos shows. O problema é que o Lula foi eleito e quem passou a receber cachê foram os deputados da Câmara. O Welson ficou muito decepcionado com isso. ‘Eu gosto de ler as entrelinhas: o Lula diz que não sabia, depois diz que foi traído, mas se ele não sabia, como pode ter sido traído?’ Elementar, meu caro Welson. ‘A partir dessa hora, tirei o meu pé fora.’

Para ler as entrelinhas, Welson precisa se ater, obviamente, às linhas. Assina o Estadão e a Folha. Gosta das colunas do Celso Ming e das críticas de cinema do Luiz Carlos Merten. ‘Desde que eu passei a ter a oportunidade de estar lendo… Porque eu não tinha dinheiro pra comprar jornal… Mas depois, quando eu pude conhecer o trabalho do Merten, ele virou… um guru.’ Merten só não é páreo para a leitura preferida do Welson: Pequenas Empresas Grandes Negócios. Seu apreço pela economia vem da ‘frustração de não saber fazer conta’. De cabeça? ‘De nada.’ Fora isso tudo, e mais a Exame e a IstoÉ Dinheiro, Welson lê todas as revistas semanais. ‘Até a Veja eu leio’, diz. ‘Mas só as entrelinhas.’

Revista de celebridade não é muito a do Welson. Quando o pessoal pede para colocá-lo na capa de alguma dessas publicações, ele vai logo empurrando o resto da família: ‘Não quer pôr o Zezé? Põe a Wanessa. E a Luciele com o Marcos Pasquim?’. O Luciano não tem nada contra essas revistas, ‘pelo amor de Deus, o Maluf me mata’. O Maluf??? ‘Ei, tô falando do Maluf que trabalha na Caras… Pelo amor de Deus… Aquele outro lá estendeu a mão para me cumprimentar e eu tive o prazer de passar direto.’ Com o Welson não tem conversa. Seus ídolos políticos têm a grandeza de ‘Gandhi, Jesus Cristo, Galileu e Michelangelo, o grande incendiário’. Grande incendiário??? ‘Sim. E também o globalizador Alexandre, o Grande.’ No Brasil, ‘meus heróis são o Getúlio, o JK e o Jango, que conseguiu governar com a direita e a esquerda contra ele’. Sei não, hein, Welson… Melhor a gente falar de outra coisa.

Welson está casado há 4 anos. Sua mulher, a Flávia, é arquiteta, paisagista e designer. ‘É de Alphaville 10’ e tem 29 anos. Ela foi pedir um autógrafo para o Luciano e a partir daí ‘começou um início de amizade’. Quando ele viu, ‘estava amando loucamente’. Welson tem três filhos. Nenhum deles com a Flávia. A Talita, de 22 anos, é uma ‘afilhada-filha’. O Natan, de 13, é ‘um sujeito enorme’. O Wesley, 18, nasceu quando o Welson tinha 16. O seu nome é uma homenagem ao irmão Werley, que deveria se chamar Wesley. Mas o seu Francisco errou a grafia na hora de fazer o registro. Aconteceu outras vezes, e isso é assunto delicado na família. Melhor falar de política.’

LÍNGUA PORTUGUESA
Inês Pedrosa

A língua não é a Gisele Bündchen

‘A expressão ‘acordo ortográfico’ provoca-me um cansaço fulminante. Quando alguma coisa me decepciona muito, adormeço. Num minuto, esteja onde estiver, o que espanta os próximos, que me conhecem como insone militante. Um psicanalista explicou-me que se trata de uma reacção saudável do inconsciente. Útil, pelo menos, tem sido. Mas nesta questão da ortografia, sempre que abro os olhos, vejo mais uma figura da cultura portuguesa bradando contra ‘o colonialismo dos ex-colonizados’. Urrando contra a humilhação estatística: 1,4% de alterações para Portugal contra uns míseros 0,5% do Brasil. Como se admite que a Língua-Mãe da velha Lusitânia se vergue à grafia do ingrato e vistoso filho? Ó inclemência! Ó misericórdia – assim se despejam, Atlântico abaixo, anos e anos de namoro oficial e promessas de um radioso futuro comum.

