Este texto já estava meio que pronto em minha cabeça quando publiquei em meu blog comentário que tinha a fazer sobre o ‘furo’ de reportagem da revista Veja desta semana – que afirma que o desastre com o avião da TAM deveu-se a falha humana (do piloto) e ao tamanho da pista de Congonhas, mas que reconheceu que não houve derrapagem nenhuma, nem por falta de grooving, nem por qualquer outra razão. A reportagem diz que o avião não derrapou. Pousou desembestado e não conseguiu parar porque o piloto acelerou uma das turbinas, em lugar de colocá-la em ‘ponto morto’. E afirma ainda, com todas as letras, que a teoria da ‘aquaplanagem’ por falta de grooving seria improcedente. Por fim, para manter o padrão Veja de ‘qualidade’, a revista editorializou os fatos dizendo que o erro do piloto seria causa ‘inicial’ do acidente, mas que a causa final seria o comprimento da pista de Congonhas e a falta de área de escape.
Sabia eu de antemão que quando citasse a matéria daquele que talvez seja o órgão de imprensa mais anti-Lula de todos, haveria entre os anti-Lula que me lêem a previsível reação de dizer que ‘agora’ a Veja ‘me serve’. O mesmo costuma acontecer quando cito matérias que ‘me servem’ da Folha de S. Paulo, que leio diariamente apesar de considerá-la o veículo anti-Lula mais perigoso de todos, devido à sua incansável tentativa de se mostrar ‘isento’, adotando um ombudsman de mentira (depois de Renata Lo Prete, Mário Magalhães é o pior e mais chapa-branca ombudsman que a Folha já teve) e permitindo um pouquinho de contraditório a mais do que seus concorrentes diretos, O Globo e O Estado de S. Paulo.
Mentalmente enfermos
É impressionante a falta de imaginação dessa gente. O público satisfeito de Vejas, Folhas, Globos e congêneres está de tal forma condicionado a terceirizar o ato de pensar – ato que delega à mídia conservadora, direitista e golpista por excelência – que não raciocina nem por um segundo. A Veja, agora, correu para dar uma notícia que, num país sério, deveria provocar um pedido formal de desculpas dos veículos supra mencionados, pois fomentaram, levianamente, a teoria sobre falta de grooving, numa aposta macabra das causas do acidente, feita ainda enquanto as vítimas do vôo 3054 da TAM ardiam em chamas e ninguém tinha elementos para afirmar nada, sem falar nos parentes desesperados das vítimas que vagavam por aeroportos em busca de informações e não de incitação política. Seria demasiado, entretanto, pedir às vítimas da estupidificação midiática que tivessem o mínimo senso crítico de se perguntarem por que a Veja deu um ‘furo’ que, manipulado ou não, constituiu um balde de água gelada nas fuças dos linchadores de Lula.
Parece-me inacreditável que alguém tenha dificuldade de entender por que a Veja publicou a reportagem do último fim de semana, a despeito de seu antilulismo, antipetismo e antiesquerdismo. A claque de Vejas, Folhas, Globos e congêneres está muito enferma – mentalmente. Esses veículos deveriam trazer avisos como aqueles que vêm em maços de cigarros, sobre o mal que o fumo faz à saúde, só que com fotos de pessoas cometendo atos estúpidos, talvez engraçadamente estúpidos, como o de socar uma bola de sorvete de casquinha na própria testa durante tentativa de colocá-la na boca. O aviso diria: ‘Cuidado! A leitura deste veículo faz mal à sua saúde mental, ao seu senso crítico, tornando-o um reacionário cínico, preconceituoso e sem escrúpulos.’
