“Filho de repórter da Globo não é de FHC, diz DNA” – o estranho título do texto publicado pela Folha de S.Paulo no domingo (26/6) escancara, sem maiores explicações, um dos mas conhecidos segredos da política e do jornalismo brasileiros.
A história de um filho fora do casamento era uma sombra que caminhava desligada do corpo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, sob cuidadosa proteção da imprensa. O assunto só vinha a público, eventualmente, em comentários veiculados pela internet, em tom de fofoca alimentada por seus desafetos.
Publicada inicialmente na coluna “Radar”, da revista Veja, a história de um exame de paternidade providenciado pelos três filhos de Fernando Henrique com a falecida socióloga Ruth Cardoso traz a público um aspecto da vida do ex-presidente que a imprensa sempre fez questão de manter na privacidade.
A estranheza não está no fato de a imprensa preservar a intimidade da família, mas na diferença com que são tratadas as figuras públicas. Outros episódios envolvendo relações extraconjugais, com ou sem filhos, nunca mereceram dos jornalistas tamanho cuidado.
Caso antigo
A notícia publicada na Folha no domingo afirma que, segundo o exame de DNA, o filho que se supunha ser de Fernando Henrique Cardoso com a jornalista Miriam Dutra, da TV Globo, não é dele. A notícia informa ainda que o ex-presidente reconhecera como seu filho o jovem Tomás Dutra Schmidt, há dois anos, em um cartório da Espanha.
Com o desmentido da paternidade, diz o jornal que ele vai manter o reconhecimento, mas seus herdeiros poderão, no futuro, contestar a decisão e retirar Tomás, que hoje tem 18 anos, da partilha de bens.
A sequência de notas fica ainda mais bizarra na terça-feira (28), com dois registros na coluna “Painel”, ainda na Folha. Diz o texto que no círculo próximo de FHC há quem sempre tenha desconfiado de que Tomás não era filho do ex-presidente. O jornal não explica o que quer dizer o “círculo próximo de FHC” nem esclarece a propósito de que essa informação precisa ser repetida. Aparentemente, a nota foi “plantada” apenas para acrescentar que Fernando Henrique “tem ótimo relacionamento com Tomás”.
Para os observadores mais curiosos, fica a impressão de que o jornal combinou com o personagem os detalhes da notícia, trazendo a público uma história pessoal que era, até então, quase um mito urbano.
Histórias sobre relacionamentos extraconjugais do ex-presidente o acompanham desde sua primeira candidatura ao Senado. A suspeita de que fosse dele o filho da jornalista da Globo deixa agora a categoria de segredo notório para se transformar na fofoca mais sigilosa da República.
Moralidade, entre a imprensa e a política *
A questão da moralidade pública pode afetar o funcionamento das instituições? O comportamento pessoal de governantes e outras autoridades pode influenciar a sociedade?
Em uma reportagem publicada no começo de junho, o jornal O Globo registrava que, nos quase 20 anos de existência da Lei do Colarinho Branco, houve apenas quatro condenações no estado do Rio de Janeiro. Isso é o equivalente a 1% das ações judiciais envolvendo acusações por corrupção.
A apuração feita pelos repórteres Carla Rocha e Fábio Vasconcellos é um caso exemplar do papel que a imprensa pode assumir para cobrar moralidade na vida pública brasileira. E, assim, ajudar a combater os numerosos casos de improbidade administrativa que povoam o país.
O Observatório da Imprensa na TV desta terça-feira (28/6) vai debater justamente a relação entre ética na política e legalidade. Como deve agir a imprensa diante de uma conjuntura política em que os desvios éticos entraram para a ordem do dia? Deve considerar apenas o que é legal ou ilegal, ou precisa avançar no debate ético e moral?
Em geral, a imprensa cobra que os governantes e seus auxiliares estejam dentro da lei, porém não dá atenção adequada à ética na política. Por outro lado, como mostra a reportagem de O Globo, as leis não são aplicadas como deveriam.
Para discutir essas questões, o programa contará com as presenças de Renato Lessa, cientista social; Chico Whitaker, da Comissão Brasileira Justiça e Paz; e do jurista Miguel Reale Jr.
A versão televisiva do Observatório da Imprensa vai ao ar nesta terça-feira às 22 horas, pela TV Brasil, ao vivo, em rede nacional. Em São Paulo pelo canal 4 da NET e 116 da Sky.
[* Com Tatiane Klein]