Não sei nem quero saber se essas estatísticas são exactas. Parece-me natural que a norma da língua seja definida a partir da maioria – a democracia tem apresentado, por esse mundo fora, resultados mais simpáticos do que a exacerbação nacionalista. E acontece que, neste mimado Éden europeu com vista para o mar, somos só 10 milhões. Mais ou menos a população da cidade de São Paulo. Também por isso temos, comparativamente, tão poucos problemas, embora gostemos de nos pensar um povo de desgraçados. Essa desiludida ilusão é, aliás, de uma forma muito pragmática, a nossa desgraça – mas enfim: dá-nos a cintilação das lágrimas do fado, a força lírica da literatura e a singularidade melancólica do cinema. Não se pode ter tudo.

Acresce que os discursos acerca da ‘pureza’ da língua original pecam por falta de atenção: quem mantém o puro ‘açougue’ (em vez do contemporâneo ‘talho’ e ‘cadarço’ (em vez do contemporâneo ‘atacador’) é o Brasil. Um dos estímulos que a literatura brasileira me oferece é esse, do reencontro com palavras antigas que Portugal deixou cair. Por outro lado, quero que a pureza se dane; dos puros não reza a História boas coisas.

O que me encanita, porém, é a ideia de uniformização obrigatória. Por que é que me proibirão de meter um c – curvinho, dengoso e mudo – nos meus afetos? Vocês deixam de me entender por isso? Claro que não – todos os meus livros são publicados no Brasil com a grafia portuguesa, e são brasileiros alguns dos meus mais clarividentes leitores. O romance que agora terminei, integralmente passado na Bahia (com h e com esse português brasileiro chamado padre António Vieira) é escrito no português de Portugal e no português do Brasil, em simultâneo. Não é a globalização que está a tornar o mundo um lugar muito chato; ela é apenas um canal de aproximação universal. O problema é que esse canal está a ser bombardeado por um enxame de regras que matam o livre-arbítrio e a originalidade individual. No interior de uma exortação genérica à Tolerância (tolerância até para com os mais ignominiosos atentados aos direitos humanos, a pretexto do respeito pelas ‘tradições culturais’) e à Liberdade, insemina-se um discurso parasitário, publicitário e, por conseguinte, altamente eficaz, que nos quer forçar a ser uniformemente belos, saudáveis e jovens. Já não é só porque quem não tiver as medidas certas e não comer vegetais e não correr dez quilómetros está impedido de ter o sucesso que, segundo a cartilha das aparências, conduz à felicidade. Agora, a cartilha estende-se à alma, e pretende agir através da culpa: dizem-nos que se fumarmos, engordarmos e envelhecermos, pesaremos sobre o sistema de saúde e diminuiremos a nossa produtividade, pelo que prejudicaremos o nosso semelhante.

Quando Lauro Moreira, o embaixador do Brasil na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa afirma, numa recente edição do JL – Jornal de Letras Artes e Ideias, que o acordo ortográfico permitirá que Machado de Assis venha a ser lido e conhecido em Portugal, sinto-me imediatamente tentada a dar de bandeja as minhas queridas consoantes mudas: que se lixe o encanto das diferenças, ponham o Machado ao colo do povo. Só que a coisa não funciona assim. Para começar, a dificuldade de encontrar Dom Casmurro nas livrarias portuguesas é idêntica à de achar A Capital de Eça de Queirós. A dificuldade de compreensão do português do Brasil em Portugal não passa pela ortografia, nem sequer pela sintaxe – temos décadas de frequência entusiástica de cursos intensivos de telenovelas e canções brasileiras – mas pelo vocabulário. O acordo ortográfico não resolve – e ainda bem – a infinita disparidade vocabular, nem a criativa polissemia da língua.

Caetano Veloso disse tudo no seu último cd, quando cantou: ‘Estou-me a vir’. Eficácia total: no Brasil ninguém o percebeu, em Portugal ninguém o quis perceber. Cantou na rua o que os portugueses só gritam na cama – e com sotaque português. O atrevido. A belíssima declinação camoniana dos versos seguintes (‘E tu como é que te tens por dentro?/ Porque não te vens também?’) foi varrida pelo escândalo. Zut, zut, vade retro, desafios. Há tempos, num debate filosófico através de email, uma amiga brasileira aconselhava-me a ter cuidado com determinado cavalheiro, alegando que ‘intelectual universitário sempre é um pouco galinha’. Demorámos uns quantos emails a perceber que a mesma ‘galinha’ serve para falar (no Brasil) de um ‘homem que cisca o tempo todo’ (ou seja, que namora indiscriminadamente) e de uma mulher que não está habituada a pensar (em Portugal).

