Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O jornalismo e a História

Esquecer é perigoso. Pode gerar conseqüências terríveis. A mais comum é a repetição de erros. Outra grave é a absolvição de pecados que não deveriam merecer perdão, sobretudo em anos marcados por decisões políticas importantes. Para viver bem, na plenitude da cidadania, é preciso rememorar. Relembrar deveria ser remédio prescrito para uso diário. O momento presente é fruto do que foi feito ou desfeito no passado, assim como o futuro é resultado do que está sendo construído agora.

A prática do jornalismo cumpre várias funções no meio social em que se realiza. Como uma das mais importantes, está a de proteger a comunidade contra alguns efeitos perversos da impiedosa passagem do tempo, entre os quais o mais lesivo é o natural olvido de processos, fatos, situações e personagens que marcaram o seu destino e influenciaram sua marcha sobre a Terra. Trazer de volta à tona acontecimentos registrados em épocas pretéritas é parte da responsabilidade ética da imprensa. É cláusula fundamental do pacto tácito celebrado entre ela e o seu público, titular do direito à informação de qualidade.

Irrelevância e incompreensão

Em sentido contrário, é possível alegar que a abordagem da História cabe à instituição escolar ou até à família. É inegável, no entanto, que o destaque alcançado pelos meios de comunicação na sociedade contemporânea confere a eles uma tarefa que não tem como se limitar à mera divulgação dos eventos cotidianos. O jornalista, seguramente, não é professor, mas é capaz de ativar a ampla circulação de matérias de caráter histórico e portadoras de indisfarçável impacto educativo, o que requer extrema honestidade intelectual e excelência formal.

O jornalista, no entanto, não pode ser confundido com o historiador. Em tal posição, ele estaria obrigado a conferir à sua produção um rigor científico que as condições materiais de que desfruta para exercer o seu trabalho não permitem. Infelizmente, por variadas razões, a atividade jornalística é desempenhada, amiúde, de modo precário, ensejando a edição de textos pródigos em falhas ou omissões.

Referida circunstância, mais comum no chamado jornalismo diário, não pode, porém, impedir a imprensa de levar à consideração de seu público ricas referências ao que costumamos chamar de ‘passado’. Ainda que sejam numerosas as limitações inerentes ao ofício dos historiadores, desde sempre marcado por disputas ideológicas e guerras entre versões, o recurso ao campo da História é estratégia que todo jornalista comprometido com o poder e o significado da notícia deveria executar. Sem ele, o seu trabalho fica pobre, perde fôlego e corre o risco da irrelevância ou da incompreensão.

O mundo como um enigma

É pouco razoável imaginar que o público capte satisfatoriamente qualquer informação veiculada hoje em dia sem que ela esteja apresentada em seu contexto devido, sobretudo em sua dimensão histórica. A maioria dos fatos pode ser rastreada em seus antecedentes e em suas causas. Sem essa providência, não há como entendê-los e analisá-los a contento.

Sem conectá-los às suas fontes, às suas origens, à sua ‘história’, restará apenas a possibilidade de contemplar os fatos com a fisionomia assustada de quem não consegue unir as peças de um quebra-cabeças. É nesse momento que, para uns, o mundo muito provavelmente será lido como uma fatalidade, uma ironia, um ato de cinismo ou, simplesmente, como um grande assombro, como algo sem sentido, uma explosão absurda e inexplicável de fragmentos que não compõem qualquer narrativa inteligível. É nesse momento que o mundo poderá surgir como um enigma, um mistério, uma mensagem cifrada, um texto absolutamente ilegível.

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Advogado, jornalista, mestre em Direito Internacional pela UFMG e doutorando em Direito Internacional pela Universidade Autônoma de Madri