Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

O mapa da violência racial

O Estado de S.Paulo é o único dos grandes jornais brasileiros a dar atenção ao Mapa da Violência 2010 em sua edição de papel, na quarta-feira (31/3), embora outros órgãos da imprensa tenham publicado reportagens sobre o assunto em suas edições online de terça (30). O estudo, elaborado pelo sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz, informa que o Brasil teve, em dez anos, mais de 512 mil assassinatos.


A situação melhorou nas grandes cidades nos últimos anos, mas vem piorando no interior do país. Os últimos dados compilados, referentes ao ano de 2007, dizem que 117 brasileiros são assassinados todos os dias.


O trabalho realizado pelo Estadão em cima das estatísticas tem maior importância do que as reportagens mais ou menos apressadas publicadas na internet pelos concorrentes porque trata de esquadrinhar os números para mostrar certas características perversas da distribuição da violência na sociedade brasileira. O jornalão paulista observa, por exemplo, que um jovem negro sofre um risco 130% maior de vir a ser vítima de homicídio do que um jovem branco.


Esse quadro é um dado crucial para o entendimento das desigualdades que ainda persistem no país que mais se orgulha de sua democracia racial.


Sem repercussão


Os detalhes sobre a situação nos estados são ainda mais sombrios. Na Paraíba, por exemplo, o risco de morte violenta para jovens negros é 1.189% maior do que para os jovens brancos.


O retrato é semelhante em todas as faixas etárias, mas chamam mais atenção os números referentes a ocorrências nos quais as vítimas são jovens, porque essa faixa etária segue sendo a mais afetada pela violência em todo o país.


O estudo, segundo o próprio autor, revela que as políticas nacionais de segurança pública priorizam as áreas mais ricas das grandes cidades, onde efetivamente a violência parece ter diminuído. Segundo Jacobo os dramas provocados pelos assassinatos são os mesmos e as perdas são iguais para as famílias atingidas, mas a morte de um jovem branco em regiões onde vive a população de renda mais alta costuma provocar reações mais fortes da imprensa do que a morte de mais um jovem negro na periferia.


Sem repercussão, os crimes contra negros e pobres não estimulam a ação dos órgãos de segurança.


O retrato perverso do Brasil


Em boa parte dos estados, o fenômeno se destaca nas estatísticas: diminuiu o número de mortes por homicídio entre jovens brancos e aumentou entre os jovens negros. Apenas esse dado deveria ser suficiente para levar a imprensa a tentar entender o que está realmente acontecendo no Brasil. Ou parar de dar publicidade ao mito segundo o qual vivemos numa democracia racial.


A questão afeta todas as políticas sociais e deveria estar presente nos debates sobre as cotas nas universidades, tema preferencial de alguns dos mais lustrosos articulistas de jornais.


Embora o Estadão destaque, em análise de um repórter especializado, que o homicídio não está vinculado à questão étnica, o contexto social que produz mais mortes entre negros do que entre brancos tem, inegavelmente, um componente de raça.


E embora se saiba desde muito tempo que os assassinatos têm um caráter territorial, porque ocorrem com maior freqüência nos territórios abandonados pelo Estado, sem infraestrutura, sem controle de armas e sem mediadores institucionais, o fato de que negros e pardos são empurrados para esses lugares altera completamente a base para interpretação dos dados.


O crime de homicídio pode ter relação com a territorialidade, mas o crime anterior, de exclusão, praticado pela sociedade, tem forte componente étnico, pela menor oferta de bons empregos e oportunidades para uns do que para outros, conforme a cor da pele.


A reportagem do Estado de S.Paulo avança muitos pontos em relação à abordagem que os demais jornais deram ao Mapa da Violência. Mas o tema merece algumas extensões.


Certamente nossas revistas semanais de informação, sempre atentas aos grandes assuntos de interesse nacional, vão se debruçar nos próximos dias sobre a questão e nos apresentar, no fim de semana, brilhantes contribuições para nossas reflexões sobre o Brasil de verdade. A ver.