Quando Lauro Moreira diz (ainda no JL): ‘Que vocês digam ‘eléctrico’ e nós ‘bonde’, maravilha, mas vocês não têm que escrever ‘eléctrico’, mas ‘elétrico’, como nós’ , confesso que me arrepio. Mas lendo o texto do acordo desato a rir. É tão grande o cortejo das excepções que o acordo acorda já desacordado. Por exemplo: nas locuções, o hífen cai ‘salvo algumas exceções já consagradas pelo uso’. E o uso justifica que ‘cor-de-rosa’ permaneça assim, e ‘cor de vinho’ passe a andar sem atrelado. Porque a rosa é mais antiga do que o vinho? Os acentos agudos e circunflexos ficam ao sabor do timbre ‘aberto ou fechado, na pronúncia culta da língua’. Se ao menos nos oferecessem o estremecimento elegante do trema, que nos permitiria escavar até ao fundo do u os nossos sequestros. Mas não; o português uniformizado não estremecerá. Esquecem que a grandeza do português, seja ele qual for, é feita de um portentoso jogo de cintura. E que se danem as medidas certas.

*Inês Pedrosa , escritora portuguesa, é autora, entre outros livros, de Fica Comigo esta Noite (Editora Planeta)’

TELEVISÃO
Etienne Jacintho

Eu, Tu, Elas, sem adultério

‘Big Love chega à sua segunda temporada e deixa de lado a cara de novela para se tornar uma saga. Assim diz o chefe da família, Bill Paxton. Para o intérprete do polígamo Bill Henrickson, a série terá sabor de O Poderoso Chefão. Nada mais justo, uma vez que Família Soprano, também da HBO, chegou ao fim.

Ter três mulheres pode parecer o paraíso para alguns homens. Mas essa situação às vezes pende mais para o inferno. Imagine ter três ‘esposas’, com obrigações iguais com todas. Pior, imagine conviver com vários sogros e sogras! Está achando bom, caro leitor?

Olha que isso não é tudo. É preciso sustentar três casas, criar todos os filhos, manter os três lares organizados e cumprir as demandas sexuais – haja Viagra! – e de carinho de todas as mulheres por igual. Pois assim é o retrato da poligamia na série Big Love – Amor Imenso, da HBO, cuja segunda temporada começa no próximo domingo, dia 9, às 22 horas.

‘Os personagens agora já estão conhecidos e a história vai se desenrolar mais. Meu personagem vai caminhar por áreas que lhe trazem mais questionamentos sobre seus valores’, conta Paxton. ‘Haverá mais intrigas na família e a série se tornará mesmo uma saga.’

Na trama, Bill Henrickson é adepto da Igreja Fundamentalista de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, uma ala dissidente dos mórmons que aceita a poligamia. Estima-se que 40 mil pessoas nos EUA vivem assim. E, como a poligamia é considerada crime naquele país, as famílias ainda precisam lidar com o preconceito e levar uma vida de mentiras, escondendo a situação matrimonial da sociedade.

Big Love leva a marca HBO: é bem produzida, evita rótulos e não censura temas. Apesar disso, é uma série respeitosa e tem até o nome do bom-moço Tom Hanks nos créditos. O queridinho de Hollywood é produtor da atração – um trunfo para a boa aceitação do programa no conservador país de George W. Bush. Big Love já tem 3ª temporada garantida.

A GRANDE FAMÍLIA

Na série, Bill Henrickson opta por seguir os passos de sua família e pede à primeira mulher, Barb (a bela Jeanne Tripplehorn), permissão para casar-se novamente. Aos poucos, o público percebe que a decisão não foi fácil. Bill queria uma família grande, mas Barb teve câncer e ficou impossibilitada de ter mais filhos. Além disso, ele estava à procura de um parceiro nos negócios. Foi aí que surgiu a mimada Nicolette, a Nicki – interpretada pela musa do cinema alternativo Chloë Sevigny -, filha do vilão Roman Grant (Harry Dean Stanton). Para alegrar Nicki e descentralizar o poder de Barb na família, Bill decide casar-se mais uma vez e a doce, porém imatura Margene (Ginnifer Goodwin) entra para a grande família.

