Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

O governo mineiro e a Globo

O site noticioso NovoJornal, de Belo Horizonte, trouxe em 23/1/2007 a seguinte manchete ‘Governador de Minas, Aécio Neves, paga US$ 269 milhões de dívidas da Rede Globo de Televisão na compra da Light’. Será?

Em investigação realizada pelo site, são revelados detalhes de um negócio em que o governo mineiro, com capital da Cemig, criou uma outra empresa, a RME – Rio Minas Energia Participações S/A, a qual comprou a Light ‘transferindo para os fundos credores da Rede Globo (…) um crédito em ações de US$ 269 milhões, através do pagamento feito a maior que a quantidade de ações adquiridas na Bovespa pela RME – Rio Minas Energia Participações S/A, na operação de compra’.

Segundo o site, quando se analisa a compra da Light pela RME com documentos da Secretaria de Acompanhamento Econômico, do Ministério da Fazenda, percebe-se que, apesar de ter pago por 79,57% das ações da Light, a RME só adquiriu 75,40%. Tal operação, de acordo com o site, é utilizada por empresas particulares para esconder ou desviar lucros, tal como quando se compra nota fria. O saldo da operação seria o destinado à amortização da dívida da Globo para com credores estrangeiros.

Toda a negociação, aparentemente, envolveu a posse do ex-presidente da holding do Grupo Globo, Ronnie Vaz Moreira, como presidente da tal RME – Rio Minas Energia Participações S/A e como diretor-financeiro da Light. Em suma, o povo mineiro, sem saber, através de sua companhia elétrica estadual, financiou o salvamento do grupo Globo, para que este agisse em favor do governador mineiro Aécio Neves.

Nesse processo, a Cemig acabou por constituir sociedade com várias empresas particulares na RME, porém sua participação é de apenas 25%. Ainda de acordo com o site, ‘a irregularidade na constituição da empresa é tão grande e insanável que a Junta Comercial e a Receita Federal não conseguem explicar como isto ocorreu, prometendo pronunciar-se só depois de uma profunda e detalhada investigação’.

Blindagem eficiente

Como os credores da Globo nos EUA já tinham entrado com pedido de falência contra a empresa em Nova York, o pagamento da dívida teve quer ser feito dentro da contabilidade da Globo, o que acabou ‘deixando rastro’.

O site se alonga em detalhes exaustivos da operação e cita, inclusive, dados da Justiça norte-americana, a qual, embora busque explicações da origem do dinheiro da Globo para o pagamento do seu pedido de falência, deixa um vazio justamente ao não explicar qual o mecanismo de entrada desses recursos no caixa da Globo. Não explica o X da questão.

O site dá indícios e mostra evidências fortes que devem ser apuradas pelo poder público e pela mídia. A questão é: qual mídia? Se tal operação de salvamento da Globo através de artimanhas do mercado financeiro foi realmente articulada pelo governo de Minas, por dedução explica-se a eficiente blindagem e o quase apoio institucional que o governador Aécio Neves recebe da Globo.

A Globo, por meio de seus veículos, não noticiaria ou mobilizaria a opinião pública para uma irregularidade cometida para sanear suas dívidas. Ou noticiaria? Aparentemente, também não o fariam o Grupo Abril ou o Grupo Folha, pois, segundo matéria do mesmo site (‘Aécio Neves entrega Copasa às multinacionais espanholas OHL, Agbar e Capital Group, para montar campanha à Presidência’, ver aqui), em operação financeira dessa vez envolvendo a Copasa, o governo de Minas acabou cedendo capital da empresa para grupos econômicos com participação nos dois grupos de comunicação.

Cabe, no entanto, aos meios de comunicação não acusados e ao poder público apurarem as denúncias de uso de capital de empresas públicas e estratégicas para o financiamento de articulações e movimentações entre políticos e grupos de comunicação.

Sugiro a este Observatório e aos profissionais de mídia investirem na apuração dessas denúncias. Seria uma nova ‘Sociedade dos Amigos de Plutão’? Pode ser, mas deve ser investigado para se chegar a essa conclusão. Sendo as operações irregulares ou não, e tendo realmente ocorrido, poderia tratar-se de uma manobra para obter controle sobre o que é publicado nos meios de comunicação de maior alcance no país, sobre controle dos grupos Globo, Folha e Abril. Ao financiar com dinheiro público o saneamento das dívidas do Grupo Globo, Aécio Neves se tornaria parceiro. Sócio. Ao permitir que capital da Copasa se misture com capital de grupos estrangeiros dos quais fazem parte Folha e Abril, novamente Aécio se tornaria parceiro. Sócio. Em suma, se trataria de uso de dinheiro público para fins pessoais.

Projeto de poder

A crise financeira que assolou os veículos de comunicação, associada à atual transformação no mercado de capitais e à entrada no país de novos grupos investidores em telecomunicações e tecnologia, acabou por configurar um cenário em que o grupo com maior poder de barganha, leva. Não se trata de ideologia ou projeto político, mas pura e simples lógica de mercado. Quem paga mais, leva.

Como o atual governo não o fez através de financiamento oficial do BNDES, tão discutido alguns anos atrás, Aécio, segundo o NovoJornal, o teria feito através das ferramentas que tem à mão, dispondo de capital público, pertencente aos cidadãos mineiros, para, assim, aproximar-se daqueles que divulgam idéias e para levar a si próprio e a seu grupo político à presidência da República.

Desde o início de seu primeiro mandato ouve-se falar em cerceamento da imprensa pelo governo de Minas. Em todos os veículos. Mas, se confirmadas as denúncias apresentadas pelo site, a compra da ‘grande mídia’ no país para o benefício, impulso da imagem e conseqüente chegada à presidência de Aécio Neves se mostrará não apenas como censura ou cerceamento de idéias, mas como um profundo e bem arquitetado projeto de chegada ao poder – não só do governador, mas de todo um complexo, poderoso e influente grupo político e econômico. Será?

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Documentarista