As aspas no título deste artigo denotam, naturalmente, que se tenciona dar sentido figurativo à palavra contida nele. Por conseguinte, pretende-se aqui aplicar o mencionado vocábulo em uma acepção filosófica, logo, por óbvio, não se trata da utilização de “lugar” com significado de local físico, seu valor semântico estrito e principal. E que conexão esta introdução pretensamente semiológica tem com a imprensa para estar publicada neste prestigioso espaço? O vínculo se faz a partir da forma com que foi abordado em muitos veículos de comunicação o lastimável episódio envolvendo policiais militares e professores, que protestavam diante da Assembleia Legislativa paranaense, na última semana de abril.
É que ao se ler e/ou assistir a reportagens sobre a agressão (esta seria a palavra semanticamente mais apropriada para definir a situação aqui referida) perpetrada por policiais militares do Paraná a docentes, que exerciam o direito constitucional de se manifestar contra o que consideram prejudicial aos seus direitos previdenciários, saltam aos olhos duas tristes realidades: a primeira, naturalmente, a própria brutalidade – de quem deveria garantir a paz – contra educadores, logo estes, os maiores responsáveis pelos avanços cognitivo-instrucionais de nossas crianças e jovens; e, em segundo lugar, como ato contínuo, a desfaçatez com que boa parte (quiçá, a maioria) dos veículos da imprensa tradicional oligopolizada cobriu o lastimável evento.
Se, em relação à primeira questão, as imagens e os depoimentos dos docentes atacados, física e simbolicamente, falam por si, o tom falso e eufêmico de numerosas reportagens (artigos e colunas, ainda mais, dentro da expectativa de quem acompanha os indisfarçáveis vieses político-ideológico-partidários de quase todos os autores que militam no oligopólio mediático-empresarial) deve ser condenado com base, sobretudo, em princípios da deontologia jornalística. Mas também se pode fazê-lo até mesmo nos ensinamentos mais elementares da Semiologia e da Linguística.
Com o intuito de ampliar a possibilidade de compreensão do objeto brevemente analisado neste artigo, restrinjamos a esta área de conhecimento a nossa contribuição ao, perenemente imprescindível, debate sobre os termos escolhidos pelos órgãos de comunicação em massa controlados por clãs familiares – os quais se acostumaram a publicar apenas o que querem, ocultando informações. Para tanto, basta verificar em inúmeros textos a inexistência (ou apenas uma única e rápida citação, sem destaque, portanto) de referência ao nome do partido político em casos negativos implicando tucanos, como o que se aborda aqui; o que contrasta com as muitas citações à sigla partidária a que o político pertence, quando este é considerado de esquerda – principalmente se filiado ao PT.
Assim, constata-se, com facilidade e mais uma vez, a preocupação de colaborar para a redução dos danos à imagem da entidade política a que o governador do Paraná, Beto Richa (PSDB), pertence, conduzindo-se os relatos jornalísticos de acordo com as linhas editoriais determinadas pelas famílias proprietárias dos veículos tradicionais. Estes, por sua já conhecida parceria com governos neoliberais e conservadores – marca indelével das gestões peessedebistas, inclusive nos estados – estabelecem que cada ocorrência que envolva seus parceiros seja divulgada de forma a preservá-los a todo custo.
Erro linguístico voluntário
No caso aqui referido, a provável “ordem superior” para divulgar fatos e acontecimentos potencialmente delicados para determinados políticos, inclusive negligenciando-se cânones da correta prática do jornalismo, resultou no uso de palavras impróprias para se cobrir o lastimável acontecimento.
E nem é preciso ser filólogo ou lexicógrafo para perceber o porquê da opção por noticiar o mencionado ato de violência ocorrido em Curitiba, de modo a suavizá-lo com vistas a minorar os danos à imagem do chefe da corporação que a praticou, no caso o governador paranaense.
Para o leitor e/ou telespectador – posto que, obviamente, no rádio a interpretação depende ainda mais do texto, da redação e até da inflexão da voz comunicador – minimamente atento e que tenha razoável conhecimento do real significado de alguns termos simples da língua luso-brasileira, impõe-se a inferência inevitável de que tal orientação (minimizar prováveis prejuízos para o político, reeleito no ano passado, e o partido a que pertence, causados pela repercussão negativa junto à opinião pública) levou à opção pelo uso equivocado da palavra confronto (sic), aplicado sobremaneira em títulos de jornais e escaladas de telejornais.
Outro termo semanticamente inadequado que pode ser encontrado (até mesmo nos dias subsequentes ao ataque aos docentes) em textos sobre a agressão aos professores no Paraná, igualmente aplicado com frequência fora de sua já ampla polissemia é guerra. Definitivamente, não foi isso que aconteceu. O espaço junto à Assembleia Legislativa paranaense não se transformou em “praça de guerra”, mas, sim, em local para uma real e efetiva tentativa de massacrar professores da rede estadual que se manifestavam pacificamente.
Portanto, baseado apenas em simples ensinamentos da Linguística, já se poderia afirmar que o mencionado lugar foi palco de um ataque realizado por uma corporação de Estado armada (legalmente, é claro) contra uma indefesa categoria de trabalhadores. Esta, ainda que muito vocifere, não pode fazer muito mais que soltar seus gritos e clamores, permitidos pela lei vigente desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, sublinhe-se, visando à manutenção de direitos de uma das classes mais importantes para o pleno desenvolvimento de uma nação. Tampouco teria condições de “confrontar” policiais, munidos de armas, mesmo que não-letais, e treinados para a repressão a manifestações populares.
Assim, por óbvia desproporção entre as “forças” implicadas na cena de beligerância, não houve um “confronto” ou uma “guerra” como noticiado pela imprensa corporativa engajada em proteger a imagem de alguns políticos e seus respectivos partidos. E, apesar do potencial inerente a eventos desta natureza, felizmente o brutal ataque não descambou para uma tragédia de proporções ainda maiores.
Imprensa agredida
E é relevante também sublinhar-se a continuidade e o espalhamento da violência ocorrida, naquela semana, em Curitiba, para além dos ataques aos docentes da rede estadual – aparentemente, tolerados por grande parte dos jornalistas, haja vista a classificação de “baderneiros” e black blocs, proferida pelo governador em entrevista coletiva, e celeremente replicada em textos de comentaristas e articulistas de veículos tradicionais.
Ironia veloz do destino, no dia subsequente ao chamado “confronto”, lamentavelmente a brutalidade policial atingiu também profissionais da própria imprensa hegemônica, justamente aquela que tanto protege determinados políticos e partidos. O exemplo mais vívido da brutalidade policial que vitimou os professores, marcando sanguinariamente o triste episódio, foi a mordida dada por um cão da PM na perna de um cinegrafista de uma emissora que registrava imagens do acontecimento.
Para concluir, voltando-se à questão linguística, resta a indagação, na verdade, quase uma pergunta retórica, não por uma intrínseca irrespondibilidade, mas justamente pela obviedade de sua resposta: será que repórteres, editores, colunistas e articulistas – muitos deles, experientíssimos – desconhecem o verdadeiro sentido de palavras tão comuns aos falantes da língua portuguesa? É inevitável pensar que a resposta está na “blindagem” que a imprensa tradicional confere aos seus parceiros. Se não fosse por esse motivo, ficaria difícil explicar tais incorreções vocabulares tão pueris.
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Luciano Zarur é jornalista, professor universitário e mestre em Filosofia