A primeira fase de Big Love apresentou a família Henrickson e abordou a dificuldade de Bill em satisfazer as três mulheres, os efeitos colaterais do abuso de Viagra, a dura tarefa de esconder da vizinhança seu estilo de vida, os problemas de cada uma das mulheres e as chantagens conduzidas pelo sogrão Roman.

O ciclo terminou com Barb tendo de lidar com a humilhação pública, já que a poligamia da família é descoberta no dia em que Barb concorria ao título de Mãe do Ano.

Polêmicas

Quando estreou, em 2006, a série foi alvo de protestos de mórmons e de adeptos da Igreja Fundamentalista de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias.

Utah, estado americano que serve de cenário para a série, condena a poligamia.

Warren Jeffs, líder polígamo de uma igreja fundamentalista, figurou na lista dos 10 homens mais procurados pelo FBI e foi preso em 2006 por obrigar uma menina de 14 anos a se casar com um dos membros da igreja.’

Etienne Jacintho

‘Gosto de pensar que eu conseguiria ser polígamo’

‘Bill Paxton destoa completamente do esquema formal que a HBO armou em Miami para as entrevistas com jornalistas latino-americanos. O ator é despachado, divertido e adora uma piada. Para sorte dele, Big Love dá margem para uma infinidade de gracinhas e ele mesmo aproveita isso para fazer os jornalistas caírem na risada. Antes, porém, ele pede desculpas pela ausência das atrizes de seu clã: ‘Sinto que as meninas não estejam aqui, elas me fazem bem…’

Sua visão sobre a poligamia mudou após a série?

Sim. Quando li o roteiro, vi que era sobre poligamia em Utah e logo vieram aquelas imagens de mulheres, crianças, galinhas, gente atirando em escolas (risos)… Mas percebi que a série era uma tirada esperta sobre poligamia, uma visão contemporânea de matrimônio, sexo, religião, família.

Você seria polígamo?

Não sei, mas as mulheres na série me adoram (risos)! É, gosto de pensar que conseguiria ser polígamo…

Sem a pílula azul?

Sem Viagra (risos)! Acho que a questão é saber quanto esta é uma sociedade realmente livre. Quanta liberdade os outros têm em relação aos seus estilos de vida? Não estou falando que poligamia deveria ser legal. Não é certo se casar com mulheres menores de idade, mas em se tratando de adultos, acho O.K. É possível alguém amar mais de uma mulher ao mesmo tempo? Na idéia romântica não, mas minha vida diz que sim. Por que não? Quando me apaixonei aos 19 anos – e ela tinha 17 -, não deixaram a gente ficar junto. Meu coração ficou partido, mas a vida seguiu e me casei com outra garota. Temos uma família e estamos casados até hoje. Amor não é só uma possibilidade. Monogamia, às vezes, não funciona. É só ver quanto divórcio há. Então, quem tem razão?

Foi difícil se colocar na pele de Henrickson?

Encaixou como uma luva!

Seu personagem é um dom Juan, um jogador ou um herói?

Gosto de pensar que ele é um pouco dos três, mas é um cara comum. Ele quer sua fatia do bolo e quer comer também (risos). É engraçado porque o papel me deu um rótulo de dom Juan. Sou o cara com três mulheres! Nunca interpretei papéis românticos. Não tive a chance de ser romântico na tela e tem sido muito bom. As garotas são ótimas como atrizes e como pessoas. Nos divertimos no set. O sucesso da série nos deu mais confiança e a segunda temporada deixa de ser novela para ser saga tipo O Poderoso Chefão. Neste país (EUA), as pessoas estão tão afastadas e não pensam nos primos, sobrinhos e a série mostra esses laços de família. Surpreendentemente muitas mulheres vêm a mim e dizem que me admiram, não sei por quê (risos)!

Você pesquisou para ser Bill?