Lucro jornalístico
A Veja publicou reportagem que matou o ânimo dos seguidores da seita do santo grooving porque a verdade sobre o acidente virá à tona, cedo ou tarde, e era preciso dar a primeira interpretação dúbia sobre um fato incontestável para evitar que os caluniadores do governo ficassem sem argumento algum para acusá-lo. Assim, foi criada a teoria sobre ‘causa inicial’ do acidente. Causas iniciais de acidentes existem, pelo critério da Veja. Por exemplo, quando uma pessoa atira em outra, a causa ‘inicial’ é seu dedo puxando o gatilho. Assim, a localização de Congonhas, que impede que a pista seja mais longa, poderia ser usada para atacar Lula. Afinal, ele deveria ter tirado Congonhas de lá, certo? Certíssimo! Deveria mesmo. Só que todos os seus antecessores terão que dividir a culpa com ele. Claro que a mídia dirá que a localização de Congonhas e o tamanho de sua pista são absurdos agora, mas antes não eram, por exemplo no tempo de FHC. Mas a maioria da sociedade, que ficou órfã de informação desde o dia 17 de julho, saberá discernir que tudo não passou de uma enorme fatalidade.
Há mais uma razão para a reportagem da Veja ter se antecipado aos laudos oficiais sobre o acidente. A pretensão de dar um furo na concorrência me parece de uma obviedade escandalosa. Se não é possível extrair lucro político do furo, pelo menos haverá o lucro jornalístico, que manterá a fama da revista de noticiar antes, de antecipar acontecimentos imprevistos.
Diferente dos concorrentes
Agora, primor mesmo são as exibições de decrepitude mental das vítimas de Vejas, Folhas, Globos e congêneres. Sabem como desqualificam o resultado das perícias feitas pela norte-americana National Transportation Safety Board? Esses doutos basbaques, ante o ‘jornalismo’ dos veículos supra mencionados, leram o Reinaldo Azevedo antecipando que, no fim das contas, a culpa seria ‘colocada’ no piloto do Airbus e, tal qual papagaios, repetem o que ele disse como se tivessem sido eles os formuladores dessa pérola. Dizem, sem constrangimento, que ‘já sabiam’: que ‘a corda estouraria do lado mais fraco’. Ou seja: a leitura das caixas-pretas do Airbus da TAM teria sido falsificada pela agência norte-americana em prol de Lula. A caixa-preta revelaria que houve derrapagem por falta de grooving, mas o complô lulista faria a instituição ianque disponibilizar dados falsos.
O público, nesse episódio da tragédia com o avião da TAM, foi desinformado, enganado, vilipendiado, roubado em seu direito de receber informações corretas. A Veja, ainda que por razões menos nobres, optou por se diferenciar da concorrência, que decidiu, diferentemente do que fez quando a mesma revista publicou reportagens malucas como a dos ‘dólares de Cuba’, ignorar sua matéria desta semana dando conta das causas do maior acidente aéreo da aviação brasileira. Ironicamente, o veículo mais desonesto do país na atualidade deu um legítimo furo de reportagem em Folhas e Globos e, assim, resgatou um pouco do jornalismo que deveria ser feito pela imprensa brasileira, menos pautado por injunções políticas do que por ímpeto jornalístico.
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Em tempo [incluído às 16h57 de 31/8]:
1. O maior jornal do país, a Folha de S.Paulo, não repercutiu, nem no sábado nem no domingo (28-29/8), a reportagem da Veja que motivou o artigo de Alberto Dines (‘Veja apela, jornais repercutem – Como se fabricam os furos‘), nesta edição do OI. O jornalão só tocou no assunto, en passant, na segunda-feira (dia 30).
2. Quanto ao Estadão e ao Globo, a abordagem que deram para os dados sobre falha humana no desastre com o avião da TAM foi de mera suposição e em nenhum momento esses jornais descartaram, como fez a Veja, a teoria sobre defeito na pista principal de Congonhas, falta de grooving e aquaplanagem.
3. O inusitado da reportagem da Veja pode ser comprovado simplesmente analisando-se o noticiário que a sucedeu. A ‘falta de grooving‘, as ilações sobre a pista de pouso de Congonhas como causas do acidente, simplesmente sumiram de jornais, tevês, internet depois da matéria da Veja.
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Comerciante, São Paulo; http://edu.guim.blog.uol.com.br