Na avaliação de boa parte dos analistas, o modelo de comunicação do Brasil é familiar e concentrador. As empresas estão nas mãos de algumas poucas famílias, e não há a diversidade de origens e posicionamentos que acontece em outros países. Mas esse modelo sobrevive à nova era da informática e da internet? É possível democratizar os meios de comunicação na nova era que se inicia? E como se dará essa democratização?
A 1ª Conferência Nacional de Comunicação, cujos debates têm início nesta terça-feira (15), colocará frente a frente cada um dos setores hoje posicionados nessa discussão. Sem os emocionalismos que têm marcado essa discussão, é possível que se consiga equilibrar algumas questões: os meios de comunicação tradicionais se uniram para derrubar o governo? Existe um Partido da Imprensa Golpista? Ou, do outro lado: o governo quer criar meios de cercear a liberdade de imprensa?
A Confecom será um marco no processo regulatório da comunicação social no país. Durante três dias, representantes de rádios comunitárias, movimentos sociais, empresas do setor, acadêmicos, governo federal e parlamentares se reunirão para ampliar o debate sobre temas polêmicos como, por exemplo, a concessão de radiodifusão.
‘Há uma grande possibilidade de surgirem propostas de políticas públicas. Essa é a primeira vez que conseguimos realizar uma discussão aberta com essa capilaridade. Essa conferência irá servir de ideia para o Legislativo e o Executivo e estipular uma pauta para as eleições do ano que vem’, considera o professor da Universidade de Brasília (UnB), Fernando Paulino, membro da comissão organizadora do encontro.
A conferência não tem caráter deliberativo. Alguns temas polêmicos serão debatidos e poderão contribuir na criação de políticas públicas e leis para o setor. Entre as polêmicas, a concessão de radiodifusão será um dos pontos de maior impasse. A Constituição define em seu artigo 21 que os serviços de radiodifusão e telecomunicações são prerrogativas do Estado, podendo ser explorados por terceiros por meio de concessão, permissão ou autorização. O que ocorre, no entanto, é que as outorgas para exploração desses meios têm privilegiado grandes grupos econômicos e políticos.
Entidades sociais alegam que o modelo atual privilegia, por exemplo, a concessão para as famílias Sarney, no Maranhão, e Magalhães, na Bahia, que controlam rádios e canais de TV aberta nesses estados. A deputada Luiza Erundina (PSB-SP), que participará da conferência, reforça que a Constituição estabelece que ‘os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio’.
‘Precisamos mudar os critérios de outorga. Essa é uma área que precisa ter um controle público e participação da sociedade. As concessões duram 15 anos, o que é muito tempo, e as renovações são automáticas’, afirma Erundina. ‘Quando apresento requerimento para discutir as concessões na Câmara, é um grita geral. Ninguém quer. Mas a sociedade precisa assegurar a fiscalização dessas concessões. O controle social é o centro do debate’, considerou Erundina.
Regulamentação da comunicação
A conferência tem o propósito de sugerir critérios de regulamentação para o capítulo V da Constituição, que dispõe sobre a Comunicação Social. Há 20 anos, esse setor aguarda regulamentação. Segundo Erundina, espera-se que, com a conferência, sejam propostas medidas para democratizar o acesso à comunicação, não só no que diz respeito ao amplo acesso à internet, como também ao aumento do controle popular dos meios de comunicação, aumentando a capilaridade de rádios comunitárias.
Entre outros pontos, também devem causar polêmica as propostas de reservar mais canais para rádios comunitárias e reservar 20% das verbas de publicidade oficial para veículos de baixa circulação, mídias alternativas e imprensa livre. Também será parte das discussões a obrigatoriedade de TVs abertas ou por assinatura e rádios terem, no mínimo, 10% de suas programações reservadas para finalidades educativas, culturais, informativas e artísticas.
‘Em um sistema de comunicação, a medida da pluralidade é dada pela quantidade de vozes com acesso à esfera pública midiática. Quanto mais concentrado é o setor, menos democrático ele é. Por isso, regras de limite à concentração de propriedade são essenciais para construir um ambiente democrático nas comunicações’, afirma a ONG Intervozes, em documento com propostas para a Confecom.
Empresários rachados
De saída, porém, o debate ficará prejudicado pela ausência das principais empresas da chamada mídia tradicional. A Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) e a Associação Nacional dos Jornais (ANJ) resolveu ficar fora da discussão, alegando que o objetivo da conferência seria criar um sistema de controle dos meios de comunicação que cercearia a liberdade de expressão, algo que os organizadores da Confecom negam.
Houve, na verdade, um racha entre os empresários. Duas outras entidades, a Associação Brasileira de Telecomunicações (Telebrasil) e a Associação Brasileira de Radiodifusores resolveram participar da conferência e representarão o empresariado nas discussões. O principal representante dessa ala é Johnny Saad, do grupo Bandeirantes. A Telebrasil, de Saad, propõe, entre outras coisas, que sejam retomadas as discussões sobre um ‘novo marco legal para as agências reguladoras, que leve em conta os riscos para a sua autonomia’. A Telebrasil também propõe a redução do valor ‘das taxas de fiscalização, de forma a gerar um total que corresponda efetivamente às necessidades da Anatel’.
Um ponto de convergência entre os grupos que participam da Confecom deverá ser a necessidade de se ampliar o acesso à internet. No documento final da Confecom, é possível que a comissão organizadora proponha a criação de um Plano Nacional de Banda Larga. No debate de acesso à internet, um capítulo importante também será o projeto que propõe um marco regulatório para a rede mundial de computadores.
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