Adoro fazer pesquisa. Sabe, não me senti à vontade quando comecei a interpretar porque não sabia se estava agindo certo. Li livros e vi documentários. Mas é poligamia na TV e sou um polígamo de TV!

O que esperar desta segunda temporada?

Meu personagem começa a agir porque está cansado de ter de andar com a cabeça baixa e se esconder. Ele paga suas taxas e é um cidadão com direitos. Estamos ansiosos para a terceira temporada. Sou ator de cinema, mas não quero me livrar de Bill Henrickson. Não tinha intenção de fazer TV, mas a HBO me trata como um astro de cinema, então tudo bem (risos)! Viagem feita a convite da HBO’

Mário Viana

Será que vale mesmo a pena ver de novo?

‘Não é sempre que a sessão Vale a Pena Ver de Novo faz jus ao nome. Há novelas que não mereciam sequer ser exibidas. Muito menos reprisadas. Mas também há aquelas em que tudo deu certo. A escalação do elenco foi de uma precisão cirúrgica, a trama bem urdida fluiu tranqüila e o charme era total. Da Cor do Pecado (2004) é um desses casos. A atual reprise da Globo alegra as tardes do espectador. João Emanuel Carneiro e sua equipe conduziram bem a história, com diálogos afiados e cenas redondinhas. Com a simpática Cobras & Lagartos, no ano passado, ele repetiu a façanha de cativar a audiência, mas na comparação com a atual reprise, Pecado sai ganhando.

Tudo funcionou direitinho na história de Preta e Paco. Taís Araújo, como a primeira atriz negra a protagonizar uma novela na Globo, saiu-se muitíssimo bem. Giovanna Antonelli fez uma vilã na medida certa, uma vamp rancorosa e afogada em ambição. Lima Duarte foi outro que deu show, emocionando nas cenas em que Afonso enfrentava o neto Raí (o excelente Sergio Malheiros). A Família Sardinha (Rosi Campos e um elenco de filhos bonitos e sarados) conquistou a criançada com suas lutas de HQ.

Até mesmo personagens exageradamente caricatos, como Pai Helinho e sua turma de trambiqueiros, fizeram sucesso. E a novela ainda contou com o tempero extra das cenas gravadas no Maranhão. Foi com a ajuda dessa novela que muita gente descobriu a beleza que existe nos casarões azulejados de São Luís.

Pode até parecer estranho falar de uma reprise, na mesma semana em que a Rede Record bate recordes de audiência com o último capítulo de Vidas Opostas e estréia uma novela com toques de X-Man e Matrix. Mas ainda é cedo para dizer se estas novelas fincarão pé na memória afetiva do público. Afinal de contas, o que torna uma novela memorável? Serão os efeitos especiais? Será a trama ousada? Ou continua valendo a fórmula do amor impossível que vence barreiras?

Talvez uma novela seja feita de cenas inesquecíveis – como o diálogo final de Paulo Gracindo e Yara Cortes, em O Casarão (1976), ou o café da manhã pastelão de Fernanda Montenegro e Paulo Autran, em Guerra dos Sexos (1983)? São muitas perguntas, mas quem arriscar uma resposta definitiva corre o sério risco de dar vexame.’

Renata Gallo

Grande circo tabajara

‘Helio de La Peña saca sua máquina digital do bolso e a coloca a centímetros da bunda da passista. Depois é a vez do câmera oficial, depois do câmera que retrata o making of… E todo mundo se diverte, dentro e fora do ar. Assim foi a passagem dos Cassetas por São Paulo, em mais uma etapa do quadro Caravana Casseta Brasil Adentro.

A primeira parada foi na Avenida Paulista, para entrevistar os motoboys e questionar os paulistanos para saber quais são as sete maravilhas da cidade. ‘Eu sei que é difícil, mas se esforce e fale ao menos uma’, completavam. As piadas seguiram para três bairros: Liberdade, Bexiga e Bom Retiro, na quadra da Gaviões da Fiel. ‘Viemos para São Paulo para conhecer suas etnias, os japoneses, os italianos e os ‘curintianos’, explica Helio.

