Na realidade, os italianos gostam muito de três coisas brasileiras: futebol, a beleza das mulheres e a música (não necessariamente nessa ordem). Quase o mundo inteiro pensa que todo italiano tem a obrigação de saber cantar, e por isso mesmo todo italiano sente-se na obrigação de saber cantar. Dizem-se os inventores da música, com Guido d’Arezzo, da ópera, no que têm razão; de ter na música napolitana a mais conhecida canção popular do mundo, O Sole Mio (sobre esta há um fato curioso: Yuri Gagarin, o primeiro cosmonauta, ao ter uma visão do Sol jamais vista até então por qualquer ser vivente, não resistiu e de dentro de sua pequena Volstok cantou O Sole Mio).
Portanto, o fato de os italianos gostarem com sinceridade da música brasileira é um atestado que esta realmente é muito boa e eles a sabem apreciar. Cito um exemplo. Passou por Belluno um brasileiro de Santa Catarina, ex-caminhoneiro, e me deixou alguns CDs de presente: Roberta Miranda, Altemar Dutra, Zeca Pagodinho, Bezerra da Silva e Zé Carreiro e Carreirinho. Comentei o fato com um amigo e este demonstrou interesse em ouvi-los, chegou trazendo outros melômanos. Foi um sucesso, queriam que traduzisse algumas letras, cantarolavam algumas, demonstrando interesse por um gênero que muitos brasileiros desprezam e chamam de ‘música brega’. Sobre o assunto há uma excelente tese de mestrado, ‘Eu não sou cachorro não – música popular cafona e a ditadura militar’ (Paulo Cesar de Araújo, Record, 2000).
Assim sendo, não me causou surpresa que La Repubblica dedicasse uma página inteira anunciando a vinda de Gilberto Gil para um show (5/7) na Piazza di Siena (Roma). O evento que teve por nome ‘Siamo tutti brasiliani’ contaria ainda com a presença de Jorge Ben (ainda é chamado assim), Gal Costa, Toquinho, a Bateria da Mangueira e, como convidada italiana, a cantora Fiorella Mannoia. Toquinho é considerado uma adoção do país e goza de muito prestígio, primeiro por suas músicas com Vinicius de Morais e depois porque é chamado com freqüência a comentar jogos de futebol, no que se sai muito bem.
O ‘ministro’ volta a cantar, continua o artigo, mas logo faz a correção, ‘para dizer a verdade Gil nunca parou, pois tinha posto ao presidente Lula como condição para aceitar o cargo a de continuar com sua atividade artística’. Gil deu uma entrevista telefônica a Gino Castaldo. Este começa explicando que no Brasil nem o telefone tem pressa, portanto toca muitas vezes e depois é atendido por uma voz feminina, informando que o ministro demorará um pouco, pois está preparando sua viagem à Itália e se acha em reunião, mas virá falar.
Chega Gil ‘caloroso e musical até nos cumprimentos’, desculpando-se pela demora, pois chegara havia pouco da Argentina, onde tinha participado de uma reunião com ministros da Cultura de diversos países sul-americanos. Um encontro muito importante, ‘onde foram estabelecidas particularidades para a livre circulação de idéias culturais e, também, a criação de uma rede de distribuição que cubra toda a América do Sul’.
Sucesso absoluto
O entrevistador pergunta: ‘Mas seu amigo Caetano Veloso, falando do senhor, diz com muito afeto e um sorriso de malícia que, malgrado suas obrigações de ministro da Cultura, tem muito tempo vago, pois falta dinheiro e pouco se pode fazer. É verdade?’ Gil, como sói acontecer, dá uma longa explicação (algumas vezes pouco claras), reconhece que o dinheiro é escasso e os problemas brasileiros são enormes, portanto existem outras prioridades. No seu ministério não é só falta de dinheiro, há muitíssimas coisas a serem desenvolvidas no nível conceitual, novas idéias que devem ser realizadas para a administração cultural, surge todo um novo setor na cultura digital, portanto deve encontrar leis e regulamentos; há também outras coisas no que se refere às telecomunicações, que devem ser refundadas e redefinidas. Não é só falta de recursos, há muito a fazer política e filosoficamente. Acima de tudo fazer com que os políticos entendam que a cultura tem importância estratégica.
A resposta às outras perguntas continuam na mesma toada. ‘As mudanças existirão, não há dúvida, mesmo que as coisas ainda caminhem lentamente’. Termina fazendo um elogio à relação de Roma com os brasileiros, lamenta que, apesar das inúmeras viagens, ainda não fale italiano, tem intenção, quando deixar o cargo, de passar uns seis meses na Itália e assim aprender o idioma. Terá um pequeno início nessa viagem com Fiorella Mannoia, que quer gravar algumas músicas suas, mas traduzidas para o italiano.
Como não podia deixar de ser, o artigo apresenta alguns ‘escorregões’, ao classificar a Mangueira como a escola de samba mais antiga do carnaval do Rio, quando, de fato, das ainda em atividade, o título pertence à Portela, mas esse é um pecado venial perto da mania da mídia italiana considerar que brasileiro e carioca são adjetivos sinônimos. Não adianta explicar que carioca é o gentílico exclusivo para os nascidos na cidade do Rio de Janeiro. Este começou a ser usado somente em 1834 quando, durante a Regência do Segundo Reinado, foi criado o município neutro desdobrado da província do Rio de Janeiro.
De resto, tudo bem: o show foi um sucesso absoluto.
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Jornalista