Wednesday, 25 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

O jornalismo como um serviço social

A Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), sindicatos de diferentes estados, profissionais, professores e estudantes de Jornalismo aguardam otimistas pela votação na Câmara dos Deputados da PEC 206, aprovada pelo Senado em 2012, que resgata a exigência do diploma para atuação de jornalista. A votação estava prevista para o último dia 7/4, em que se comemora o dia nacional do jornalista, mas foi adiada por conta do regime de urgência do recente projeto de lei sobre as terceirizações. O presidente da Câmara disse à Fenaj que pretende promulgar a PEC do diploma e a proposta volta à pauta de votação no plenário assim que as sessões voltarem ao ritmo normal.

A exigência do diploma foi extinta em 2009, quando o Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional o Decreto-Lei 972/69 que regulamentava a profissão de jornalista, com o principal argumento de que o decreto era datado do regime militar e que por isso limitaria a liberdade de expressão e manifestação do pensamento. Em contrapartida, ao mesmo tempo, nenhum dos cinco artigos que dispõem sobre a comunicação social no capítulo V da Constituição brasileira de 1988 foi regulamentado até hoje e a consequência disso é que muitas práticas adotadas pelas empresas de mídia ferem alguns princípios constitucionais, como por exemplo a não existência de monopólio ou oligopólio, direto ou indireto, nos meios de comunicação (inciso quinto do artigo 220) e o estímulo à produção independente e regionalização da produção cultural, artística e jornalística (artigo 221).

A aprovação da PEC do diploma não se trata, portanto, apenas de uma exigência única em si mesma. Ela resgata o tema da democratização das comunicações no país, uma questão maior e mais complexa, que coloca a difusão de informação como um direito público. A regulamentação da mídia dá respaldo para entendermos o jornalismo como uma atividade a serviço do interesse público. É a partir dela que os direitos da sociedade à informação isenta podem ser exigidos dos veículos e empresas de comunicação.

Vítima principal

Nenhum ramo de atividade de produção econômica funciona sem regulamentação. Como um hospital, uma escola, um escritório ou um comércio precisam obedecer a normas para seu funcionamento, uma empresa de mídia também não pode ser colocada acima da lei. Afirmar que a regulamentação da mídia é um tipo de censura com viés comunista, além de ser uma simplificação grotesca, é um dissenso. Os Estados Unidos, por exemplo, principal modelo de país liberal do mundo, possuem normas que impedem o monopólio da difusão de informação através de diferentes mídias em favor do estabelecimento da livre concorrência.

Talvez um dos mais graves problemas da falta de regulamentação pública, ou liberação total da mídia, esteja justamente em tornar o mercado inquestionável. Regular interesse público pelo mercado também parece um contrassenso. Logo, a decisão do governo federal, em fins de 2014, de cancelar os anúncios da Petrobras, Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil às editoras Abril e Globo em 2015 dá mostras de uma nítida briga de mercado – às favas com os direitos da população à informação para o estabelecimento de um Estado democrático. Em miúdos, o governo reprova as práticas adotadas pelas empresas de mídia, divulgando informações sem provas, mas ao invés de buscar soluções em prol do direito da população à informação com maior credibilidade, procura puni-las pelo bolso.

Ocorre que, se o mercado mostra-se mais poderoso que o próprio governo, os interesses privados estarão à frente, e vice-versa. E quando o produto é informação, as consequências podem, sim, ser manipulações a favor de tais interesses, seja através de distorções, de ausências, ou de informações que, descontextualizadas, desinformam. O cenário de que dispomos, portanto, é o da disputa e desavença. Aí que podemos ver a desvalorização do real em relação ao dólar ser tratada como fato isolado de problemas da economia brasileira, sem ter ideia do cenário econômico mundial. Ou, em tempos de escassez de escrúpulos e desonestidade sem limites, a corrupção pode ser tratada como filha única de governo e do poder público, e a corrupção de mercado ficar fora da agenda social porque, apesar dos grandes avanços e crescimento da tecnologia, internet e redes sociais, os meios de comunicação ainda detêm maior domínio sobre o que se divulga ou não. E a principal vítima disso tudo não é o governo, mas a população.

Pauta antiga

O fato é que, sem regulamentação da mídia, não há o que garanta que o interesse público seja colocado à frente dos interesses da empresa de mídia – e daí que vamos ver sempre a empresa de mídia reproduzir o que em jornalismo chama-se “linha editorial”. Isso é legal, é assim que é ensinado em todas as escolas de Jornalismo e é assim que ele é praticado no sistema em que vivemos. Porém, desta forma, passasse a não entender a informação jornalística como um direito do cidadão para uma democracia mais participativa, mas como uma mercadoria produzida para o seu público-alvo, os consumidores de notícia. Então, o jornalismo vira divulgação de notícias que o seu público-alvo (aquele que banca o jornal) quer que se divulgue.

A culpa é dos jornalistas? Talvez em parte, por uma falta de compromisso ético e ideológico da função social de sua profissão. Mas isso corresponde, em minha opinião, à já velha ilusão da ideologia do sistema econômico em que vivemos, o neoliberalismo, que enfatiza que o mercado regula tudo. Os jornalistas vivem na mesma sociedade que o resto do mundo, não estão nem acima nem abaixo dela, e sofrem as mesmas interferências que todas as áreas. Só que o mercado já deu várias mostras e provas de que não regula tudo. Vide a crise econômica na Europa, deflagrada em 2008, em que muitos governos tiveram que injetar dinheiro público em bancos que estavam quebrando. A crise é sentida ainda hoje e as consequências nós sabemos quais foram.

A principal ferramenta do jornalismo é a pergunta e, apesar de ser o sistema em que vivemos, o mercado não pode ser inquestionável e nem estar acima da sociedade. Só assim o jornalista poderá se importar com a única tarefa de fazer jornalismo.

A conclusão parece simples e óbvia: o jornalismo totalmente desregulamentado nada mais é que um negócio e a notícia, uma mercadoria. É importante que isso esteja claro no entendimento das pessoas para que possamos falar em cidadãos conscientes que talvez vislumbrem que para o fortalecimento da democracia, para que o poder seja exercido de fato pelo povo, a informação privada não basta. Na falta de mecanismos de proteção, confundidos com censura, é imprescindível que se tenha uma leitura crítica da mídia, que se interprete as notícias considerando de onde, por quê e para quê vêm, sem a simples absorção ou descarte de informação. Acreditando nisso, é dessa forma que na atual conjuntura se mantém alguma esperança. Enquanto isso, vale a lembrança de que há algum tempo o PT pauta a regulação da mídia em seus programas de governo. A votação da PEC do diploma pode ser um pontapé inicial. Quem sabe dessa vez vai.

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Elaine Manini é mestranda no POSJOR/UFSC e pesquisadora do objETHOS21