São Paulo é o quinto Estado visitado pela trupe, que já esteve na Bahia, Pernambuco, Rio e Minas Gerais. Até o fim do ano, eles devem visitar ainda o Rio Grande do Sul. ‘Já viajamos bastante pelo País, mas agora é diferente. Chegamos como um circo mesmo, nos colocamos no meio do povo, como se fosse um teatro de rua’, explica José Lavigne, diretor do programa desde sua estréia, há 15 anos. ‘Há muito tempo a gente não viajava e é bom estar perto do povo, é bom ver outros sotaques no programa. Isso nos empolga’, diz Helio.

A idéia surgiu, acredite, depois de eles verem a Caravana JN, quando o Jornal Nacional cruzou o País meses antes da última eleição presidencial para tentar mapear cada região. ‘Depois da Caravana pensamos em descobrir o Brasil do Casseta, com o nosso foco’, diz Beto Silva.

A cada viagem Lavigne define quem irá embarcar. Em São Paulo, os escolhidos foram Hubert, Helio de La Peña e Beto Silva. A pauta, no entanto, já vem prontinha da redação do Rio. As gravações são rápidas e praticamente não existem cacos. ‘Não trabalhamos no improviso. Somos em seis, mais o diretor, e pensamos em tudo o que vai para o ar’, explica Helio. ‘Às vezes até surgem idéias loucas no primeiro momento, mas do começo até o fim do processo acabamos chegando a um denominador comum’, completa.

Segundo Lavigne, o objetivo é sempre fazer um programa para a família. ‘É para a família, mas temos a obrigação de forçar o limite. A nossa credibilidade está diretamente ligada ao quanto conseguimos avançar’, explica.

Prova ocorreu em um programa recente, quando Maria Paula, casseta e nora da ex-prefeita Marta Suplicy, fez piada com a famosa frase ‘relaxa e goza’. ‘A gente não faz política, nunca’, finaliza Lavigne.’

***

Brasil na bagagem

‘Não é de hoje que os Cassetas percorrem o Brasil. Por isso, decidimos usar todo o conhecimento deles para mapear o País e descobrir quais Estados têm maior número de traídos, gays e gostosas – personas tão comuns nas piadas da trupe. Aproveitamos para perguntar ainda o que eles acharam de mais impressionante em Pau Grande, terra de Garrincha, uma das cidades que eles visitaram nessa nova série, Caravana Casseta Brasil Adentro, mas que ainda não foi ao ar. Confira.

Qual é o Estado onde tem mais corno?

Helio de La Peña: Pernambuco tem bastante. Acho que no Nordeste todo, na verdade. Você vê o grau de cornitude nas músicas do Nordeste. Se o tema é recorrente, sinal que tem muito corno. Mas fui em um hotel em São Paulo que tinha uma porta de oito metros, só pode ser especial pra corno.

Hubert: Em todo lugar, mas nós fomos ao Bar dos Cornos em Recife, acho que os cornos mais sinceros estão lá.

Beto Silva: Os pernambucanos levam a cornitude muito a sério.

Qual é o Estado onde tem mais veado?

Helio: Ainda não fomos ao Rio Grande do Sul, vamos aprofundar essa pesquisa em Pelotas em breve.

Hubert: Não posso dizer porque estamos ainda preparando uma viagem ao Rio Grande do Sul.

Beto: Até meio-dia é bem dividido, depois acho que os baianos levam alguma vantagem.

Qual é o Estado onde tem mais gostosa?

Helio: Em tudo quanto é lugar. Na Paulista tem bastante, no Rio também. O bom do Rio é que lá elas andam de biquíni.

Hubert: Gostosa tem em tudo quanto é lugar.

Beto: No Rio todo mundo anda com pouca roupa, então é melhor. Mas tem muito em Minas, em São Paulo…

O que te impressionou em Pau Grande (RJ)?

Helio: Nada me impressionou. Achei tudo muito natural, acho que devido à minha etnia. Quando eu tomo banho e me olho no espelho eu percebo que não fico devendo em nada a Pau Grande.

Hubert: Não fui, mas não preciso ir para conhecer Pau Grande.

Beto: Eu tenho tanto espelho em casa que já estou acostumado. Eu só estranhei o Marcelo (Madureira), que fez uma campanha grande para ir a Pau Grande.’

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